segunda-feira, 11 de junho de 2018

A saída de Diogo Dalot

Esta notícia, publicada na altura pelo jornal O Jogo, tem pouco mais de um ano. Diogo Dalot renovava contrato, ou seria transferido por um valor na ordem dos 20 milhões de euros, a verba da sua cláusula de rescisão.


Um ano depois, o que aconteceu? O que o FC Porto sabia que aconteceria. Se Dalot não renovasse, sairia por 20 milhões de euros - o valor comunicado à CMVM acabou por ser um pouco superior, de 22 milhões de euros, pois a cláusula de rescisão do contrato do lateral português não foi batida.

Quer isto dizer que, para todos os efeitos contratuais, não foi Diogo Dalot a ativar a sua cláusula de rescisão - FC Porto e Manchester United negociaram, isso sim, a transferência do futebolista para Inglaterra, facto esclarecido no comunicado à CMVM: «Chegou a um acordo», escreveu o FC Porto. Ora, quando se batem cláusulas de rescisão, não há negociações nem acordos. 

O FC Porto acaba de transferir aquele que era, neste momento e na ótica da gestão de mais-valias, provavelmente o segundo jogador mais valioso do plantel. Alex Telles é, neste momento, o jogador com mais mercado e de maior valia financeira. De resto, considerando percentagens de passes, percentagens de terceiros, amortizações, mecanismos de solidariedade FIFA e afins, qualquer jogador transferido pelo FC Porto nesta altura dificilmente rende uma mais-valia acima de 20 milhões de euros. 

Por exemplo, no mapa de percentagens de passes divulgado pela SAD no Relatório e Contas do primeiro semestre (que, diga-se, não inclui todos os profissionais dos quadros do clube - apenas aqueles que implicaram investimentos considerados «relevantes» pela SAD), havia apenas 8 jogadores cuja totalidade do passe percente/pertencia à SAD do FC Porto. São eles Aboubakar, Alex Telles, Boly, Soares, Quintero, Layún, Marega e Govea. Entre esses jogadores, Boly já saiu, Quintero está a ser negociado, Layún iria ficar em Sevilha mas o clube recuou na opção de compra e Govea não está no plantel principal. Sobram Alex Telles, Soares, Aboubakar e Marega, mas nem nestes casos os 100% de direitos económicos garantem todo o bolo numa eventual transferência - basta dizer que, caso venda Marega, o FC Porto terá de atribuir 30% da mais-valia ao Vitória de Guimarães.

Por isso, é muito difícil para o FC Porto fazer mais-valias significativas com o elenco atual. No caso de Dalot, é um elemento da formação do FC Porto, não implica amortizações de passes e, salvo alguma operação que se desconheça por parte da SAD, não há percentagens de passes a atribuir a familiares ou empresários próximos. Logo, o valor pago pelo Manchester United corresponderá quase na totalidade à mais-valia.

Por isso, não valerá a pena fingir ou alimentar teorias de que o FC Porto é um enganado ou vítima no meio deste processo. Pelo contrário. A SAD sabia que isto ia acontecer: ou renovava ou Dalot saía. Teve mais de um ano para prolongar o vínculo. Não o fez. 

É de recordar que Dalot renovou em 2016. Na altura não o poderia fazer por mais de 3 épocas, por ser menor de idade. Diogo Dalot completou o 18º aniversário em março de 2017. Desde essa altura já tinha clubes como Bayern, Real e Barcelona à perna. A SAD sabia, devia saber, perfeitamente o diamante que tinha em mãos. 

Deixar prolongar esta situação, depositando as esperanças contratuais em apelos ao portismo e à paciência em que vez de materializar isso em vínculos assinados, roça o amadorismo, não representa a dimensão de uma estrutura que sabe que vive num mercado extremamente competitivo gerido ao ritmo dos milhões. O romantismo é para nós, adeptos, e nos gabinetes não pode ser trocado pelo pragmatismo. 

O mundo do futebol já conhecia Dalot, já sabia a grande promessa que era e é, mas lançar o miúdo em jogos contra Sporting ou Liverpool, sem contrato renovado, era um risco óbvio... mas necessário. Que poderia fazer o FC Porto neste caso? Proibir Sérgio Conceição de utilizar Dalot? Claro que não. O treinador tinha que ser livre nas suas opções, independentemente dos vínculos contratuais. Foi assim com Marcano, com Maxi, com Reyes, com Dalot. Colocámos Dalot numa montra que já era vasta, sem as garantias necessárias com vista à sua permanência. 

E agora? Agora o FC Porto faz um bom negócio naquilo que é o curto prazo e o contexto do fair-play financeiro da UEFA. A venda de Dalot podia não ser o plano A, mas dificilmente alguém na administração do FC Porto ficará incomodado com a verba paga pelo Man. United. Há metas para cumprir, que ainda não estão cumpridas, e a saída de Dalot aproxima a SAD dos resultados que tem que apresentar no fecho de 2017-18 (possivelmente ainda terá que sair mais um jogador - não esquecendo que entre Brahimi e Herrera, ou renovam ou terão que sair neste mercado, caso contrário poderão sair a custo zero).

E conforme foi analisado no post da saída de Ricardo Pereira, o mercado de laterais-direitos não é o mais valioso no futebol mundial. Dalot, com 8 de jogos de equipa principal, passa diretamente a ser o 9º lateral-direito mais caro da história do futebol. A questão é: valeria mais daqui a um ano? Muito provavelmente, sim. E tal como foi comentado aquando da saída de Ricardo, o mercado de laterais-direitos está a ficar mais caro - entre os 10 laterais mais caros do futebol, sete foram transferidos desde 2017.

Mas tal como com Rúben Neves, as necessidades do presente comprometem as possibilidades de tirar maior proveito no futuro. Vale com tudo: com os futebolistas, com as receitas da UEFA, com as antecipações do contrato de direitos televisivos, com contratos de factoring diversos... Antecipar, antecipar, antecipar. É a receita que reina. 

Depois, há o lado do jogador. E pensar que jogador algum no FC Porto ou no Campeonato português recusaria o Manchester United é querer viver numa realidade à parte. Nenhum jogador recusa o Manchester United. Nem Brahimi, nem Herrera, nem Dalot. No passado recente, vimos alguns dos nossos melhores jogadores irem para clubes como Lyon, Marselha, Mónaco, Zenit, Atlético ou até Manchester City. São clubes que, no peso do futebol europeu, não têm mais história do que o FC Porto. Mas têm outros argumentos financeiros, jogam em campeonatos mais atrativos. Então imaginem o que é ter em carteira um histórico como o Manchester United, treinado por José Mourinho.

«Pôs-se a andar à primeira oportunidade», dirão. Pois, mas há um detalhe: normalmente, os miúdos de 19 anos que jogam no FC Porto não têm uma proposta em mãos do Manchester United. Dalot foi um caso à parte: teve-a, não fosse ele talvez o melhor lateral do mundo no seu escalão.

Dalot vai para onde todos querem ir. E o FC Porto não pode esconder que faz um negócio que satisfaz a SAD nas suas metas financeiras e que não pode deixar ninguém surpreendido - afinal, há um ano que sabiam que ou renovavam com Dalot, ou o lateral teria compradores pelo preço da cláusula. De todas as coisas que nos possam surpreender de há um ano para cá, esta deve ser das últimas. A não ser que dê para alimentar a versão de que Carlos Gonçalves, empresário que não é dos mais próximos do FC Porto, e o pai do jogador, um miúdo de 19 anos, conseguiram ludibriar e enganar toda a estrutura da SAD. Era obra. É que se estivesse assim tão difícil renovar com Dalot, Sérgio Conceição não teria assumido, em espaço público, que Maxi e Dalot lhe dariam garantias perante a saída de Ricardo. 

Mais. Passámos toda a época passada a ouvir e a compreender que a SAD estava sob restrições financeiras, que complicaram o ataque ao mercado e renovações contratuais, mas ao ouvirmos o diretor de comunicação a afirmar, e citando, que o FC Porto «podia ter gasto, sem entrar em incumprimento, 63 milhões», mas «não o fez por decisão da administração para equilibrar as finanças», então afinal estávamos todos enganados. Foram 35,3 milhões de euros de prejuízo em 2016-17, e no orçamento para 2017-18 foi definido um prejuízo de 17,27 milhões de euros, mas afinal havia aí pelo meio algumas dezenas de milhões de euros para gastar «sem entrar em incumprimento». 

Jogador satisfeito, SAD satisfeita, sobra o mais importante: os adeptos. E como é natural, não haverá satisfação em vez mais um jovem talento do FC Porto sair do clube de forma tão precoce. Diogo Dalot sai muito cedo, por vontade própria do jogador, mas também o FC Porto não soube salvaguardar os seus interesses. Não é com juras de amor e beijinhos no símbolo: é com contratos assinados. Por isso, a SAD não deveria ter permitido a saída de Ricardo Pereira sem antes ter o futuro de Diogo Dalot 100% assegurado no clube. 

Felizmente, perante um problema surgiu rapidamente a resposta com uma solução, a rápida contratação de João Pedro, e Sérgio Conceição dispõe de uma nova e interessante solução para as laterais. O brasileiro passa a ser presente (e esperemos que futuro), enquanto Diogo Dalot passa a ser passado, numa história que termina sem vítimas ou vilões: Dalot segue os seus interesses e o FC Porto não salvaguardou os seus, pois embora a sua venda represente um encaixe útil e importante para a SAD no curto prazo, não serve nem maximiza os interesses do clube. 

Para terminar. Estarão por certo recordados que a bandeira da candidatura de Pinto da Costa para este mandato foi «um grande centro de formação». Portanto, ao invés de questionar onde está esse projeto anunciado há mais de dois anos e do qual pouco ou nada se sabe, talvez possamos é refletir se valerá mesmo a pena esse investimento, se as pérolas da formação continuarem a sair de forma tão precoce. A não ser que formação deixe de rimar com campeão e passe a rimar somente com milhão. 

domingo, 3 de junho de 2018

O ponta-de-lança invisível

Por motivos já por demais conhecidos, o Marítimo x Benfica de 2015-16 tornou-se o jogo mais comentado do momento. A reportagem da SIC, com testemunhos em discurso direto sobre as abordagens/subornos que foram apresentados a jogadores do Marítimo antes da partida, é matéria sólida nas suspeitas face à forma como o Benfica construiu e concluiu o seu ciclo de tetracampeão. Muito se tem comentado sobre este caso, mas houve uma pequena discussão que merece particular atenção.

Protagonistas: Manuel Queiroz e Rui Pedro Brás. O primeiro começou por referir que achou estranho que Fransérgio tivesse jogado a ponta-de-lança frente ao Benfica. Rui Pedro Brás mostrou-se prontamente indignado, acusando-o de estar a «insinuar qualquer coisa».


O programa avançou e, mais de 15 minutos depois, Rui Pedro Brás voltou ao tema e afirmou que o ponta-de-lança do Marítimo frente ao Benfica foi Djoussé, acusando o colega de painel de querer enganar os telespectadores e defendendo aguerridamente o clube da Luz.

Pois bem. Afinal, quem foi o ponta-de-lança frente ao Benfica? Fransérgio ou Djoussé? A resposta é... nenhum. Recuamos a 2015-16 e vamos observar as áreas de ação dos dois jogadores do Marítimo frente ao Benfica.


Primeiras impressões? Nem um, nem outro jogaram perto do eixo do ataque do Marítimo. Fransérgio jogou sobretudo atrás da linha de meio-campo do Marítimo, com algumas aproximações ao meio-campo adversário pela meia direita (a ação na grande área trata-se do posicionamento nas bolas paradas). No caso de Djoussé, jogou claramente encostado ao flanco direito.

Nem Fransérgio, nem Djoussé. E como curiosidade, vamos ver o posicionamento de outras unidades do Marítimo do meio-campo para a frente.



Que conclusões podemos tirar? O Marítimo não teve um único jogador que se aproximasse do eixo defensivo do Benfica. Zero. Nada parecido com um ponta-de-lança, nada parecido com um avançado. Não houve um único jogador que encostasse perto de Jardel ou Lindelof. Todo o espaço à entrada da grande área do Benfica não existiu para o Marítimo, que fez apenas um remate enquadrado durante todo o jogo.

O posicionamento de Damien é claro: jogou como médio-defensivo e praticamente não passou da linha do meio-campo. Éber Bessa também teve uma exibição com grande raio de ação no meio-campo. Mas depois observamos as zonas de ação de Alex Soares e Edgar Costa e ficamos com a impressão de que estiveram em campo 6 ou 7 minutos e foram ao banho. 

63 minutos de Alex Soares
A exibição de Alex Soares, que já veio a público afirmar que o Benfica ganhou com justiça e que o Marítimo não fez o suficiente para vencer, foi qualquer coisa de atípico. Em 63 minutos em campo, a sua presença foi praticamente inofensiva. Acertou 5 passes enquanto esteve em campo, só foi a uma bola dividida (estamos a falar do meio-campo, do centro do terreno, onde à partida há mais ação) e, como dá para avaliar pelo heat map, jogou com uma falta de intensidade notória.

Depois temos Edgar Costa, jogador que é representado pela GIC England (empresa que tem como CEO César Boaventura), que jogou pelo lado esquerdo. E repare-se desde logo que o Marítimo não jogou com ponta-de-lança, não jogou com ninguém no eixo central. Quando isso acontece, não é natural os extremos fazerem movimentos interiores e irem eles à grande área? Não é isso que o posicionamento de Edgar Costa e Djoussé sugere. Temos dois extremos que não puxam para dentro e que, se forem à linha, não têm ninguém na grande área para cruzar, pois o Marítimo não avançava no terreno, mesmo em superioridade numérica.

É deveras atípico, restando saber se foi ideia dos jogadores, má execução tática ou simplesmente o plano de Nelo Vingada, um treinador com décadas de futebol português e que, certamente, não terá prazer nenhum em acompanhar as investigações ao desfecho desta partida. Até porque já viu o seu nome ser associado à rede de manipulação de resultados que envolveu o Atlético e cujo relatório da Federbet foi publicado há um ano.

Curiosamente, esta semana Alex Soares comentou, em declarações ao jornal Record, o momento em que o Benfica fez o 1x0, por Mitroglou, no arranque da segunda parte.


Não sabemos se foi iniciativa de Alex Soares comentar este lance ou se se limitou a responder a uma questão da imprensa, mas é deveras curioso que fale do sucedido. E parece que o posicionamento dos jogadores do Marítimo causou mesmo muita confusão pela imprensa desportiva, pois o Record até diz que Alex Soares é «defesa». Dito isto, importa passar um olhar ao lance do 1x0. Resumo completo do jogo aqui.

Mitroglou foge a Patrick; Alex Soares corta a bola e isola o grego
O que aconteceu? Há uma primeira tentativa de remate de Mitroglou. A bola bate em Patrick e sobra para a entrada da grande área, onde apareceu André Almeida. É aqui que aparece Alex Soares, que vai à disputa de bola e acaba por ser o jogador do Marítimo, com um ligeiro toque, a colocar Mitroglou na cara do golo. 

Mas houve mais detalhes neste lance. Primeiro, Patrick faz o corte. A bola sobra para o ressalto. Mitroglou foge para o lado esquerdo e Patrick, ao invés de acompanhar o grego, vai para dentro e aproxima-se da zona de disputa da bola, embora veja que Mitroglou vai ficar isolado. Quem sobra? Edgar Costa. O extremo é um autêntico espectador em todo o lance. Vê que Mitroglou vai isolar-se entre ele e a linha defensiva do Marítimo, mas não se mexe até Mitroglou fazer o golo.

Edgar Costa, afastado do lance, vê Mitroglou a entrar pela esquerda
Como é claro, ninguém pode acusar os jogadores do Marítimo de errarem deliberadamente neste lance, pois estamos a falar de apenas um dos 63 golos que sofreram ao longo da época. Certamente que sofreram golos mais estranhos que este, com fífias maiores. Mas o jogo sobre o qual recaem suspeitas é este. Logo, há que ouvir a defesa dos intervenientes e apurar todas as circunstâncias. Ninguém está a dizer que erraram de propósito, mas num jogo em que há suspeitas de corrupção, são os próprios jogadores que terão interesse em virem a público defender a sua inocência e bom nome.

Mas recordemos o testemunho de um jogador do Marítimo na SIC, quando este afirmou que o Benfica lhe apresentaria um contrato vantajoso caso o jogo corresse bem. Sejamos francos. Como é que o Benfica justificaria esse tipo de negócio? Como é que se compra um jogador que podia até nem ser dos melhores do Marítimo? Não faria sentido nenhum comprar um atleta assim. Mas talvez não fosse preciso comprar.

Para todos os efeitos, houve um ex-jogador do Marítimo que assinou posteriormente pelo Benfica. Mas não foi comprado: foi contratado em final de contrato. Precisamente Patrick, um dos jogadores que surge associado às investigações da PJ face aos atletas do Marítimo que terão sido contactados por César Boaventura.


O Benfica nem se deu ao trabalho de apresentar Patrick aos associados, pois o brasileiro seguiu por empréstimo para o Vitória de Setúbal. Na lista de intermediários publicada pela FPF, é informado que a chegada de Patrick ao Benfica foi feita por intermédio de uma empresa chamada «FOOTBALL ASSESSORIA SERVIÇOS DESPORTIVOS, LDA». Não foi possível encontrar nenhum tipo de informação disponível online com uma empresa com este nome. É primeira vez que aparece no papel de intermediária nas listas publicadas pela FPF.

Mas o mais curioso é ler este trecho do jornal brasileiro Gazeta Online, que fala em duas empresas intermediárias completamente diferentes. O que levanta a questão: que empresa é esta, a Football Assessoria Serviços Desportivos, de nome tão genérico e sobre a qual não há informações online? Terá sido uma empresa criada com o propósito de meter Patrick no Benfica? Ou são tão low profile que nem disponibilizam informação online?


Voltando ao princípio. Fransérgio. Acabou por ser expulso já perto do final, por acumulação de cartões, na tal exibição em que o suposto ponta-de-lança jogou a maioria do tempo atrás da linha de meio-campo. Mas aparentemente o Benfica gostou da exibição, a avaliar por esta capa do jornal Record...

Falta saber do que gostou mais do Benfica: se do rendimento de unidades como Patrick ou Fransérgio, ou da grande exibição do ponta-de-lança invisível. 

sábado, 2 de junho de 2018

Análise 2017-18: os guarda-redes

Iker Casillas - Muito simples. Se Iker não tivesse regressado à baliza, o FC Porto muito provavelmente não teria chegado ao título. Porque ter Iker entre os postes não era apenas ter o melhor guarda-redes do FC Porto em campo: era ter estofo, experiência, voz de comando e saber dar confiança à sua defesa. 

Contrato até 2019
Já todos sabem que os guarda-redes do FC Porto são muito menos expostos a remates dos adversários do que os demais da Liga - por isso não importa saber quantas defesas fazem, mas sim a sua percentagem de aproveitamento. E nesse caso, Iker foi o guardião com mais percentagem de remates travados na Liga - 78,3%, ligeiramente acima de Rui Patrício (77,8%). E Iker Casillas melhorou, pois na época passada tinha defendido 75% dos remates e na primeira apenas 70%.

Já com contrato renovado por mais uma época, e com uma redução salarial bastante significativa (embora o FC Porto não pudesse dizer nunca que o espanhol era um jogador caro, pois não foi essa a posição assumida pela SAD no dia da sua chegada), Iker Casillas dá garantias de mais uma temporada na baliza, a nível interno e europeu. E bem, sendo que agora já sabem que têm 12 meses para preparar a sua sucessão - algo para a qual o FC Porto não teria capacidade de resposta interna caso Iker, conforme chegou a estar previsto, deixasse o clube. 

Contrato até 2020
José Sá - Não estava, não está, minimamente preparado para assumir a titularidade na baliza do FC Porto. Sérgio Conceição teve a oportunidade de deixar claro que a sua opção refletia o rendimento nos treinos - e nós, adeptos, não sabemos o que se passa no Olival, logo há sempre essa ressalva. Mas José Sá nunca mostrou ser um fora de série, nem sequer ao longo do seu percurso de formação. Foi dispensado de um Benfica que tinha Bruno Varela como projeto para a baliza, nunca chegou a ser titular indiscutível no Marítimo e tinha apenas um jogo de I Liga pelo FC Porto (derrota contra o Moreirense em 2017) antes de se tornar aposta de Sérgio Conceição.

Não funcionou. José Sá tem 25 anos e, em toda a sua carreira, acumula apenas 31 jogos de I Liga. Pouca experiência, poucas provas dadas. Sempre se revelou um guarda-redes algo permeável (consentiu 41% dos remates que enfrentou no Campeonato), e na Liga dos Campeões foi o segundo pior guarda-redes em prova, com uma percentagem de defesas de apenas 50%. O vendaval de Liverpool acontece uma vez na vida, mas se Munique foi cidade madrasta para Fabiano, Liverpool não poderia ser diferente para José Sá e foi o pretexto para voltar atrás numa aposta falhada.

Como ponto positivo ficam duas boas defesas frente ao SC Braga, no Dragão, e pouco mais. Tem mais dois anos de contrato e não vai evoluir estando no banco, e estando em campo arrisca comprometer. A sua continuidade na próxima época não faz sentido, pois de Beto a Bracalli, foram vários os guarda-redes de qualidade superior e dispensados nas últimas épocas.

Contrato até 2021
Vaná - Na perspetiva de 2017-18, foi uma contratação desnecessária, e o desenrolar da época comprovou-o. O FC Porto não tinha muito dinheiro para gastar, mas o pouco que havia gastou num guarda-redes que passou a maior parte da época na bancada. Estamos a falar de um guarda-redes que nem sequer rodou nas Taças. Jogou apenas no jogo da consagração do título e revelou-se uma pessoa muito divertida ao longo dos festejos, mas ter apenas uma época de Feirense e de I Liga no currículo, aos 27 anos, não oferece grandes perspetivas de futuro. A sombra de Casillas e um papel secundário são o máximo que lhe pode esperar na próxima época - a diferença é que Vaná não chegou a ter a sua oportunidade, enquanto José Sá teve-a e desperdiçou-a. 

Contrato até 2019
Fabiano - O seu papel ao longo de 2017-18 já foi um pouco descrito nos «Bonés» da última jornada da I Liga. O melhor Fabiano é melhor do que o melhor Josá Sá e o melhor Vaná. Mas aos 30 anos, e depois de superar graves problemas físicos, Fabiano está a uma época do final de contrato e é raro ter um guarda-redes que, depois de perder a titularidade, fique no clube para um papel de suplente. É sabido que Sérgio Conceição aprecia as qualidades de Fabiano, algo que pode favorecer o brasileiro na decisão. Para todos os efeitos, estando em forma, é o segundo melhor guarda-redes do plantel principal. Chegará para fazer sombra a Casillas? Ou fará mais sentido que a sombra de Casillas em 2018-19 seja alguém capaz de pegar no seu lugar em 2019-20? Integrar Diogo Costa definitivamente nos trabalhos da equipa A, jogando com regularidade na B e ganhando o seu espaço nas Taças nacionais, é algo a ter em conta, sobretudo porque já renovou até 2022.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

A permanência de Iker e a saída de Ricardo

Caminhos opostos para duas figuras importantíssimas na caminhada do FC Porto para o título 2017-18. Iker Casillas fica mais um ano, Ricardo Pereira já assinou pelo Leicester City e torna-se a primeira de várias saídas - umas com mais impacto do que outras, naturalmente - que inevitavelmente terão lugar neste plantel. 

Começando pela renovação de Iker, que aceitou uma redução salarial para permanecer no FC Porto. Não é qualquer atleta que o faz. Embora o guarda-redes seja um futebolista mais do que afortunado, com mais dinheiro do que aquele que possa contar, a verdade é que é comum os futebolistas em final de carreira optarem por um futebol mais periférico para acumularem mais alguns milhões antes da reforma. Casillas, aos 37 anos, trocou isso por mais uma época de FC Porto, mais uma época de Champions, mais uma época a tentar lutar por títulos. 

De qualquer forma, o FC Porto não poderia decidir, ao final do terceiro ano de contrato, que afinal Iker Casillas era caro. Isto já foi explicado neste post. Quando o espanhol foi contratado, em 2015, Pinto da Costa garantiu que Casillas ganhava tanto como Andrés Fernández (que já saiu) e Fabiano (que está longe de integrar a fileira dos mais bem pagos) juntos. A diferença entre ter um grande guarda-redes e dois guarda-redes razoáveis. 


Caso Iker Casillas tivesse saído, a baliza tornar-se-ia um problema, pois não há, no atual plantel, um guarda-redes com o estofo necessário para assumir desde já o posto de número um. Assim, temos guarda-redes para mais um ano, e mais um ano para trabalhar a sucessão, até porque a herança das balizas costuma ser um tema complicado para o FC Porto. Veja-se o exemplo de Vítor Baía: o FC Porto só conseguiu verdadeiramente substituir Baía quando voltou a ir buscar Baía ao Barcelona; e quando o português se retirou, aí sim, o presente estava assegurado com Helton, que já era campeão e internacional brasileiro e tinha já considerável experiência e provas dadas na I Liga. Agora, um guarda-redes que era suplente do atual suplente do Sporting, ou outro que tem uma época de Feirense, são rédeas curtas. 

A continuidade de Iker Casillas é uma boa notícia. Já a saída de Ricardo Pereira, como é natural, não pode ser vista da mesma maneira, pelo menos na dimensão desportiva. E na financeira?

O FC Porto anunciou a transferência por 20 milhões de euros, mais eventuais 5 milhões em variáveis. Como as variáveis por norma são apenas para inglês ver, tanto que as SAD muitas vezes nem se dão ao trabalho de explicar como podem ser atingidos esses objetivos, teremos como referência os 20 milhões de euros. 

Ricardo Pereira, a um ano do final de contrato, sai basicamente pelo mesmo valor de Paulo Ferreira e Bosingwa, um transferido em 2004, outro quatro épocas depois. O mercado de transferências, desde então, inflacionou consideravelmente. Mas poderá o mesmo ser aplicável ao mercado dos laterais-direitos em particular?

Vejamos o top 12 dos laterais-direitos mais caros de sempre:


Desde logo, assinala-se o facto de quatro dos 12 laterais-direitos mais caros da história terem sido transferidos pelo FC Porto. E tirando Dani Alves, não vêem por aqui nenhum nome consagrado do futebol mundial.  O segundo em termos de palmarés será por certo Paulo Ferreira, seguido por Bosingwa.

O mercado de laterais-direitos é, por norma, propício a valores baixos. Mas vemos que a tendência é isso estar a mudar, como são exemplos as transferências recentes de Aurier, Zappacosta, Conti ou Nélson Semedo - nenhum deles é melhor do que Ricardo Pereira e todos eles foram transferidos por valores superiores. 

Por isso, 20 milhões de euros, considerando a qualidade e potencial atuais de Ricardo Pereira, são um número capaz de satisfazer os adeptos em plenitude? Provavelmente não, sobretudo quando tivermos em conta que a mais-valia poderá ser mais bem reduzida.  

Ricardo foi comprado ao Vitória de Guimarães em Abril de 2013, por 1,6 milhões de euros a troco de 80% do passe, mais 100 mil euros de encargos. No último R&C semestral da SAD, o FC Porto anunciou ter 88% do passe do lateral-direito. Na altura da transferência, Júlio Mendes disse que o Vitória de Guimarães ficou com uma parte de uma futura venda, mas não esclareceu se se estaria a referir à percentagem dos direitos económicos ou mesmo a uma futura transferência. 

Por exemplo, o FC Porto tem efetivamente 88% do passe de Ricardo, mas aquando da salgalhada que foi a transferência de Carlos Eduardo e de um dos irmãos Djim para as Arábias (leia-se, o facto de o FC Porto ter permitido/precipitado um negócio quando o Nice tinha direito de preferência sobre Carlos Eduardo) o Nice acabou por ficar com 15% de uma futura venda. 

Ou seja, o Nice não tem, na prática, direitos económicos de Ricardo Pereira, mas tem direito a receber 15% da futura venda do FC Porto. O caso de Marega também é ilustrativo: o FC Porto tem 100% dos direitos económicos do maliano, mas o Vitória de Guimarães tem direito a 30% da futura venda, percentagem que ficou definida aquando da transferência de Soares. 

Agora resta saber: o Leicester é quem paga os 12% do Vitória e os 15% do Nice?; o Leicester é quem paga o mecanismo de solidariedade FIFA?; o Leicester é quem paga as mais do que esperadas comissões pela concretização do negócio? A definição de todas estas parcelas é que ajudará a decidir quão boa - ou menos má - pode ter sido esta venda de Ricardo Pereira.


De qualquer forma, há que considerar ainda o factor «tempo». Sim, o FC Porto é campeão nacional. Mas a situação económica da SAD não mudou. Ser campeão em Portugal, por si só, não dá dinheiro - pelo contrário, acaba por dar é ainda mais despesa, pois a SAD tem que pagar os prémios pela conquista do Campeonato aos jogadores.

Logo, não é o facto de ser campeão em Portugal que melhora a situação financeira - o que permite isso é o factor UEFA, nomeadamente a qualificação direta para a Liga dos Campeões, que a partir de 2018-19 vai multiplicar os prémios e permitir um maior encaixe financeiro (ainda que, em contrapartida, a qualificação para a fase de grupos da Champions e para os próprios 1/8 de final se torne mais complicada de atingir).

Ora, e «tempo» era algo que o FC Porto não tinha no dossier Ricardo Pereira. O lateral ia entrar em final de contrato e a SAD não poderia permitir que um ativo chegasse a janeiro nesta condição contratual (Herrera e Brahimi estão na mesma situação, por isso ou renovam ou saem já). Logo, havia pressa em vender, sobretudo porque a SAD tem metas a cumprir por ter falhado o fair-play financeiro da UEFA. Há quem defenda que o Mundial 2018 poderia ser uma montra, mas sejamos francos; primeiro, não há garantia de que Ricardo seja titular na Rússia; segundo, os clubes interessados passaram uma época inteira a observar Ricardo, logo não haveria de ser por 2 ou 3 jogos num Mundial que iam decidir dobrar as suas propostas.

É de recordar que a SAD orçamentou, para 2017-18, um prejuízo de 17,27 milhões de euros. No final do primeiro semestre, o resultado negativo era de quase 24 milhões. Nos proveitos operacionais definidos a SAD não deverá ter dificuldades em cumprir as principais alíneas, mas há um setor sempre alarmante: os proveitos com transações de passes de jogadores.

Excerto do acordo entre a UEFA e o FC Porto para o FPF
No final do R&C do primeiro semestre 2017-18, a SAD teve proveitos de apenas 8,4 milhões de euros, tendo basicamente tido apenas uma venda relevante - a transferência de Bruno Martins Indi para o Stoke. 

Tendo em conta que a SAD projetava custos operacionais de 19,7 milhões de euros negativos, mais 35,5 milhões de euros em amortizações de passes, o FC Porto teria que registar, em 2017-18, 55 milhões de euros em proveitos com transações de passes de jogadores. Ora, a venda de Ricardo Pereira mantém o FC Porto longe desse valor, por isso podemos esperar que mais um titular possa ser alvo de uma transferência a curto prazo.

Para já despedimo-nos de Ricardo Pereira, com votos de sucesso em Inglaterra, e deixamos uma sugestão para o lugar de lateral-direito. Há por aí um miúdo bem jeitosito, de apenas 19 anos, mas com qualidade para o curto prazo e potencial enormes; anda há meses a ser observado por clubes como Bayern e Barcelona, e apesar de ter pouca experiência de equipa A já houve um clube a acenar com uma proposta bem próxima dos 20 milhões de euros da sua modesta cláusula de rescisão. Chama-se Diogo Dalot. E está também a entrar em final de contrato. Renovar com Dalot colmata, desde logo, a saída de um titular e assegura um lateral de qualidade e portismo inquestionáveis para as próximas épocas. Querem melhor? 

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Campeões e recordistas

Não há maior testemunho da reabilitação competitiva que Sérgio Conceição injetou no FC Porto: ainda adeptos, jogadores e clube estavam na «ressaca» da conquista do Campeonato e já o treinador se tinha proposto ao recorde de pontos num Campeonato a 34 jornadas. Ninguém entrou em campo em Guimarães já a festejar, com cara e cabelo pintados e meramente para cumprir calendário. Não, havia um recorde a alcançar.

E o FC Porto tornou-se a equipa com maior pontuação de sempre num Campeonato a 34 jornadas (não confundir com aproveitamento máximo de pontos - essa marca foi estabelecida em 2010-11, com 93,3% de pontos conquistados). O Benfica também fez 88 pontos em 2015-16, certo, mas com uma vantagem de apenas dois pontos sobre o segundo classificado. Logo, os 88 pontos do FC Porto ganham especial relevância por terem deixado o Benfica a um Celta de Vigo de distância, leia-se, a sete pontos. 

Concluiu-se assim uma época que pode ser resumida numa palavra: superação. Sérgio Conceição não teve pudor em assumi-lo: não tinha o melhor plantel, não tinha os melhores jogadores, não teve reforços no mercado de verão. Não passou a ter um plantel vasto e completo no decorrer da 
época. Mas construiu uma equipa, que jogou até ao limite. É certo que a qualidade exibicional do FC Porto decresceu bastante desde o final de fevereiro - desde então, a esmagadora maioria das vitórias foram conseguidas pela margem mínima -, mas isso não retirou os estatutos de melhor ataque e melhor defesa ao plantel. Nem de melhor futebol.

Campeões nacionais com 7 pontos de avanço, objetivos cumpridos na Liga dos Campeões, e as finais da Taça da Portugal e da Taça da Liga ficaram à distância de um pouco mais de felicidade nas grandes penalidades. Plantel valorizado em várias unidades e comunhão absoluta entre adeptos e equipa. Segue-se um merecido descanso, com a garantia de que na próxima época será muito, muito difícil fazer melhor; mas que ninguém duvide que a meta de Sérgio Conceição será precisamente essa - mais e melhor.




Iván Marcano (+) - Na sua mais do que provável despedida do FC Porto, assinou o golo da vitória e entrou para a lista dos 10 defesas mais goleadores da história do clube. Exibição muito sóbria na defesa, com os atacantes do Vitória a não darem muito trabalho, por isso foi na grande área adversária que Marcano mais se distinguiu, tendo ainda criado uma ocasião de golo. A caminho de completar 31 anos, está no pico de maturidade e experiência, e arrisca deixar um vazio que o plantel, neste momento, não tem condições para preencher.


Alex Telles (+) - Fechou a época com a 14ª assistência no Campeonato, 20ª na época, e termina a temporada como o jogador que mais ocasiões de golo criou em toda a época - 95 no total. É certo que o brasileiro bate as bolas paradas, algo que ajuda a reforçar os números, mas é mais do que Brahimi (50 ocasiões) e Herrera (40), o 2º e 3º mais influentes, juntos. Certinho na defesa, disponível no ataque, voltou a estar na génese das principais jogadas de perigo dos dragões. Termina a época como uma das tentações do mercado de verão... e um forte candidato a ver o seu estatuto reforçado no Dragão em 2018-19.

Héctor Herrera (+) - Nem parecia que estava na ressaca de uma semana de festa e relaxamento. Foi de longe o jogador com mais ações com bola (90), ganhou 9 dos 14 duelos que disputou, criou uma ocasião de golo e esteve surpreendentemente bem no passe longo, ao acertar 6 das suas 7 tentativas. Encheu o meio-campo e acumulou um total de 16 intervenções na defesa, entre cortes, desarmes e recuperações de bola. Um jogo de pulmão cheio.

O regresso de Fabiano (+) - Um pouco à margem do jogo, mas é um momento que merece ser assinalado. Para quem não se recorda, Fabiano foi o guarda-redes menos batido das Ligas europeias em 2014-15. Uma prova de que o futebol e as balizas podem ser mundos tão complexos que o mais difícil - não sofrer golos - pode não ser de todo suficiente para encher as medidas a treinadores e adeptos. Perdeu a titularidade e o lugar no clube depois dos 6x1 de Munique. O mesmo jogo onde também estiveram jogadores como Marcano, Herrera ou Brahimi, agora «heróis» da época 2016-17.

Fabiano foi dispensado e emprestado ao Fenerbahçe, depois de Casillas ter sido contratado (ao contrário do que chegou a dizer Pinto da Costa ao El País, tendo afirmado que a hipótese Casillas só surgiu depois de Fabiano ter ido para a Turquia). O brasileiro dificilmente teria muito espaço para jogar no Fenerbahçe, pois Demirel é quase intocável para o clube e adeptos. Esteve duas épocas no Fenerbahçe, mas sofreu uma lesão grave. Voltou a Portugal e ao FC Porto meramente para tratar da lesão, mas Sérgio Conceição decidiu incluí-lo no plantel como sendo jogador da equipa A. Um ano depois da grave lesão, voltou a jogar, para ser campeão. A emoção no final não é indiferente a nenhum adepto: ver um jogador superar tamanho calvário, até à emoção de voltar a ser campeão no FC Porto, chega a ser simbólico e algo no qual cada adepto se pode rever. 

Terminou a época 2017-18, que será sempre recordada com orgulho e satisfação. A época do «Mar Azul».

segunda-feira, 7 de maio de 2018

A obra completa de Conceição

Há três anos, numa entrevista de Pinto da Costa ao El País, uma agora célebre frase ficou marcada. «Quando se tem Hulk, Falcao ou James, é-me indiferente quem é o treinador. Com eles é difícil não ganhar». Uma declaração na altura infeliz, por desvalorizar aquilo que foi o trabalho dos últimos treinadores campeões pelo FC Porto (AVB e Vítor Pereira), mas que agora pode ser parafraseada face àquele que é o desfecho da época 2017-18.

Com Sérgio Conceição como treinador, foi o contrário: foi indiferente o plantel que lhe calhou em mãos. Não tinha um Hulk, não tinha um James, não tinha um Falcao. Herdou um grupo de jogadores sem cultura de campeão, a lista de dispensas da época passada, não teve um único reforço na pré-época e nem sequer pôde ter o requisito básico de ter dois jogadores por posição. Sérgio Conceição pegou em tudo isto... e fez uma equipa. Uma equipa que acaba de conquistar um dos títulos mais marcantes da história do FC Porto. Não por marcar o fim de um jejum ao qual as últimas gerações não estão habituadas, mas pelas circunstâncias que rodearam o futebol português nos últimos anos. 


O que acontece nas últimas jornadas tem sempre o poder de mudar a perspetiva sobre como os adeptos olham para o resto da época, mas insiste-se no que foi dito no início da época: esta não foi uma época preparada para ganhar o Campeonato. Não foi. A administração do FC Porto foi a única a ser alvo de uma punição por parte da UEFA por ter violado o fair-play financeiro em 2016-17. Logo, a prioridade ficou clara, embora nunca assumida pela administração: não havia margem para investir, havia que capitalizar os recursos já existentes e a prioridade seria cumprir com as metas da UEFA para evitar males maiores. 

E Sérgio Conceição escolheu encarar isso como o maior desafio. Não chegou ao FC Porto trazendo com ele uma ideia de jogo particularmente sedutora nos clubes por onde passou. Cumpriu objetivos por onde andou, mas sem nunca mostrar um futebol condizente com quem tem que assumir jogos e que não pode jogar para o pontinho. Mas tudo isso ficou à porta do Olival. 

O treinador olhou para o plantel a aplicou-lhe o conceito de jogo possível. Temos bons laterais? Então vamos aproveitar a sua profundidade e projeção ofensiva. Brahimi é o que mais se aproxima de um match-winner no plantel? Tudo bem, vamos metê-lo a tirar um, dois, três do caminho e a tentar o último passe. Herrera não se adapta a jogar em posse? Não faz mal, vai ser box-to-box. Corona, Hernâni ou Otávio são demasiado intermitentes para garantir um 4x3x3? Sem problema, temos avançados fortes e velozes, vamos metê-los a cair em cima da linha defensiva adversária, a massacrar os defesas e a jogar em profundidade. 

Sérgio Conceição não fez ometeles sem ovos. Fez bolos, fez o banquete inteiro. Cometeu erros? Certamente, mas teve a sensibilidade e inteligência de saber quando ou como os podia ou devia corrigir. Iker voltou à baliza; Felipe saiu do 11 quando tinha que sair e voltou quando estava bem para regressar; mudou o meio-campo e a forma de jogar em vez de tentar descobrir um novo Danilo - que não havia - no plantel; pegou em Marega, que pouco mais oferecia do que força e velocidade, e fez com que não precisasse de mais do que força e velocidade para ser o melhor marcador portista na Liga; Soares, que podia ter ido para a China em ruptura com o treinador, foi transformado no melhor «reforço» de inverno. E podíamos continuar a enumerar exemplos que só reforçam um treinador que, perante uma enxurrada de problemas, respondeu sempre com soluções. 

É um título de Sérgio Conceição, do grupo liderado por Sérgio Conceição e de constantes provas de superação. Cumpriu os objetivos na Liga dos Campeões, ficou às portas das finais da Taça de Portugal e Taça da Liga devido às grandes penalidades e garantiu matematicamente a conquista do título de campeão nacional quando ainda faltavam disputar dois jogos. E agora está a uma vitória de bater o recorde de pontos do FC Porto numa Liga a 34 jornadas. Sem exigências, sem queixas, sem desculpas, mas com muito trabalho. 

Haverá muito mais a discutir sobre a construção do plantel e sobre o trabalho de Sérgio Conceição no final da temporada, mas para já é tempo de celebrar o feito deste grande grupo de trabalho, responsável pela alegria de milhões de portistas nas últimas horas. Nem padres, nem missas, nem afins: 2017-18 será sempre a época do FC Porto de Conceição.






Yacine Brahimi (+) - Foi o responsável pelo momento alto da noite no jogo de consagração do título, ao marcar com mestria o 2x0. Além do golo, Brahimi criou mais duas situações de finalização, teve 7 dribles eficazes e totalizou 81 ações com bola. Foi o principal agitador de um jogo em que, admita-se ou não, os efeitos de uma noite de festa não poderiam deixar de se fazer sentir.


Sérgio Oliveira (+) - Jogo com grande disponibilidade para chegar à grande área adversária - apareceu cinco vezes em zonas de finalização para tentar o remate, mais do que Soares, Marega e Aboubakar juntos. Foi dessa forma que conseguiu inaugurar o marcador, numa partida em que teve 89% de acerto no passe e priveligiou uma circulação mais segura e curta. 

Ricardo Pereira (+) - Não estava a brincar quando, no meio dos festejos, alertou que no dia seguinte havia jogo. Para Ricardo, foi como se os três pontos em causa fossem determinantes para a conquista do Campeonato. Aos 90 minutos ainda andava a percorrer todo o corredor com grande fulgor, ele que contribuiu com 13 ações defensivas e reforçou o seu estatuto de jogador com melhor eficácia de desarme no Campeonato (99 em 119 tentativas). Além disso, ainda criou duas ocasiões de golo, uma delas flagrante.

Tempo de celebrar e desfrutar, mas sem esquecer que ainda há um jogo para se disputar, em Guimarães. O FC Porto está a uma vitória de se tornar o clube com melhor desempenho num Campeonato a 34 jornadas. Que a sede de ganhar seja para manter. Por outras palavras: que Sérgio Conceição seja para manter, por muitas e boas épocas!


terça-feira, 1 de maio de 2018

O (pen)último passo

A equipa que saiu do Restelo no 2º lugar, após desperdiçar uma vantagem de cinco pontos, está agora a um empate de se sagrar campeã nacional. Pode acontecer em Alvalade, pode acontecer no Dragão. Um ponto é tudo o que separa do FC Porto de um dos títulos mais marcantes da sua história - pelas circunstâncias da época desde a sua preparação, pelo passado recente, pela defesa da história do clube e, acima de tudo, por todo o trabalho desenvolvido por este grupo desde o primeiro dia. 


Entende-se a euforia pelas circunstâncias que circulam o momento atual, desde a partida para a Madeira, passando pelo golo de Marega e até à receção no Porto, mas ainda ninguém gritou que o Porto é campeão. Pelo contrário, gritam o mesmo desde o primeiro dia: «Eu quero o Porto campeão!».

E ninguém quer mais do que este grupo. Ninguém merece mais do que este grupo. Falta um ponto!




Brahimi (+) - Foi já sem o argelino em campo que o FC Porto chegou à vitória, mas ninguém procurou mais o golo do que Brahimi, de regresso às boas exibições. Conseguiu invariavelmente colar a bola ao pé, ir à linha e procurar o último passe, mas foi sempre difícil encontrar os colegas no meio da floresta de pernas da defesa do Marítimo. Ainda assim criou quatro ocasiões de golo, fartou-se de pressionar e também ajudou na recuperação, com 10 ações defensivas.

Ricardo Pereira (+) - Alex Telles contribuiu mais no ataque (assistência e quatro ocasiões de golo), mas o lateral-direito foi uma autêntica locomotiva ao longo dos 90 minutos. Inteligente a subir, aproveitou bem o espaço nas costas da defesa para, uma, duas, três vezes, aparecer em posição privilegiada para o cruzamento - ainda que tenha pecado neste aspeto. Foi o jogador com mais ações com bola em campo, ganhou 8 dos 10 duelos que disputou e cumpriu com o pouco que teve que fazer defensivamente.

Marega (+) - Marcou o golo da vitória e que deixou o FC Porto a um ponto do título, o que por si só já vale destaque. Mas a principal nota vai para o facto de Marega ter batido o recorde de dribles eficazes ao serviço do FC Porto: seis em seis tentativas. Ganhou a maior parte dos lances que disputou, 9 em 16, algo também acima da sua média habitual, e ainda criou uma ocasião de golo. Há também que reconhecer a eficiência dos números: Marega não marca nos jogos grandes, nem Champions nem clássicos, mas leva 22 golos em 27 jornadas de bola corrida (sem penáltis, Bas Dost tem 21) e arrisca-se a ficar na história como sendo o melhor marcador num dos ataques mais produtivos do FC Porto nas últimas décadas. O Tribunal do Dragão gosta muito de estatísticas, verdade, e estas são a melhor resposta de Marega.


Héctor Herrera (+) - Há algo que nunca poderemos esquecer: o FC Porto perdeu aquele que era, provavelmente, o jogador mais importante do «coletivo» a meio da época, Danilo. Não havia substituto, por isso Sérgio Conceição teve que mudar de esquema. E aí a importância de Herrera redobrou. Teve que jogar e trabalhar por dois. Ajudou a «puxar» o melhor de Sérgio Oliveira e, muitas vezes, tem que compensar/corrigir o colega. Corre, distribui, pressiona, leva cacete, chega à grande área adversária e está sempre a dar soluções aos colegas. É o pulmão esta equipa. E respira Porto. 

A denúncia anónima (+) - Obrigado. É a única coisa a dizer: obrigado. Não sabemos se a denúncia anónima a envolver o guarda-redes do Marítimo partiu do Benfica, de alguém a mando do Benfica, ou de algum benfiquista que não tinha mais nada que fazer. Mas foi essencial para que o FC Porto chegasse à vitória.

Porquê? Sejamos francos: quem é que sabia quem era Amir, o guarda-redes do Marítimo, antes deste jogo? Poucos. Amir era um guarda-redes tranquilo, sem protagonismo, e que estava bem na baliza do Marítimo - com ele, a equipa esteve 12 jogos consecutivos sem perder, e só na visita ao SC Braga sofreu a primeira derrota. O que é que a denúncia anónima fez? Focou todos os holofotes em Amir, algo a que o iraniano não estava minimamente habituado. Amir sentiu a necessidade de corresponder, de mostrar que era íntegro, que ia ajudar o Marítimo a pontuar.

E foi precisamente isso que provocou a correria ao minuto 40, na qual Amir sai da baliza, na tentativa de ser mais rápido do que o ataque do FC Porto e a defesa do Marítimo. Só um guarda-redes com sangue na guelra tenta fazer aquela saída. Só alguém que sente a pressão e que tem algo a provar. Lamentamos, Amir, que tenhas sido o prejudicado no meio disto, mas há que agradecer a quem mexeu com a tua cabeça: se não tivessem intranquilizado e, consequentemente, «expulsado» o guarda-redes do Marítimo, quiçá não estaríamos neste momento a lamentar outro resultado. 




Primeira parte (-) - A derrota do Benfica frente ao Tondela não só retirou pressão ao FC Porto como relaxou, em demasia, a equipa. Primeira parte que até começa com uma boa ocasião para marcar, mas que depois revelou uma equipa frouxa, de pouca intensidade, a criar poucas jogadas de perigo nos últimos 20 metros e pouco interessada em marcar cedo. Otávio nunca conseguiu entrar no jogo, Soares desperdiçou as ocasiões que teve (embora tenha arrancado uma expulsão). Não a jogar para o empate, mas a jogar com o empate na cabeça. Foram 45 minutos de encontro ao rendimento das últimas semanas (dificuldade em fazer golos, sobretudo em bola corrida), algo que teve meramente como exceção a primeira parte frente ao Vit. Setúbal. Não é o melhor momento da época em termos exibicionais, e há que reconhecê-lo; mas é o momento em que os pontos e o resultado valem mais do que a performance. E o título está a um ponto.

Um ponto. Ser campeão em campo é sempre mais saboroso, mas veremos o que acontece em Alvalade. 

Duas notas: faz hoje sete meses que Sérgio Conceição, depois do empate a zero em Alvalade, gritou na roda: «Nós vamos ser campeões!» E foi há uma volta atrás, frente ao Feirense, o próximo adversário no Dragão, que Brahimi, na cara de Fábio Veríssimo, bateu no peito em frente ao árbitro e deixou a promessa: «Nós vamos ganhar!» Dito isto, nomeiem Fábio Veríssimo para a receção ao Feirense. A sério. Ele merece testemunhar aquilo que lhe foi prometido há uns meses.