Perder depois de chegar ao intervalo a vencer por 2x0 é atípico. Há poucas coisas mais invulgares do que um desfecho destes na história do FC Porto. Tanto que, até à noite de sábado, só tinha acontecido duas vezes na I Liga: uma em 1943, contra o Fabril Barreiro, e a outra em 1970, contra a Académica. A juntar a estes dois casos, houve o desaire europeu contra o Artmedia, em 2005. De resto, nunca o FC Porto tinha acabado batido após ir para o intervalo a vencer por 2x0.
Este resultado, por si só, já era uma raridade, mas as circunstâncias que antecederam os golos do Vitória de Guimarães tornam-lo ainda mais incomum. Uma entrada absolutamente desmiolada de Sérgio Oliveira na grande área, Maxi Pereira a não ter pernas para fechar o corredor no 2x2 (num lance em que o FC Porto tem 8 jogadores na grande área no momento do remate de Tozé), e um lance que começa num lançamento de linha lateral e no qual voltam a ser suficientes dois jogadores do Vitória para fazer frente a uma grande área povoada pelo FC Porto. Os sucessivos desperdícios em tempo de compensação acabaram por confirmar o que se testemunhava: era uma noite atípica a todos os níveis.
Brahimi e mais 10... com poucas ideias sem o argelino |
Mas o problema não é apenas este jogo. Estamos à 3ª jornada, a um ponto da liderança. Sporting e Benfica vão perder mais pontos, o próprio FC Porto vai perder mais pontos. O drama não está aqui. Está naquilo que já todos (???) estão fartinhos de saber desde a temporada passada: que este plantel é curto e que lhe faltam soluções de maior qualidade. E isso não iliba o facto de o modelo de jogo do FC Porto estar distante daquilo que entendemos ser um futebol de qualidade e que a equipa tão bem chegou a mostrar na jornada inaugural da Liga.
«Pois, já diziam isso na época passada, que o plantel não chegava, e fomos campeões!». Este argumento não faltará ao longo da época. E podem usá-lo até maio, estejam à vontade. É verdade que o FC Porto chegou ao título, com um plantel ao qual eram reconhecidas várias limitações. Mas não nos podemos esquecer que o primeiro a acreditar na época passada - Sérgio Conceição - foi o primeiro a desacreditar após um simples jogo de pré-época com o Portimonense e a reivindicar a necessidade de reforços. É o próprio milagreiro que não quer estar sujeito a um segundo milagre.
O FC Porto teve um ataque bastante produtivo na época passada. E não é justo dizê-lo que tenha deixado de ter, pois a verdade é que fez 10 golos em 3 jornadas - desde 1975 que não arrancava com uma dezena de golos. Mas também sofreu 5 em 3, algo que não sucedia desde 1969. Isto é muito mais do que uma questão golos marcados vs. sofridos. Tem a ver com a qualidade de jogo e com as próprias soluções do plantel.
Muita luta, poucas pernas |
Começando com a defesa, é lógico que vai ser uma época difícil. O FC Porto perdeu o seu melhor central e o lateral-direito, e Maxi Pereira passou da saída à permanência por culpa da transferência de Diogo Dalot. O uruguaio luta muito, apoia bem o ataque e até começou a época com um par de boas exibições, mas aos 60 minutos da 3ª jornada já não conseguia correr. Já não é uma questão de saber se Maxi Pereira aguenta uma época: é saber se aguenta um jogo completo no qual vai ter que correr para defender e não apenas subir para combinar com o extremo no ataque. Maxi é inteligente no relvado, posiciona-se bem, mas quando tem que correr para trás os 34 anos já pesam. E estamos, neste momento, a falar de Chaves, Belenenses ou Vitória. Não estamos a falar de clássicos ou de Champions, com dois jogos por semana.
Diogo Leite, jovem promissor, entrou na equipa e fê-lo bem. Mas não é por acaso que estamos a falar de um jogador de 19 anos que está a cumprir a primeira época de sénior. O que faz um miúdo dessa idade? Comete erros. De posicionamento, de marcação, de antecipação. Há 30 anos que o FC Porto não tinha um central tão jovem na equipa - o último tinha sido Fernando Couto. E para quem não estiver recordado, Fernando Couto estreou-se mas foi logo depois emprestado por duas vezes. Só depois voltou para se afirmar.
Diogo Leite foi lançado às feras (ou não, pois ainda não chegámos aos clássicos e à Champions) e ganhou o lugar com mérito. Mas tudo isto começa na lentidão da SAD em assegurar atempadamente e prontamente o sucessor para o eixo da defesa. Já sabiam que Marcano iria sair e que Diego Reyes não ficava. Isto era uma situação que poderia, deveria estar a ser preparada há meses. As negociações por Mbemba (cujo perfil faz lembrar Bruno Martins Indi) demoraram bem mais de um mês, e quando chegou, aí sim, houve o azar inesperado de o central congolês se ter lesionado. Isso pode acontecer, foi um azar. Mas que teve que fazer Sérgio Conceição desde então? Preparar o miúdo para o 11. Foi isso que fez, e manteve logicamente a sua aposta.
«Poderia ter jogado o Chidozie», dirão. Aqui entramos no campo da opinião, logicamente, mas Chidozie esteve emprestado ao Nantes, equipa onde o melhor central era Diego Carlos, brasileiro que no FC Porto revelou pouco mais do que qualidades medianas. E aqui temos um possível exemplo da saúde financeira que a SAD portista respira neste momento:
Recorte do jornal O Jogo |
Um clube que rejeita 13 milhões de euros por Chidozie é um clube sem urgência em vendas e sem dificuldades financeiras. Só pode, embora esta proposta deva ter estado na mesma mesa onde o West Ham colocou 40 milhões de euros por Marega, com mandatários de Emerald City, Tardis e Valhalla.
Entretanto chegou o também jovem Éder Militão, proveniente do São Paulo, que apesar de rotulado de polivalente vem como opção para o eixo da defesa. E qualquer jovem brasileiro que chega à Europa precisa de tempo até entrar na equipa, muitas vezes só se conseguindo afirmar a partir da segunda época. Basta recordar os casos recentes de Fernando, Danilo ou Alex Sandro. Ainda assim, nota também para o facto de Éder Militão implicar um investimento de cerca de 7 milhões de euros - grande parte para empresários -, apesar de só ter contrato com o São Paulo até 11 de janeiro de 2019. Com tanto dinheiro investido para «antecipar» a transferência alguns meses, só podemos esperar que Éder Militão possa emergir como opção mais depressa do que o previsto, até porque não havia assim tanta concorrência pelo jogador, pelo menos ao nível da imprensa brasileira (que chegou a sugerir que o PSG poderia comprá-lo para emprestá-lo de imediato ao... Vitória de Guimarães).
Falando ainda do setor defensivo, a iminente chegada de Zakarya, do Belenenses, ao FC Porto sugere meramente uma coisa: desnorte completo na construção do plantel. O lateral-esquerdo, que cumpre 30 anos em janeiro, jogou sempre em clubes medianos ao longo da sua carreira e estava no Sochaux, da II Liga francesa. Assinou pelo Belenenses em julho e, segundo o jornal O Jogo, convenceu o FC Porto a avançar para a sua contratação depois do jogo no Jamor.
Portanto. Temos um lateral de 29 anos que estava livre, em julho, e que não seria nem primeira, nem segunda, nem terceira opção para as laterais do FC Porto. E de repente, por causa de um jogo, passa a ser prioridade e alternativa a Alex Telles, um dos jogadores mais importantes na manobra coletiva do FC Porto. Alguém acredita que no relatório de pré-época de Sérgio Conceição, que identificava seis pontos a reforçar no plantel, o nome de Zakarya aparecia por lá?
Tivemos meses e meses para preparar a época. Uma pré-época inteira. Temos um enorme departamento de scouting e prospeção, camadas jovens, equipa B. E no meio de tudo isto, porque fez um bom jogo contra o FC Porto, de repente Zakarya passa a ser a solução. Rúben Lima deve estar a lamentar que o jogo do Moreirense com o FC Porto não seja disputado antes de sexta-feira, caso contrário ainda se habilitava a uma transferência.
Não é um problema com Zakarya, o jogador: é um problema com o modelo, com a preparação da época, e com uma gestão que nos faz lembrar os tempos em que se descobriam laterais-esquerdos do calibre de Ezequias, Lucas Mareque, Nelson Benítez ou Lino. Todos eles com motivações muito semelhantes. E todos eles campeões pelo FC Porto, mesmo pouco ou nada jogando. Tomara que com Zakarya também seja assim.
Não há moral/justificação para alegar contingências financeiras (que, diga-se, a SAD nunca assumiu publicamente na construção ou preparação desta época - o máximo que tivemos foi a história da carochinha de que é possível gastar tanto quanto o FC Porto encaixar em transferências) quando já se celebraram os magníficos negócios da compra e consequente dispensa de Janko ou Ewerton. Seria interessantíssimo ouvir a explicação do FC Porto para a motivação por trás destes negócios. E perceber em que universo é que constrangimentos financeiros podem coexistir com negócios com notáveis empresários e homens do futebol como Alexandre Pinto da Costa, Teodoro Fonseca ou Luciano D'Onofrio.
Do meio-campo para a frente, praticamente não houve alterações no plantel. Jogadores como Bruno Costa, Hernâni ou Adrián só estão no grupo de trabalho por não haver mais ninguém, e os dois últimos porque não têm propostas de compra no mercado. André Pereira acaba por ser um caso também muito ilustrativo: está a jogar porque não há mais soluções. Está certamente a trabalhar para isso, esteve nos dois golos frente ao Vitória de Guimarães (um deles irregular, é certo, mas já houve precedentes de falhas no VAR, nomeadamente num Aves x Benfica), mas certamente que Sérgio Conceição gostaria de ter outras soluções para o seu 4x4x2.
4x4x2 ou 4x3x3? |
Embora, aqui, Sérgio Conceição também tenha que dar o braço a torcer e perceber que tem que haver um limite. Porque não dar uma oportunidade ao 4x3x3? Que mais tem Óliver Torres que fazer para entrar no 11? Quantos créditos tem Sérgio Oliveira para se aguentar no 11? Há assim tão pouca confiança em limitar o eixo do ataque a Aboubakar ou outro ponta-de-lança?
Mas aqui entramos naquilo que é a relação direta entre Sérgio Conceição e a administração. Quando renovou, Sérgio Conceição deixou claro que ia trabalhar a época em 4x4x2? A SAD garantiu que iria ter opções para isso? Uma coisa é a flexibilidade do treinador, que terá sempre que ter, por mais fiel que queira ser às suas ideias. Outra é o próprio investimento da SAD no treinador.
Como tantas vezes foi comentado, o FC Porto da época passada nem sempre se distinguiu por ser uma equipa que jogava um grande futebol. Era uma equipa de guerreiros, lutadores, que teve sem dúvida semanas de bom futebol ao longo da época, mas muitas vezes esteve limitada a duas coisas: bolas diretas na frente, à procura da profundidade dos avançados, e as bolas paradas. Isto além do principal fator de desequilíbrio neste arranque de época: Brahimi, sempre ele. E reparem que não estamos há dois ou três meses a suspirar por uma solução match-winner para as alas, mas sim até antes da chegada de Sérgio Conceição. Mantêm-se Hernâni, pouco mais do que para fazer número, e esperanças de um ano de afirmação para Corona ou Otávio. Muito curto.
Quanto vale Marega? |
E Marega? É de facto um dos mistérios deste defeso. Primeiro, há que separar aquilo que é a especulação típica de pré-época na imprensa, sobretudo quando envolve clubes ingleses, e aquilo que chegou realmente à mesa da SAD. Pinto da Costa diz que nunca teve uma proposta concreta e voltou à conversa para boi dormir da cláusula - estamos em 2018, o FC Porto nunca vendeu um jogador pela cláusula de rescisão (não esquecer, para uma cláusula ser ativada, tem que ser uma das partes, entre clube e jogador, a invocar esse direito - tal como o fez André Villas-Boas, por exemplo), e de certeza que Marega não seria o primeiro.
Não é do domínio público quanto foi ao certo a eventual proposta do West Ham, mas que era intenção de Sérgio Conceição manter Marega. Mas porquê? Por considerar que o maliano era assim tão fulcral na equipa? Ou porque não tinha garantia nenhuma de que, caso Marega saísse, não viria ninguém melhor? Tudo o que fosse acima de 20 milhões de euros - assumindo que alguém chegaria a esses valores - por Marega seria uma das melhores vendas da história do FC Porto. A verdade é que Marega é um jogador tão fulcral que esteve encostado 19 dias a treinar sozinho. Não há memória de isto ter acontecido no FC Porto. Jogadores a pedir para sair ou a forçar transferências é ementa diária no futebol, sobretudo em clubes vendedores como os portugueses. Sérgio Conceição tem que ter tido motivos muitos fortes para encostar Marega desta forma, embora as suas passagens por Marítimo e Guimarães já tenham revelado histórias de mau profissionalismo.
Marega acabou por ser reintegrado, restando saber agora se vai renovar ou não (antes de ser afastado do grupo, tinha a proposta de renovação nas mãos) e que jogador será em 2018-19. Porque na época passada, Marega era o ex-dispensado. Cada golo que marcava surpreendia, era colocá-lo acima das expetativas. Foi um jogador a garantir duas dezenas de golos em contexto de I Liga. Mas entre um ex-dispensado que só fica no plantel por não haver mais ninguém e um jogador pelo qual se rejeita a saída por números alegadamente muito mais do que generosos... Há uma enorme diferença.
Quando o FC Porto assume todas as recusas por Marega, só pode esperar que o seu rendimento seja muito superior esta época. Na temporada passada, apesar de sofrível nos clássicos e na Champions, conseguiu garantir a média de um golo por jornada na Liga - falhava mais do que acertava, mas entre os pontas-de-lança do plantel também ninguém acertava mais do que ele. Ou esperamos um Marega a elevar a fasquia esta época, ou passámos ao lado da possibilidade de um grande negócio. Certo é que não podemos contar com mais uma época a tentar ganhar jogos com bolas que dependem da dimensão física de Marega.
Sérgio Conceição fez milagres na época passada. Não lhe peçam a mesma receita. O treinador não teve sucesso nem ficou por ser um treinador muito evoluído taticamente, pois não foi essa a força do FC Porto na época passada. Foi a união, a superação, o pragmatismo e a sempre essencial sorte (outra vez, bastava não haver o pontapé do Herrera na Luz e poderia ser mais um ano a seco - ou bastava que tivessem validado o golo limpo a Herrera no jogo do Dragão, e aí talvez já não fosse necessário vencer na Luz).
E conforme foi comentado no post da vitória sobre o Belenenses: sempre que o FC Porto vencer, os adeptos vão ver um plantel bem aproveitado; quando os maus resultados aparecerem, afinal é um plantel curto e ao qual falta qualidade. Neste momento, este plantel não foi reforçado, no sentido em que não está mais forte. Sejamos francos, antes dos resultados, pois totobola à segunda-feira nunca deu nada a ninguém: este plantel é curto para uma equipa que ambiciona o bicampeonato e que tem que lutar por um lugar nos 1/8 da Liga dos Campeões. Na pré-época, Sérgio Conceição falou em «meia dúzia de jogadores sem capacidade» para jogar no FC Porto. Neste momento, numa altura em que Danilo e Soares ainda recuperam de lesões, o que apetece mesmo dizer é que falta mais meia dúzia de jogadores com capacidade para jogar no FC Porto. Porque em algo teremos que concordar: seja em 4x3x3 ou 4x4x2, o treinador campeão merece e precisa de melhores soluções.