Esta notícia, publicada na altura pelo jornal O Jogo, tem pouco mais de um ano. Diogo Dalot renovava contrato, ou seria transferido por um valor na ordem dos 20 milhões de euros, a verba da sua cláusula de rescisão.
Um ano depois, o que aconteceu? O que o FC Porto sabia que aconteceria. Se Dalot não renovasse, sairia por 20 milhões de euros - o valor comunicado à CMVM acabou por ser um pouco superior, de 22 milhões de euros, pois a cláusula de rescisão do contrato do lateral português não foi batida.
Quer isto dizer que, para todos os efeitos contratuais, não foi Diogo Dalot a ativar a sua cláusula de rescisão - FC Porto e Manchester United negociaram, isso sim, a transferência do futebolista para Inglaterra, facto esclarecido no comunicado à CMVM: «Chegou a um acordo», escreveu o FC Porto. Ora, quando se batem cláusulas de rescisão, não há negociações nem acordos.
O FC Porto acaba de transferir aquele que era, neste momento e na ótica da gestão de mais-valias, provavelmente o segundo jogador mais valioso do plantel. Alex Telles é, neste momento, o jogador com mais mercado e de maior valia financeira. De resto, considerando percentagens de passes, percentagens de terceiros, amortizações, mecanismos de solidariedade FIFA e afins, qualquer jogador transferido pelo FC Porto nesta altura dificilmente rende uma mais-valia acima de 20 milhões de euros.
Por exemplo, no mapa de percentagens de passes divulgado pela SAD no Relatório e Contas do primeiro semestre (que, diga-se, não inclui todos os profissionais dos quadros do clube - apenas aqueles que implicaram investimentos considerados «relevantes» pela SAD), havia apenas 8 jogadores cuja totalidade do passe percente/pertencia à SAD do FC Porto. São eles Aboubakar, Alex Telles, Boly, Soares, Quintero, Layún, Marega e Govea. Entre esses jogadores, Boly já saiu, Quintero está a ser negociado, Layún iria ficar em Sevilha mas o clube recuou na opção de compra e Govea não está no plantel principal. Sobram Alex Telles, Soares, Aboubakar e Marega, mas nem nestes casos os 100% de direitos económicos garantem todo o bolo numa eventual transferência - basta dizer que, caso venda Marega, o FC Porto terá de atribuir 30% da mais-valia ao Vitória de Guimarães.
Por isso, é muito difícil para o FC Porto fazer mais-valias significativas com o elenco atual. No caso de Dalot, é um elemento da formação do FC Porto, não implica amortizações de passes e, salvo alguma operação que se desconheça por parte da SAD, não há percentagens de passes a atribuir a familiares ou empresários próximos. Logo, o valor pago pelo Manchester United corresponderá quase na totalidade à mais-valia.
Por isso, não valerá a pena fingir ou alimentar teorias de que o FC Porto é um enganado ou vítima no meio deste processo. Pelo contrário. A SAD sabia que isto ia acontecer: ou renovava ou Dalot saía. Teve mais de um ano para prolongar o vínculo. Não o fez.
É de recordar que Dalot renovou em 2016. Na altura não o poderia fazer por mais de 3 épocas, por ser menor de idade. Diogo Dalot completou o 18º aniversário em março de 2017. Desde essa altura já tinha clubes como Bayern, Real e Barcelona à perna. A SAD sabia, devia saber, perfeitamente o diamante que tinha em mãos.
Deixar prolongar esta situação, depositando as esperanças contratuais em apelos ao portismo e à paciência em que vez de materializar isso em vínculos assinados, roça o amadorismo, não representa a dimensão de uma estrutura que sabe que vive num mercado extremamente competitivo gerido ao ritmo dos milhões. O romantismo é para nós, adeptos, e nos gabinetes não pode ser trocado pelo pragmatismo.
O mundo do futebol já conhecia Dalot, já sabia a grande promessa que era e é, mas lançar o miúdo em jogos contra Sporting ou Liverpool, sem contrato renovado, era um risco óbvio... mas necessário. Que poderia fazer o FC Porto neste caso? Proibir Sérgio Conceição de utilizar Dalot? Claro que não. O treinador tinha que ser livre nas suas opções, independentemente dos vínculos contratuais. Foi assim com Marcano, com Maxi, com Reyes, com Dalot. Colocámos Dalot numa montra que já era vasta, sem as garantias necessárias com vista à sua permanência.
E agora? Agora o FC Porto faz um bom negócio naquilo que é o curto prazo e o contexto do fair-play financeiro da UEFA. A venda de Dalot podia não ser o plano A, mas dificilmente alguém na administração do FC Porto ficará incomodado com a verba paga pelo Man. United. Há metas para cumprir, que ainda não estão cumpridas, e a saída de Dalot aproxima a SAD dos resultados que tem que apresentar no fecho de 2017-18 (possivelmente ainda terá que sair mais um jogador - não esquecendo que entre Brahimi e Herrera, ou renovam ou terão que sair neste mercado, caso contrário poderão sair a custo zero).
E conforme foi analisado no post da saída de Ricardo Pereira, o mercado de laterais-direitos não é o mais valioso no futebol mundial. Dalot, com 8 de jogos de equipa principal, passa diretamente a ser o 9º lateral-direito mais caro da história do futebol. A questão é: valeria mais daqui a um ano? Muito provavelmente, sim. E tal como foi comentado aquando da saída de Ricardo, o mercado de laterais-direitos está a ficar mais caro - entre os 10 laterais mais caros do futebol, sete foram transferidos desde 2017.
Mas tal como com Rúben Neves, as necessidades do presente comprometem as possibilidades de tirar maior proveito no futuro. Vale com tudo: com os futebolistas, com as receitas da UEFA, com as antecipações do contrato de direitos televisivos, com contratos de factoring diversos... Antecipar, antecipar, antecipar. É a receita que reina.
Mas tal como com Rúben Neves, as necessidades do presente comprometem as possibilidades de tirar maior proveito no futuro. Vale com tudo: com os futebolistas, com as receitas da UEFA, com as antecipações do contrato de direitos televisivos, com contratos de factoring diversos... Antecipar, antecipar, antecipar. É a receita que reina.
Depois, há o lado do jogador. E pensar que jogador algum no FC Porto ou no Campeonato português recusaria o Manchester United é querer viver numa realidade à parte. Nenhum jogador recusa o Manchester United. Nem Brahimi, nem Herrera, nem Dalot. No passado recente, vimos alguns dos nossos melhores jogadores irem para clubes como Lyon, Marselha, Mónaco, Zenit, Atlético ou até Manchester City. São clubes que, no peso do futebol europeu, não têm mais história do que o FC Porto. Mas têm outros argumentos financeiros, jogam em campeonatos mais atrativos. Então imaginem o que é ter em carteira um histórico como o Manchester United, treinado por José Mourinho.
«Pôs-se a andar à primeira oportunidade», dirão. Pois, mas há um detalhe: normalmente, os miúdos de 19 anos que jogam no FC Porto não têm uma proposta em mãos do Manchester United. Dalot foi um caso à parte: teve-a, não fosse ele talvez o melhor lateral do mundo no seu escalão.
Dalot vai para onde todos querem ir. E o FC Porto não pode esconder que faz um negócio que satisfaz a SAD nas suas metas financeiras e que não pode deixar ninguém surpreendido - afinal, há um ano que sabiam que ou renovavam com Dalot, ou o lateral teria compradores pelo preço da cláusula. De todas as coisas que nos possam surpreender de há um ano para cá, esta deve ser das últimas. A não ser que dê para alimentar a versão de que Carlos Gonçalves, empresário que não é dos mais próximos do FC Porto, e o pai do jogador, um miúdo de 19 anos, conseguiram ludibriar e enganar toda a estrutura da SAD. Era obra. É que se estivesse assim tão difícil renovar com Dalot, Sérgio Conceição não teria assumido, em espaço público, que Maxi e Dalot lhe dariam garantias perante a saída de Ricardo.
Mais. Passámos toda a época passada a ouvir e a compreender que a SAD estava sob restrições financeiras, que complicaram o ataque ao mercado e renovações contratuais, mas ao ouvirmos o diretor de comunicação a afirmar, e citando, que o FC Porto «podia ter gasto, sem entrar em incumprimento, 63 milhões», mas «não o fez por decisão da administração para equilibrar as finanças», então afinal estávamos todos enganados. Foram 35,3 milhões de euros de prejuízo em 2016-17, e no orçamento para 2017-18 foi definido um prejuízo de 17,27 milhões de euros, mas afinal havia aí pelo meio algumas dezenas de milhões de euros para gastar «sem entrar em incumprimento».
Jogador satisfeito, SAD satisfeita, sobra o mais importante: os adeptos. E como é natural, não haverá satisfação em vez mais um jovem talento do FC Porto sair do clube de forma tão precoce. Diogo Dalot sai muito cedo, por vontade própria do jogador, mas também o FC Porto não soube salvaguardar os seus interesses. Não é com juras de amor e beijinhos no símbolo: é com contratos assinados. Por isso, a SAD não deveria ter permitido a saída de Ricardo Pereira sem antes ter o futuro de Diogo Dalot 100% assegurado no clube.
Felizmente, perante um problema surgiu rapidamente a resposta com uma solução, a rápida contratação de João Pedro, e Sérgio Conceição dispõe de uma nova e interessante solução para as laterais. O brasileiro passa a ser presente (e esperemos que futuro), enquanto Diogo Dalot passa a ser passado, numa história que termina sem vítimas ou vilões: Dalot segue os seus interesses e o FC Porto não salvaguardou os seus, pois embora a sua venda represente um encaixe útil e importante para a SAD no curto prazo, não serve nem maximiza os interesses do clube.
Para terminar. Estarão por certo recordados que a bandeira da candidatura de Pinto da Costa para este mandato foi «um grande centro de formação». Portanto, ao invés de questionar onde está esse projeto anunciado há mais de dois anos e do qual pouco ou nada se sabe, talvez possamos é refletir se valerá mesmo a pena esse investimento, se as pérolas da formação continuarem a sair de forma tão precoce. A não ser que formação deixe de rimar com campeão e passe a rimar somente com milhão.