Pages

sexta-feira, 27 de março de 2015

Profissão: intermediário de jogadores

És menor de idade? Não tens formação ou qualificação em nenhuma área? Já tens cadastro criminal? Nada temas, rapaz. O dia 1 de Abril de 2015 será um bom dia para ti, pois é o dia em que nada disto te impedirá de passares a ter uma profissão que te dá milhares de euros num curto de espaço de tempo, com pouco ou nenhum trabalho: intermediário de jogadores.

Um presentinho
Vai abrir-se uma nova era: acabaram os agentes de jogadores. A partir de 1 de Abril, a FIFA passa a reconhecer nos estatutos os «intermediários de jogadores». Quer isto dizer que a partir de agora qualquer pessoa pode participar em transferências de jogadores. Não é preciso licença, exame, garantia bancária ou registo criminal. Nada. Basta aparecer no dia em que o contrato do jogador é assinado, depositá-lo na Federação com a assinatura do representante intermediário, e está feito. Não precisamos de voltar a ver o jogador na vida - e nem é preciso tê-lo visto antes.

Em Portugal, oficialmente há cerca de 70 empresários de jogadores. Têm licença, fizeram exames, têm carteiras de jogadores. Mas a FIFA notou que havia um grande problema: grande parte das pessoas que participavam nas transferências de jogadores eram sujeitos «comuns», sem licenças. Segundo a Associação Europeia de Clubes, no espaço de 4 anos só 5,5% de agentes licenciados participaram em transferências em clubes europeus. A uma escala global, cerca de 25 a 30%. Por isso é que se consultarem esta lista, que é a lista oficial dos empresários licenciados na FPF, vão notar que falta aqui muita gente de quem certamente já ouviram falar.

Então a FIFA entendeu que o sistema de licenciamento de empresários não funcionava. Então em vez reformar ou mudar de sistema... acabou com o licenciamento. A partir de 1 de Abril, deixa de haver empresários licenciados. Qualquer pessoa pode participar numa intermediação de uma transferência. A FIFA reconhecia cerca de 6000 empresários licenciados. Agora estes números multiplicam-se incalculavelmente.

Fácil, barato, dá milhões
Porque é que isto é grave? Por mais sanguessugas ou mal-intencionados que alguns empresários possam ser, muitos deles acompanhavam a carreira de jogadores desde pequenos. Os empresários (alguns) são mais do que homens de negócios, são também olheiros, tutores e conselheiros. Muitos deles acompanham miúdos que «tiram» de famílias humildes até chegarem a grandes carreiras. A partir de agora, não é necessário fazer acompanhamento nenhum (já não o era, mas agora este fenómeno tem tudo para se propagar), nem ter carteira de jogadores, nem sequer conhecer o jogador. Basta aparecer, rubricar e receber o cheque. Vai haver cada vez mais gente simplesmente interessada em receber a sua comissão do que em acompanhar o crescimento do jogador.

Esta é a parte (muito) má. Há outra que tem tudo para ser uma (muito) boa notícia para os clubes: os novos limites aplicados às intermediações/comissões. O Regulamento de Intermediários de Jogadores que entra em vigor diz que qualquer pessoa singular ou colectiva (também esta uma nova alteração) só pode receber 3% do valor da transferência numa comissão ou 3% do valor total dos salários brutos que o jogador tenha a receber. E uma notícia ainda melhor: os intermediários não podem receber dinheiro com contratos com menores de idade (vai estar tudo a bombar com Europe no MP3 até chegar ao 18º aniversário. It's the final countdown, turururu).

A percentagem que pode mudar
tudo para melhor
São excelentes notícias, mas infelizmente a FIFA não dá cerejas vermelhinhas sem caroços podres. A FIFA abriu as portas do negócio do futebol a qualquer sujeito, dos mais variados (des)interesses. A boa notícia é que, apesar de qualquer um poder entrar, só tem direito a sair com 3% no bolso. Tendo em conta que as intermediações médias nas Ligas Europeias são de 14,5% (mais conservador do que possa parecer), é uma medida que vai disciplinar os clubes, reduzir os custos forçosamente. Porque aumentar os custos das transferências e os contratos dos jogadores só para a proporção dos 3% subir dava uma trabalheira nada sustentável.

O problema está na ambiguidade dos 3%, pois os regulamentos da FIFA não são esclarecedores e cada Federação terá margem para uma flexibilidade na sua gestão. Por exemplo, na Federação Inglesa já vemos que todos os interessados em ser intermediários vão ter que ter atestados de boa reputação, testes de carácter, documentação completa e vão ter que pagar taxas. Ora e em Portugal? Que esperar da Federação Portuguesa de Futebol, cujo presidente acabou de ser o mais votado para o Comité Executivo da UEFA? Nada. Nem uma palavra. Teve que ir Artur Fernandes, da ANAF, para a RTP para se ouvir alguma coisa.

Há ainda os conflitos de interesse. Aliás, não há. Acumular um cargo com o papel de intermediário que gere um conflito de interesse passa a ser admissível, desde que a terceira parte assim o aceite. Ou seja, os empresários (seja em título ou actividade) podem ter interesses em transferências que envolvam terceiras partes e que os beneficie, a eles ou a outrem, desde que estejam todos de acordo. Luz verde para empresários que colaborem com fundos que têm percentagens de passes de jogadores que representem (aqui o semáforo ainda pode fechar).

Apesar desta ambiguidade nos 3%, para terminar há outra óptima notícia: segundo o regulamento as Federações vão passar a estar obrigadas, anualmente, a publicar o nome de todos os intermediários registados, a que jogadores estiveram associados e as quantias. É um excelente passo para a credibilidade e transparência nas transferências de jogadores à escala mundial. Tão bom que se recomenda uma série de alongamentos. Não vá haver cãibras antes do passo ser dado.

6 comentários:

  1. Há de facto boas noticias, mas realmente não se percebe a razão pela qual não há uma obrigatoriedade de os agentes serem certificados para poderem exercer a atividade de intermediação. Mas da FIFA não se espera muito mais...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A liberalização como oposto do corporativismo é sempre positiva.

      A certificação não é garantia nenhuma.

      Eliminar
  2. Vamos ao que interessa, de que formas a curto prazo é que isto pode afectar o nosso clube?

    ResponderEliminar
  3. Todo o tipo de legislação elaborada para diminuir custos aos clubes serão sempre boas noticias, no entanto estamos a falar da Fifa, uma espécie de Vaticano do futebol mundial, onde existem mais Manzarinos e menos Franciscos. Esperemos para ver. Uma nota, pessoal, sobre Fernando Gomes: vem do basquetebol ( é um pouco mais velho do que eu, foi ainda meu treinador de mini-basquete e não dava oportunidades por igual ), não gostava de futebol, Pinto da Costa deu-lhe a mão ao integrá-lo na sua equipa como diretor financeiro, saiu, ao que se diz, porque não concordou com a contratação de Rubén Micael, candidatou-se e tornou-se, depois, presidente da FPF, com o apoio explícito de um clube contra o qual lutou no processo Apito Dourado e, agora, aparece como membro da Uefa, tendo sido eleito para tal, depois de, no centenário da Federação a que presidia, não ter mexido uma palha no sentido de reconhecer os méritos, postos ao serviço do Futebol Português ao longo de mais de 30 anos, de quem o ajudou a alcançar o poder no Futebol. Para mim este homem vendeu-se por 30 moedas aos poderes da Capital, tornou-se num sabujo de Platini - que ele combateu - e a sua ambição nada trará de positivo a Portugal. Mais um provinciano.

    ResponderEliminar
  4. Obrigado pela análise. Acredito que estas alterações, na maioria das vezes, serão muito vantajosas para o nosso Porto. Ainda que hão-de haver atalhos dos "lesados"...

    Outra coisa: podia o TdD fazer uma reflexão sobre os novos montantes a ser distribuídos pela UEFA aos clubes e as alterações feitas? Pareceu-me muito boa (para o nosso mercado) a notícia de que a percentagem de verba do market pool passará a ser de 40% do bolo, ao invés dos anteriores 60%. Parece-me uma amabilidade do mal-amado Platini para com países de menor expressão populacional :-)

    ResponderEliminar
  5. Fica a pergunta, mas que raio todos nós queremos um amanhã melhor no nosso trabalho e na nossa vida e portanto eu apenas pergunto que importa o nosso clube o importante é seguir um novo rumo e acabar de uma vez por todas com os protegidos ou queremos continuar a fazer listas VIP?

    ResponderEliminar

De e para portistas, O Tribunal do Dragão é um espaço de opinião, defesa, crítica e análise ao FC Porto.