Não há nada mais normal para o FC Porto do que perder em Inglaterra. Em 17 jogos, 15 derrotas e 2 empates com golos em cima do minuto 90, de Costinha e Mariano González. 10 golos marcados, 47 sofridos. O FC Porto já foi com equipas bi, tri e tetracampeãs a Inglaterra, mas nunca conseguiu vencer. Dificilmente iria ser ontem, com uma equipa tão mal preparada e treinada, que iria conseguir.
Perder em Inglaterra é normal, mas provavelmente o FC Porto nunca terá apanhado um adversário tão fraco como este Leicester. Na Champions, o FC Porto defrontou sempre as melhores equipas inglesas: United, Liverpool, Chelsea, Arsenal, City. Este Leicester, com todo o mérito que teve na conquista da última época, é mais fraco e joga pior do que qualquer uma delas à época.
Afinal, quem é o clube de Champions aqui? O Leicester, que só ontem ouviu pela primeira vez o hino da Champions no seu estádio, e que há um ano nem sequer sonhava estar nessa posição, ou o FC Porto, que é o recordista de presenças na Liga dos Campeões e todos os anos joga declaradamente para o objetivo de ir aos oitavos-de-final?
Façam um exercício de introspecção. Quantos jogos viram de facto do Leicester esta e na época passada? Viram de facto um futebol que deslumbrava e dominava? Ou limitaram-se a absorver, através da imprensa, os ecos da grande época do Leicester? Todos sabiam dos resultados, que o Mahrez é bom, que o Vardy é um matador, que o Leicester tomou a dianteira na Liga mais competitiva do mundo. Mas quantos jogos viram de facto do Leicester?
A equipa que defrontou ontem o FC Porto estava ao nosso alcance. O Leicester quase não criou ocasiões de golo, não tem um futebol dominador, não tem cultura de campeão. Joga com o ADN de equipa pequena - o mesmo que Nuno Espírito Santo, com ou sem intenção, tem tentado implementar no FC Porto pelo futebol praticado, é certo -, muito aguerrida, juntinha, mas que não pratica um futebol que assuma o jogo, que garante muitas ocasiões de jogo e que distinga uma equipa forte em determinado momento do jogo.
A diferença esteve no cruzamento de Mahrez para Slimani. Ah, o jeitaço que dá ter argelinos em campo! O FC Porto devia considerar em arranjar um desses. Ontem se calhar teria dado jeito. Vai na volta e se calhar havia um ali pela bancada...
O Leicester nem sequer tem um enorme treinador. Não brinquem. Até há um ano, ninguém dava dois tostões por Ranieri para ganhar o quer que seja. Ganhou a Liga Inglesa, muito bem, foi histórico, teve mérito. Mas um treinador pode fazer uma boa época em 30 anos, mas não é uma boa época em 30 anos que faz um treinador. Jaime Pacheco não passou a ser um mestre da tática quando foi campeão pelo Boavista. Não queiram fazer de Ranieri o que não é.
O Leicester teve ontem 90 minutos para contrariar tudo isto. Pouco fez para mostrar que era um bicho-papão ou superior. Teve Slimani, essa besta filha de um casamento entre a Lei de Murphy e o efeito borboleta no dia em que Ghilas assinou pelo FC Porto. A diferença esteve aí. Este Leicester é um adversário ao alcance do FC Porto. Ponto.
Por isso, o problema de ontem do FC Porto não estava no Leicester. Estava em Inglaterra. A barreira psicológica não estava em vencer o Leicester, mas sim no historial absolutamente negro em Inglaterra. E estava também na fraca qualidade de um FC Porto que só despertou a partir dos 70 minutos e que mostra um banco onde Nuno Espírito Santo, ainda que não possa haver as maiores expetativas/exigências de grande sucesso sob a sua orientação, teima em não mostrar ponta de evolução desde o início da época.
Faltam 4 jogos, 12 pontos, e o Leicester de ontem não passa no Dragão. Isto se o FC Porto dos últimos 20 minutos de ontem lá decidir aparecer. Os oitavos-de-final continuam ao nosso alcance, mas é essencial fazer o pleno frente ao Club Brugge.
Danilo Pereira (+) - Os elogios d'O Tribunal do Dragão à exibição de Danilo frente ao Boavista não foram consensuais. Estes têm que ser. Defensivamente, Danilo voltou a estar impecável, desta vez com atenções redobradas por o Leicester jogar com dois pontas-de-lança. No total, foram 28 ações defensivas de Danilo (precipitou-se um pouco no momento que antecede o 1x0 - já lá vamos), entre duelos aéreos, cortes e recuperações de bola, numa exibição quase irrepreensível a nível defensivo. Foi rápido a distribuir e impediu que o Leicester ganhasse caudal ofensivo na segunda parte. Apesar de não ter conseguido fazer uma pré-época adequada, é neste momento imprescindível ao FC Porto. É a única garantia de equilíbrio numa equipa sem fio de jogo.
As entradas em campo (+) - Nos últimos 20 minutos, vimos um bom FC Porto. Pressionante, rápido a chegar ao último terço, a meter gente na grande área e a criar algumas situações de remate. Foi curto, mas foi uma reação saída do banco. André André (dificilmente manterá a titularidade depois deste jogo - André André será sempre uma alternativa útil no plantel, mas nunca será um jogador à volta do qual se possa construir um 11 titular do FC Porto) e Adrián saíram, Herrera e Jota entraram e o FC Porto agitou o jogo. Jota vai sempre à procura da baliza (foi praticamente o primeiro a dar trabalho a Schemichel... aos 72 minutos!) e Herrera soube empurrar a equipa, dando dinâmica, verticalidade e velocidade ao jogo do FC Porto. A entrada de Corona, que fez mais num quarto de hora do que nos jogos a titular que vinha fazendo esta época, fez o FC Porto encostar o Leicester à sua grande área. A bola no poste podia ter tido melhor sorte, mas quem joga apenas 20 minutos não se pode queixar. Nota positiva para as exibições de Layún, Otávio, a espaços, e Óliver.
A (falta de) tática (-) - «A base do nosso modelo vai ser o 4x3x3. É algo que é da história do FC Porto e que se identifica muito com a ideia que eu tenho para o jogo, um 4x3x3 ofensivo e pressionante, que condiciona a construção contrária e que tem muita gente em zonas de finalização». Estas foram as palavras de Nuno Espírito Santo na pré-época. O FC Porto nunca chegou a espelhar as ideias aqui descritas, pois tem sido quase sempre uma equipa que joga na expetativa, recuada, no erro do adversário (sendo que nem tenta provocar esse erro, ao não pressionar) e que deixa sempre o oponente construir.
Nuno tem o direito de concluir que afinal o 4x3x3 que previa não era o mais adequado ao plantel, e com isso apostar no 4x4x2. Mas o que se tem visto não é uma equipa com plano A e B, não é uma equipa híbrida, não é uma equipa versátil: é uma desorganização absoluta de uma equipa que não tem um fio de jogo, não tem um plano para atacar além do pontapé para a frente, (quase) não tem como libertar individualidades para resolver um jogo e cria poucas situações de perigo. Nuno Espírito Santo tem dito após todos os jogos que o problema é a eficácia, mas não é: o FC Porto cria pouquíssimas situações efetivas de perigo.
Houve uma boa oportunidade para André Silva logo no início do jogo, mas depois só nos últimos 20 minutos é que o FC Porto consegue rematar à baliza. Além disso, estar a oscilar de tática de um jogo para o outro, com isso alterando o posicionamento/funções de jogadores como Adrián e André Silva, prejudica toda a equipa e os próprios jogadores. O FC Porto não tem uma base criada, não tem um padrão de jogo, não tem ligações criadas entre os setores, e os jogadores não revelam grande sintonia quando estão em campo (a espaços, Otávio e André Silva - essa receção de bola, menino! - são os únicos que se vão entendendo). De nada vale ter bom balneário se não houver sintonia em campo.
Hm, Depoitre? (-) - Num jogo em que o FC Porto nada tinha a perder, sem que André Silva estivesse a ter uma noite feliz, sem experiência ou grande dimensão física no ataque (o FC Porto acaba o jogo com Óliver, Jota, Corona e André Silva na frente), contra uma dupla de centrais fortíssima fisicamente (Huth e Wes Morgan, dois tanques), Nuno Espírito Santo não encontrou utilidade para Depoitre para este jogo? Esta contratação corre o risco de meter Marega num bolso. Mas o grave foi ter confiado em Lopetegui para contratar Campaña, uma solução de fecho de mercado, que veio por empréstimo e que segundo o R&C do FC Porto nem implicou o pagamento de uma comissão discriminada. De não conhecer uma solução de recurso que vem emprestada a não conhecer um dos - senão mesmo o segundo - pontas-de-lança mais caros da história do FC Porto vai uma grande diferença.
O golo (-) - Lembram-se daquele amigo sportinguista a quem dávamos baile por causa dos golos do Domingos e do Kostadinov? Se o karma tivesse um filho chamava-se Slimani. Meia oportunidade e marca. Mas não podemos ignorar a má abordagem defensiva do FC Porto no momento do golo. Primeiro momento: numa tabela junto à linha, em menos de 4 metros, o Leicester liberta-se da pressão de André André. No raio de ação da bola estão André, Danilo (deixa a sua zona para ir pressionar na segunda linha) e Adrián. Layún está colado à linha, Felipe a 3 metros, Marcano (arrastado por Vardy) 3 metros ao lado. O FC Porto tem o lado esquerdo completamente descoberto, com apenas Alex Telles naquela zona e Otávio ainda distante. Alex Telles é obrigado a ir fechar por dentro, para encurtar a distância em relação a Marcano, e com isso abre-se uma via rápida no corredor. A partir do momento em que o Leicester, logo após a tabela, abre o jogo, a equipa do FC Porto fica toda partida. Bastou um passe longo. Mahrez cruzou sem oposição de Alex Telles (e Mahrez já tinha o apoio do lateral), Felipe ficou a marcar Slimani com os olhos (não se pode deixar um ponta-de-lança destes ganhar a frente) e o Leicester marca num lance em que o FC Porto tinha 10 homens nos últimos 25 metros, tendo bastado para isso um cruzamento e um desvio.
O Leicester não é uma equipa de grande futebol, mas rasgou o FC Porto com uma simplicidade gritante. Tabela curta junto à linha, abertura para o lado direito, cruzamento para a zona onde aparecem os dois avançados e golo. Tão simples, tão difícil. Um FC Porto organizado no processo defensivo, sabendo que espaços ocupar e quem tem que sair na pressão, não permitiria que tivesse havido aquele cruzamento de Mahrez. Sem a bolinha na grande área, podia haver 10 Slimanis em campo, e nenhum deles faria estragos.
Sendo o Leicester ou não, o FC Porto nunca pode definir o objetivo de ir aos 1/8 da Champions contando com uma vitória em Inglaterra. Por isso, não é o resultado de ontem que deixa os oitavos em risco. Se estão em risco, é pelos 2 pontos que foram dados ao Copenhaga. Há que recuperar do prejuízo diante do Club Brugge. Agora vamos à Choupana, antes de uma paragem para os jogos internacionais. Terminar o primeiro ciclo de 11 jogos com apenas 5 vitórias significaria um dos piores arranques das últimas décadas. Chegamos ao ponto em que só desejamos ver um FC Porto organizado em campo e que não jogue recuado e com medo de sofrer. Já seria um upgrade que nos deixaria mais próximos de vencer.
PS: Dá para parar de usar a vitória em Roma como referência para o quer que seja? A não ser que continuem convencidos de que vamos jogar contra 9 em todas as partidas. Pelo contrário, ontem jogámos pela primeira vez contra 11 na Europa esta época. Não correu muito bem.