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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Pepe, o capitão do FC Porto

«Enquanto fomos bons rapazes fomos sempre comidos.» A frase de José Maria Pedroto é intemporal, mas também pode ser adaptada a tempos mais contemporâneos: se formos anjinhos, podemos sempre ser comidos.


Pepe, estandarte máximo da experiência no FC Porto, foi anjinho. Não é o primeiro capitão do FC Porto a ferver num clássico e a chegar à expulsão num momento de irreflexão, nem será o último; mas foi anjinho, deixou-se levar pela provação óbvia do adversário e fez o que não poderia fazer. Expulso, bem expulso, e a prejudicar o FC Porto numa altura em que ainda se tentava perceber se haveria capacidade para esboçar a reação à desvantagem em Alvalade.

E agora? Que dizer de Pepe, capitão do FC Porto e braço direito de Sérgio Conceição em campo?

Nada. Porque já não há nada mais a dizer sobre a carreira de Pepe no FC Porto e na nata do futebol mundial. Pepe é o melhor defesa da história da Federação Portuguesa de Futebol. Esteve nas 2 conquistas mais emblemáticas, foi o melhor jogador da seleção em 3 fases finais de Europeus, mais de 130 internacionalizações e ainda aponta ao Euro 2024; uma década de Real Madrid a esgrimir-se contra um Barça que reclamava o estatuto de melhor equipa da história do futebol, enquanto enriquecia um palmarés com três dezenas de troféus. 

Pepe tem a carreira feita, mais do que feita. Vai ser sempre lembrado como o grande central que atravessou o Atlântico para fazer história no FC Porto, em Portugal e no Real Madrid. Não tem mais nada a provar, nada mais a fazer...

... e no entanto, o que continua a fazer Pepe? A lutar pelo FC Porto. Dia após dia, semana após semana, desafiando os limites cada vez mais reveladores da idade. Bate recordes de longevidade, brilha na Liga dos Campeões, e em vez que estar a gozar uma reforma dourada continua aqui, a lutar pelo FC Porto num dos momentos mais delicados da sua história, rodeado por alguns colegas de setor cujas limitações não deve ter encontrado muitas vezes ao longo da carreira. 

Pepe não precisa do FC Porto; mas o FC Porto precisa, mais do que nunca, de Pepe. Estando bem, não há melhor. O problema é que o resultado de 23 anos de futebol profissional ao mais alto nível tornam a sua condição física numa incógnita semana após semana. Entre a lesão de Marcano e o desencanto com e de David Carmo, o FC Porto tem um problema enorme no eixo defensivo - e não só, visto que estamos perante um dos ataques menos produtivos da história do clube após 14 jornadas na I Liga.
 
É difícil depender tanto de um jogador nas condições de Pepe. Mas é incontornável: sem ele, o FC Porto está sempre mais perto do insucesso. Pepe não se esconde. Luta pelo clube, pelos colegas, pelo treinador. É, simplesmente, o exemplo daquele jogador que adoramos se for nosso e detestamos se for adversário. Não é preciso uma toupeira no balneário leonino para se perceber que os jogadores do Sporting foram instruídos para tal ao intervalo - provocar Pepe. Não foi um acaso que, num lance em que queria simplesmente recolocar a bola em jogo, Pepe viu logo Gyökeres bloquear a linha de passe e Matheus Reis literalmente empurrá-lo para semear a confusão. Foi uma armadilha na qual Pepe, que não era expulso em jogos de um Campeonato nacional há 12 anos (!!), caiu de forma tão surpreendente quanto evitável.

Mas ver um poço de experiência como Pepe cometer este erro é a prova viva para qualquer jogador de que, no futebol, nunca estamos em pleno controlo. Basta um deslize, uma desatenção, um espasmo para que o mais experiente dos jogadores pareça o mais infantil e inexperiente dos atletas. O que mostra que Pepe, como os demais, continua a ter um desafio: continuar a ser melhor, dia após dia. Saber que Pepe não é mais do que Zaidu, Zé Pedro, Diogo Costa ou Taremi: se está com o símbolo do FC Porto em campo, é um alvo a abater. E por ser melhor do que os demais, por carregar anos de conquistas e de provas de superação, torna-se ainda mais apetecível para os adversários. Quem detesta Pepe detesta o FC Porto; quem detesta o FC Porto detesta Pepe. Porquê? Porque ambos partilham a insaciável procura por mais, sempre mais; mais um jogo, mais uma vitória, mais um título. Não apaga nem justifica o erro, mas é por isso que Pepe vai dar a volta por cima. Porque Pepe não é um jogador à Porto. É um capitão à Porto. 

Pepe não se esconde dessa luta e dessa responsabilidade. Deve desculpas aos colegas e aos adeptos, claro. O capitão do FC Porto tem que ser o primeiro no campo de batalha, mas deve ser o último a perder a cabeça em campo. E precisamos de Pepe.

A qualidade de jogo praticada pelo FC Porto desde a pré-época é, possivelmente, a pior da era Sérgio Conceição. Isso não impediu a equipa de desde logo garantir, uma vez mais, a qualificação para os 1/8 da Liga dos Campeões, além de continuar a depender de si própria na luta assumida pela dobradinha. Mas mesmo que o futebol de Benfica e Sporting não deslumbre, o FC Porto deve a si próprio mais. Muito mais. Ou elevamos o nível exibicional, ou na próxima época não haverá Champions para ninguém. Há lacunas no plantel, mas o FC Porto tem plantel para lutar pelos seus objetivos. E capitão também. 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

(Nem) tudo é sobre Pinto da Costa vs. Villas-Boas

Não há um elefante na sala. Há uma manada. Todos os caminhos vão agora dar a Pinto da Costa vs. Villas-Boas. Curioso quando nenhum dos dois é, à data, oficialmente candidato às eleições, embora ambos e respetivas «tropas» já se posicionem nesse sentido. E como os atos eleitorais do FC Porto não são mais do que uma mera formalidade há 40 anos, é algo novo na vida de muitos portistas e vai ser forçosamente o tema dominante nos próximos meses.


Ao contrário do que muitos possam advogar, não há «altura certa» para falar disto. O FC Porto, felizmente e por norma, está sempre a competir por algo até abril. Achar que há tertúlias que têm que ser limitadas ou quase tabu porque a equipa tem que estar «concentrada e unida» é insultar a capacidade de Sérgio Conceição e dos seus atletas em manterem o foco nos objetivos desportivos. Quanto a isso, podemos estar descansados. No balneário só há dragões, não há urnas nem candidatos. Nenhum futebolista fica acordado a ver a CMTV ou a fazer scroll nas redes sociais para perceber qual é a estratégia financeira da SAD e sobre em quem recai o sentido de voto.

É a altura certa para falar disto porque é a altura em que emergem duas coisas que não se viam há 40 anos: a SAD com receio de um candidato e um candidato capaz de aglomerar a contestação crescente face ao desempenho da SAD. Prova disso é que uma simples Assembleia Geral para aprovação das contas 2022/2023, com objetivos e graus de complexidade bem diferentes da AG para alteração dos estatutos do clube, deu mais ares de um Pinto da Costa vs. Villas-Boas do que outra coisa qualquer.

E a afluência é testemunha disso. Foi uma vitória de Pinto da Costa, porque as contas foram aprovadas. Mas foi também uma vitória de Villas-Boas, porque tomou a palavra e mostrou que a sua candidatura não vai recuar apesar das tentativas de intimidação e ataques de que tem sido alvo. Nada diz «estamos em período eleitoral» como ver dois candidatos terem vitórias na mesma noite. 

E sim, os portistas estão investidos neste tema. Basta ver os números ou ler as reações ao último texto d'O Tribunal do Dragão. Houve 819 sócios a votar numa noite de quarta-feira. 53% de aprovação, 187 votos contra e 198 abstenções. Embora as contas tenham sido aprovadas e que a SAD se tenha congratulado com isso, basta ver o passado recente para sentir a contestação crescente: na aprovação das contas de 2021/22, não houve um único voto contra e apenas 5 abstenções; já em 2020/21, houve apenas uma abstenção. Os resultados são diferentes, mas a equipa diretiva é a mesma. 

Há hoje mais adeptos a contestar Pinto da Costa nos palcos de decisão; mas isso não significa que não haja mais gente também a apoiar Pinto da Costa. Até à data, nenhum apoiante de Pinto da Costa sentia que o seu cargo estivesse sob ameaça. Hoje isso é uma realidade. Daí que não haja dúvidas que Pinto da Costa terá, em 2024, muitos mais votos do que os que teve em 2020; se isso significa que terá maior percentagem de votos, só o tempo o dirá.

Os dois tomaram a palavra na AG: AVB para criticar o desempenho da SAD, Pinto da Costa para criticar AVB. Entramos no campo da opinião, claro: Villas-Boas teve uma intervenção pertinente e objetiva. Falou de factos, de números. Não foi para lá falar de ninguém, mas sim das contas da SAD. Nada do que AVB disse é desmentível. Chegando ao final da sua intervenção, patinou: o desafio de AVB à SAD, ao dizer que só aprovaria as contas mediante a devolução dos prémios, soou prontamente a populismo. Villas-Boas tinha acabado de enumerar o descalabro financeiro da SAD e de revelar que chumbaria as contas como forma de protesto; dizer logo a seguir que afinal aprovaria as contas se a SAD renunciasse aos prémios que recebeu mostrou incoerência. As contas só eram passíveis de serem boas ou más mediante a remuneração variável de 1,6 milhões? Não. Eram más, ponto. E seriam más independentemente da SAD receber 10 cêntimos ou 10 milhões pelo seu desempenho. 

Pinto da Costa, no discurso final, visou diretamente Villas-Boas com acusações graves e que implicam esclarecimento. Primeiro, criticou AVB porque «veio para dizer mal». Não, AVB não disse mal: AVB enumerou números e factos. E se isso é dizer mal, é porque as contas são más. Mas a declaração chave foi esta: «Não venha ler papéis com números que lhe põem à frente.» Será que Pinto da Costa pode elucidar o universo portista sobre quem pôs esses números à frente de Villas-Boas? Parece saber coisas que não sabemos, até porque AVB ainda não apresentou nenhuma lista. Mais: levar um papel com números se calhar revela preparação; passar uma entrevista de uma hora a dizer «não sei», «não me recordo» ou «prefiro não responder porque não tenho a certeza dos números» revela outra coisa.

No dia seguinte, Pinto da Costa continuou e recordou as declarações de Villas-Boas, em que afirmava que não concorreria contra o presidente: «Se calhar achou que eu ia morrer mais cedo, mas ainda vai ter de esperar para ir ao meu funeral». Este sim, é o verdadeiro fait-diver. Porque os dois candidatos já disseram algo que agora têm que desmentir. Não vale a pena citar Pimenta Machado. 

Após a saída de Villas-Boas do comando técnico do FC Porto, Pinto da Costa deu uma entrevista ao L'Équipe em que dizia que iria sair da presidência do clube num prazo de 5 anos. Já lá vão 12. Em 2016, conforme citado pelo JN, disse que só se candidatou porque não havia mais ninguém. Quatro anos depois, apareceram Nuno Lobo e José Fernando Rio. Pinto da Costa disse então que afinal só não avançaria se um destes quatro nomes se candidatasse: António Oliveira, Rui Moreira, Vítor Baía ou... Villas-Boas. Pinto da Costa diz que AVB estava talvez a contar com a sua morte, mas também já se percebeu que Pinto da Costa só dizia isso porque não contava que realmente alguém o enfrentasse. 

Vale também sempre a pena recordar as palavras de Pinto da Costa no último dia em que foi às urnas, em 2020: «(AVB) é um sócio com as quotas em dia, não teve de ir a correr pagar cinco anos de atraso como alguns, tem capacidade e se tiver esse desejo e essa motivação, tem todo o direito e seria uma boa opção». Se é uma boa opção, tem que se tratado como tal; feliz do portista que tiver a possibilidade de escolher entre 2 boas opções nas próximas eleições.

Não haverá nada mais pertinente, por isso, do que ter um debate entre Pinto da Costa e André Villas-Boas antes das eleições em abril. Com ou sem papéis, frente a frente, olhos nos olhos um com o outro e sob o olhar dos portistas. De recordar que Pinto da Costa recusou, em 2020, entrar em debates com Lobo e Rio no Porto Canal. Aliás, disse que não recusou, simplesmente «não teve tempo», embora tenha dado 4 entrevistas antes do ato eleitoral - O Jogo, JN, ao Portal dos Dragões e... ao próprio Porto Canal. É por isso melhor começar a pensar em libertar já a agenda. Está só em causa o futuro do FC Porto. E para o FC Porto é sempre preciso tempo.