Numa altura em que muito há para discutir sobre o FC Porto, não haverá melhor altura para recordar esta efeméride. Faz,
esta semana, 21 anos. No Restelo morava a besta negra do passado
recente do FC Porto. As equipas do tetra e do penta não lá tinham conseguido
marcar nem um golo, nem com Jardel, e ainda estava fresca na memória a derrota por
3x0 que, na altura, semeava dúvidas sobre a capacidade de José
Mourinho em treinar os dragões.
A época
2002/03 até corria de feição. O FC Porto tinha acabado de vencer em Alvalade na jornada anterior e já poucas dúvidas havia sobre a conquista do Campeonato. Mas o
Restelo reavivou os fantasmas.
Ao
intervalo, o FC Porto perdia por 1x0. Não que o Belenenses estivesse a
fazer um grande jogo (o golo nasce de um desentendimento entre Baía e
Pedro Emanuel), mas notava-se displicência e desinteresse na equipa
portista, que já tinha dado ares de facilitismo poucos dias antes, numa vitória tangencial sobre o Gil Vicente para a Taça de Portugal.
No Restelo, o árbitro apita
para o intervalo e, para ajudar à festa, os jogadores de FC Porto e
Belenenses "pegam-se" no caminho para os balneários, com o próprio
Mourinho a ter que ir separar os atletas. Furioso, o técnico
preparava-se para uma palestra que não seria prazerosa para os ouvidos.
Aí emerge o capitão, Jorge Costa.
À entrada para o balneário, o Bicho colocou a mão no peito do treinador e pediu dois minutos a sós com os seus jogadores. José Mourinho não hesitou e deixou Jorge Costa fazer «o trabalho sujo».
Rezam as crónicas que, na sua curta palestra, Jorge Costa ameaçou terminar a sua carreira naquele dia. Não poupou ninguém: Deco, Derlei, Capucho, Postiga, todos foram chamados à razão pelo capitão do FC Porto. As palavras «vergonha» e «respeito» foram repetidas desafiando qualquer recorde de decibéis. O mais notável: ninguém contestou a palavra do capitão. Nem Mourinho, que lhe deu carta branca, nem os jogadores. Todos sabiam que havia razão em cada palavra de Jorge Costa, que não só conhecia o seu grupo como se metia na linha da frente por cada um daqueles jogadores.
O que aconteceu na segunda parte foi, simplesmente, a antecâmara do que o FC Porto viria a fazer mais tarde na receção à Lazio nas Antas. Foram 45 minutos absolutamente asfixiantes. O Belenenses não conseguia avançar 5 metros com bola sem que 2 ou 3 jogadores lhe caísse em cima. Ou batiam longo, ou perdiam a bola. O FC Porto venceu por 3x1 (Mourinho cometeu uma pequena gralha, ao referir-se ao resultado como sendo 3x2), poderia ter goleado, mas o que mais marcou o jogo foi quem assinou a reviravolta: Jorge Costa.
Sete minutos após o intervalo o FC Porto já vencia por 2x1, com dois golos de Jorge Costa. Já era um central com golo (de recordar que fez 6 golos em clássicos contra Benfica e Sporting, notável para um central), mas foi o primeiro e único bis da sua carreira: primeiro num golpe de cabeça, depois numa jogada em que recuperou a bola no meio-campo, galgou metros com ela e finalizou uma jogada de insistência.
Mas mais importante: Jorge Costa não cobrava aos seus jogadores mais do que a ele próprio, e materializava isso com dois golos. O capitão, com o raspanete que passou ao intervalo, não mandou os jogadores para o campo de batalha; mostrou-lhes o caminho, liderou-os nessa luta. Daí ao título, a Sevilha e à dobradinha foi um salto.
Jorge Costa não recebe lições de portismo de ninguém: Jorge Costa é portismo. Nos maus momentos, nos bons momentos, na glória, na derrota. Tocou no céu, levantando 3 troféus internacionais, depois de ele próprio ter ido ao extremo oposto com a triste história da braçadeira atirada ao chão. Pagou por isso, aprendeu com isso.
Quando Jorge Costa regressa do empréstimo ao Charlton, houve desde logo a incógnita sobre quem seria o capitão. José Mourinho, adepto do sistema de votação, aproveitou a primeira reunião entre jogadores no estágio de pré-época para convidá-los a escolher, sem surpresa, entre Vítor Baía e Jorge Costa. Vítor Baía nem deixou a votação começar: tomou a palavra e disse desde logo que, por ele, Jorge Costa era o capitão dentro de campo. Mais, era o seu capitão. Ninguém precisou de votar: Jorge Costa era o capitão, sempre apoiado por Vítor Baía, que basicamente dividia as responsabilidades com o camisola 2 fora de campo.
Quando Jorge Costa começou a usar a camisola 2, era a camisola do João Pinto. Quando o Bicho termina a carreira, já não era apenas a camisola do João Pinto. Era também a camisola do Jorge Costa. Jorge Costa honrava os pergaminhos de João Pinto, como este honrou aqueles que herdara de Virgílio. São jogadores à Porto. Bravura, honra, dedicação, inspiração - não precisam de estar inspirados, mas conseguem inspirar os colegas. Jogadores à Porto, capitães à Porto.
Jorge Costa nunca quis sair do FC Porto. Podia ter feito uma carreira à Fernando Couto, tanto que teve ofertas para sair - tanto para Itália como para o Barcelona -, mas não estava interessado. Saiu quando teve que sair, incompatibilizado com Octávio Machado pelo caso da braçadeira. Voltou quando o clube chamou por ele, numa altura em que podia ter ficado a fazer carreira em Inglaterra. Voltou para fazer história.
O Bicho deixou o FC Porto há 18 anos, na altura após cair no fundo da hierarquia das opções de Co Adriaanse para o centro da defesa. Mas os portistas não esquecem os seus. E prova disso foi o apoio que os Super Dragões deram ao capitão na hora da saída. «Perdoa-lhes, capitão, eles não SADem o que fazem.» Uma mensagem exibida numa altura em que havia muita crispação à volta do treinador do FC Porto, situação para a qual a rescisão de Jorge Costa não contribuiu.
Jornal Público, 02/02/2006 |
O respeito em relação ao ex-capitão do FC Porto era tão grande que ajudou a que o próprio Fernando Madureira não hesitasse em assumir que os Super Dragões deixariam de ser «o escudo da SAD». E que bom é ver o líder de uma claque defender assim o seu capitão. Até porque um capitão é sempre um capitão.
Jornal Público, 02/02/2006 |
Quando o assunto é mística, Jorge Costa tem lugar à mesa. Quando o assunto é vencer, Jorge Costa tem lugar à mesa. Quando o tema é FC Porto, Jorge Costa tem que ter lugar à mesa. Não sou eu quem o diz: é a história e os respetivos protagonistas do FC Porto. E com razão.
Acefalia pura de quem ainda leva o primata a sério
ResponderEliminarFicamos a saber á pouco, que afinal não passa de um ressabiado...
ResponderEliminarTão bom que o Pinto da Costa e os outros abutres saíram. Pena que esta página esteja adormecida. Costumava seguir.
ResponderEliminar