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domingo, 29 de junho de 2014

O FC Porto e os fundos de transferências ao Raio-x, parte I

O Tribunal do Dragão inicia hoje uma série de publicações sobre um tema que consegue ser sempre tema de discussão e ao mesmo tempo tabu: os fundos de transferências e as terceiras partes nos negócios. Quanto dinheiro o FC Porto já perdeu com isto? Era mesmo necessário recorrer a fundos? Quem está por trás dos fundos de transferências? São algumas das questões a que tentaremos responder a partir de hoje. E começamos por 2003, ano em que o FC Porto começou a surpreender o futebol moderno, com a conquista da Taça UEFA e a tornar célebre a máquina que transformava tostões em milhões. 

FC Porto só tinha 50% de
Deco em 2003
O primeiro caso é Deco e apresenta desde logo uma particularidade que é muito frequente: a antecipação dos empresários. Em muitos casos, antes dos jogadores serem contratados por um clube, são primeiro adquiridos por empresários, que compram o seu passe e já sabem que, mais tarde, o clube vai comprar a sua parcela por três ou quatro vezes mais. De Fernando a Lucho González, de Lisandro López a Hulk, só no FC Porto os exemplos são diversos. E serão um tema para outro dia.

Muitos adeptos desconhecem este dado, mas quando o FC Porto ganhou a Taça UEFA tinha apenas 50% de Deco. Onde estava o restante passe? Nas mãos de Jorge Mendes (Gestifute, se preferir). E foi aqui que se iniciou uma nova modalidade no FC Porto, o de alienar e adquirir percentagens de passes a empresários, que se multiplicavam por fundos de investimento e agências de representação de jogadores.

Ricardo Carvalho rendeu
3,75M a um fundo
Depois de ter ganho a Taça UEFA, em julho o FC Porto comprou 20% de Deco a Jorge Mendes por 2,25 milhões de euros e cedeu ainda 5% de Paulo Ferreira e 5% de Ricardo Carvalho. No mês seguinte, comprou mais 15% por 1,25 milhões de euros e cedeu 10% de McCarthy, que tinha acabado de custar 7,856 milhões de euros. O FC Porto detinha, assim, 83,33%, pois ainda cedeu 1,67% do passe à First Portuguese Football Players Fund - o foco desta primeira parte.

Criado em 2004 e extinto em 2008, foi o primeiro caso em Portugal de uma série de investidores «anónimos» que se apercebeu que o futebol podia ser uma mina de ouro a explorar sem transparência e sem escrúpulos. Muitos deles com ligações directas ou indirectas a dirigentes de Boavista, Sporting e FC Porto, os 3 clubes que negociaram com o First Portuguese Football Players Fund. Poderíamos escrever sobre o Sporting, que perdeu mais de 15 milhões de euros nesta modalidade (Cristiano Ronaldo, por exemplo, deu mais de 5 milhões ao FPFPF, que comprou 35% pela irrisória quantia de 627 mil euros antes de ele ser vendido ao Man. United), mas vamos focar-nos no que interessa: o FC Porto.

No início de 2004, o FC Porto alienou os passes de 11 jogadores de uma só vez, por 6,165 milhões de euros. A saber: Paulo Machado (16,67%), Ivanildo (16,67%), Vieirinha (16,67%), Ricardo Costa (13,33%), Hugo Almeida (16,67%), Deco (1,67%), Pedro Mendes (16,7%), Paulo Ferreira (10%), Ricardo Carvalho (12,5%), Bruno Moraes (10%) e Benni McCarthy (13,33%). Nunca foi relevada a quantia correspondente a cada percentagem. Mas enquanto o FPFPF garantiu que a percentagem mais baixa era de 1,67% e a mais alta de 16,67%, o FC Porto, no comunicado à CMVM, disse que a mais baixa era 2,5% e a mais alta 25%... Uma diferença nunca justificada.

Em setembro do mesmo ano, mesmo após o FC Porto ter ganho a Liga dos Campeões e registado as maiores receitas da história do clube, nova alienação de passes. Desta vez, foram 2,5 milhões por 9% de Quaresma, 8,5% de Diego, 2,5% de Carlos Alberto, 10% de Pepe e 8% de Seitaridis. Em 2004-05, segundo a Deloitte, o FC Porto teve receitas de 110 milhões de euros (lucro de 25 milhões), mais do que Benfica (49,7) e Sporting (34,2) juntos. Havia necessidade de alienar aqueles passes? Não, de todo. Foi uma operação destinada a servir as necessidades ou os interesses do FC Porto? Não. Uma opinião, claro, mas como é regra neste blogue suportada pelos números.

Paulo Ferreira deu
2M a um fundo
Recuemos mais atrás, ao verão de 2004, quando o FC Porto vendeu Deco, Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho. Foi noticiado e declarado que a operação rendeu 71 milhões de euros, dos quais 6 milhões correspondentes ao passe de Quaresma. Mas a verdade é que o proveito líquido destas três operações situou-se apenas nos 46 milhões de euros.

O FPFPF recebeu 2 milhões por Paulo Ferreira, 350 mil euros por Deco e 3,75 milhões de euros por Ricardo Carvalho, fora a parte de Jorge Mendes. Só com estes três nomes já cobriram o «investimento» nos 11 jogadores do FC Porto.

No início de 2008, o FC Porto fechou a ligação ao fundo e teve que readquirir as restantes percentagens que a FPFPF detinha, tendo pago 1,6 milhões de euros por Ricardo Quaresma (9%), Paulo Machado (16,7%), Ivanildo (16,7%) e Vieirinha (16,7%).

Neste primeiro balanço à ligação do FC Porto aos fundos de transferências, concluímos que o FC Porto encaixou 8,665 milhões de euros ao alienar parte dos passes de 16 dos seus futebolistas em 2004. Uma verba que, face aos bons resultados financeiros em 2002-03 e 2003-04, pelas conquistas na UEFA e pelas maiores receitas em transferências da história do futebol português, não era necessária para a subsistência e custos correntes da SAD.

Já o FPFPF, depois de ter investido os 8,665 milhões de euros, encaixou... 14,51 milhões de euros. Conclui-se assim que o primeiro fundo a que o FC Porto teve ligação deu um prejuízo de 5,845 milhões de euros à SAD. Tudo isto no tempo em que a política despesista era bem mais contida. A justificação para que a ligação ao FPFPF fosse encerrada, aliás, foi pelo FC Porto entender que a «partilha de risco» não se justificava. Ah, como os tempos mudam...

17 comentários:

  1. Confesso que não percebo muito de "economias" e aguardo contas deste género referentes a momentos menos "despesistas", como lhes chamou. Mas - e partindo da premissa de que os valores que apresenta são os reais - será que esses (quase) 6 milhões de prejuízo não são cobertos por rendimento desportivo? Se não tivéssemos realizado estas alienações teríamos conseguido manter algum destes jogadores/obter liquidez para adquirir outros?

    Pergunto isto sem qualquer tipo de "agenda" ou posição (pró ou contra) definida. É só porque me parece que este tipo de "engenharia" pode ser aceitável se nos garantir lucros de outro tipo de formas (nomeadamente rendimento desportivo).

    Obrigado e parabéns pelo blog. ;-)

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    1. Se reparar, a resposta está no texto. Na primeira rodada de jogadores não há comentário, apenas facto: 6,15 milhões por partes dos passes de 11 jogadores. Não dizemos que não era necessário (até porque Pinto da Costa, na altura, assumiu o esforço de tentar manter a equipa para a Champions e de comprar o McCarthy, na altura o segundo jogador mais caro da história do clube, só batido pelo Ibarra).

      Na segunda rodada sim, há comentário e depreciativo, por não considerar que essa opção fosse necessária ou sequer que servisse os interesses do FC Porto. Para que necessitava o FC Porto de 2,5 milhões de euros se tinha acabado de fechar a melhor época da sua história (2003-04) e o maior encaixe líquido com transferências (46M) de sempre?. Não era necessário, é a leitura que faço.

      Essa sua questão vai mais direccionada ao que está escrito no segundo parágrafo, sobre a antecipação dos empresários. E é um tema que ainda não foi aprofundado mas que a seu tempo será.

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    2. lembro-me do caso anderson que foi comprado pelo J. Mendes e depois cedido ao clube, resta saber que verbas andaram envolvidas

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    3. Pode só dizer quanto custou o Ibarra? Já agora parabéns pelo trabalho, não sabia que este fundo tinha existido e é útil para os adeptos conhecerem melhor a realidade do clube

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    4. O Anderson custou 7,65 milhões de euros por 65% do passe. Depois foram comprados mais 15% à Gestifute, valor não revelado.

      O Ibarra, ao câmbio de hoje, custou 8,85 milhões de euros em 2001.

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    5. Porque me lembro perfeitamente, atrevo-me a corrigir o TdD: Ibarra custou 900 000 contos, ou seja, 4,5 M €.

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    6. Anónimo, Ibarra custou 1,775 milhões de escudos. http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/fsd2464.pdf

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    7. Não é que tenha mais interesse, mas reitero que o seu custo (passe) foi 900 000 contos, como pode ver aqui:http://www.record.xl.pt/Futebol/Nacional/1a_liga/Porto/interior.aspx?content_id=90966
      O motivo da divergência tem a ver com o facto de no comunicado à CMVM se ter incluído o valor dos salários para o período do contrato (por isso se diz lá "valores globais").

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  2. Não querendo jogar no campo que se tornou moda, de bater em alguém só por bater - seja essa pessoa presidente, director geral ou qualquer outro membro da SAD - nem ir ao extremo de dizer que não precisamos de fundos, ou que estes são prejudiciais para o clube ou para o futebol, apenas gostava de salientar que quem dirigia os nossos rumos em 2003 e 2008, ainda são os mesmos, quem entrou e saiu dessas parcerias são ainda as mesmas pessoas que nos dirigem hoje.

    Há muito que aceitei que cada um desses indivíduos tem uma agenda própria, começando pela cabeça que não é inocente de todo - por muito respeito que mereça - e portanto, em vez de me preocupar directamente com fundos, preocupo-me é com que pessoas anda o nosso Porto relacionado, e que ilustres ambicionam o poleiro para se poderem relacionar (entenda-se, encher bolsos).

    Infelizmente, o futebol não é transparente e as sombras que vagueiam nos bastidores preenchem com poder o espaço deixado vago pelos escrúpulos. Espaço esse que parece ser comum a todos os que por lá andam, sejam membros dos fundos ou dos clubes.

    No que aos fundos toca: São de facto bastante necessários para clubes da nossa estatura. Sacrifica-se algum capital a longo prazo para obter jogadores acima da média que por sua vez permitem obter rendimento, tanto desportivo como financeiro. Quase tudo vantagens. Permitem-nos competir com os tubarões de ligas maiores, desde que usados com competência e rigor. Algo que tem falhado recentemente.

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  3. A meu ver, os fundos são negócios como outros quaisquers de investimento. Quando se fala que o FCP perdeu dinheiro com o fundo X ou Y é mentira. O FCP realiza uma alienação de certa percentagem do passe à procura de dinheiro fresco e normalmente o valor pago por essa percentagem é o valor que o jogador vale naquele momento em concreto, pelo menos calculo que o valor seja acordado entre as partes, pois seria impossivel realizar um negócio de compra e venda em que o valor do negócio fosse decretado de forma imperativa por uma das partes, uma vez que a segunda parte poderia sempre rejeitar, certo? Principio basico dos contratos. É necessario vontade de ambas as partes.
    Com isto quero dizer que o que os fundos fazem é comprar percentagens dos jogadores ao preço que eles custam no momento, depois quando os jogadores se valorizam vendem por o dobro, triplo ou mais. Qual é a dúvida ou grande questão aqui?

    Isto é simplesmente uma forma de investimento, que pode dar ou não lucro. Claro que agora já fazem mecanismos de defesa de investimento que não se faziam no inicio, como por exemplo, colocar uma clausula contratual de retorno obrigatório, ou seja, se o jogador por algum motivo não for vendido ou se o valor a que o fundo tiver direito for inferior ao que pagou ao clube, o investidor tem sempre direito a retorno do valor investido. Isto porque sem clausula a salvaguardar essa situação, se um fundo comprar 50% do passe do jogador A, se o jogador sair a custo 0, o fundo receberia 50% de 0, que é isso mesmo, 0 euros.

    Tudo isto não é nada mais nem menos do que uma forma fácil e simples de financiamento imediato dos clubes, fugindo assim aos bancos, aonde muitas vezes nem conseguiriam obter esses apoios.

    Quanto ao facto dos clubes comprarem jogadores com ajuda dos fundos.. Acho que também é normal, compram o jogador em compropriedade, valorizam o jogador e recebem o dinheiro. Tem beneficios ao trazer jogadores de que outra forma não teriam capacidade para trazer e tem sempre direito a mais valias futuras na proporção do que pagou na sua aquisição.

    Se um fundo ajudar o FCP a contratar um jogador por 10 milhoes, sendo que cada uma das partes fica com 50%, é errado o valor a receber numa futura venda ser dividido em 50% pelos 2? Parece-me lógico e um negócio normal. Depois poderemos é discutir do ponto de vista ético, mas isso já são contas de outro rosário.

    Joel

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  4. A análise de caso-estudos, para evitar erros de análise, deve sempre considerar os resultados das acções empreendidas mas também as restrições que se aplicavam na altura da tomada de decisão. Acho que a 2 parte não está devidamente fundamentada.

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    1. «Parte I». É um trabalho exaustivo e que implica a leitura e análise de diversos Relatórios e Contas, por isso será extenso.

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  5. De repente, pessoas que provavelmente nunca comentaram no blog, saem logo em defesa a esta política que lesa o clube. Porque será?? ;)

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    1. Porque é um espaço novo e democrático, talvez.

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    2. Caro anónimo, sou uma dessas pessoas que te referiste. Acho que este sistema de fundos é uma mais valia para os clubes, mas não o defendo com unhas e dentes. Como tudo na vida há um lado bom e um lado mau, confio nos nossos dirigentes para se abstrairem do mal. São negócios que para mim são lógicos, traduzem-se nos interesses das mais valias, porém, devem é ser melhor regulamentados para se tornarem mais transparentes.

      Respondendo à tua questão em concreto, só agora é que te tive conhecimento da existencia deste espaço, sendo que deixo desde já os meus parabens a quem trabalha nele e o torna num espaço interessante e bastante diferenferenciado dos outros. Parabens pelo optimo trabalho.

      Joel

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  6. Vai haver reacção ao fecho da época na SAD? É 30 de junho, que implicações isto vai ter no mercado? Pode isto significar que Mangala ou Jackson ficam?

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