terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Verdade em nome próprio


No futebol como na política, as campanhas de desinformação e mentira que visam alterar sentidos de voto são um fenómeno habitual e cada vez mais amplificado pelas redes sociais. A corrida à presidência do FC Porto não é exceção. 

As caixas de ressonância que tentam descredibilizar a importante e pertinente candidatura de Villas-Boas têm feito uma grande aposta nesse sentido, basicamente confiando em duas narrativas: é o "candidato da imprensa de Lisboa" e "quer vender o clube aos árabes".

São duas coisas tão fáceis de desmontar que custa a crer que alguém, de facto, acredite nisto. Mas lá está: quem propaga estas mensagens também não acredita nisto, porque sabe que é mentira; mas querem que acreditem, na tentativa de inibir os sócios do FC Porto que torcem por uma mudança a confiarem o seu voto a Villas-Boas. 

Vamos por partes. É ou não verdade que Pinto da Costa é atacado pela "imprensa de Lisboa" há 40 anos? Pois claro. Porquê? Porque é o presidente do FC Porto. Quem lhe suceder será o novo alvo. Só os portistas querem um FC Porto ganhador. Não há nenhuma campanha pró-AVB nesses órgãos. Há o que sempre houve: ataques ao FC Porto. E quem lá está, neste momento, é Pinto da Costa. Villas-Boas será tanto ou mais atacado como presidente como o foi como treinador. 

Além disso, nenhum jornal, nem nenhum comentador da CMTV não afeto ao FC Porto vai votar nas eleições. Só votam os sócios do FC Porto (bom, assim o esperemos, visto que a Assembleia Geral também era suposto ser apenas para sócios). A imprensa de Lisboa é, simplesmente, um fait diver, porque não pode ter interferência direta nas urnas. Pode alimentar conversas de café e entreter serões, mas o seu "papel" acaba aí. 

Outra bandeira de contestação dos apoiantes de Pinto da Costa é que Villas-Boas "vai vender o clube aos árabes". É algo desmentido desde a apresentação da candidatura de AVB, mas alguns tentarão ir até aos confins do oceano para que acreditem nisso.

"Porque não um o FC Porto como motor da defesa do associativismo que tanto nos orgulha!? Porque não um FC Porto fundador da Associação Europeia de Clubes de Associados, juntamente com Barcelona, Real Madrid ou Athletic Bilbau?", disse AVB, na apresentação do seu projeto. Associativismo: uma das bases da sua candidatura.

Mas não chega, e o próprio Pinto da Costa insistiu nessa narrativa. Villas-Boas, e bem, desarmou a estratégia da atual administração: enquanto eles próprios venderam uma parte do FC Porto, através da criação de uma empresa para a exploração comercial do Estádio do Dragão, tentam distrair os associados com a mentira de que Villas-Boas é que prepara a venda da SAD. Não: a administração atual é que está a vender uma fatia do FC Porto para corrigir o aspeto da caótica gestão financeira da última década. Sim, o aspeto. 

"Há candidatos que pensam que vou vender o FC Porto a árabes e príncipes. Era o que mais faltava, não passa de uma rábula que alguns candidatos querem inventar. Quem vende neste momento parte do coração do clube é a atual administração do FC Porto. Não temos nenhuma intenção de vender o FC Porto", clarificou Villas-Boas, na visita à Casa de Ponte da Barca. 

Desde a primeira hora, AVB tem sido irrepreensível e claro na apresentação da sua candidatura. Abriu a sede de campanha, recebeu centenas de sócios e esteve disponível para questões como estas. A verdade está aos olhos e ouvidos de todos. 

Portistas: informem-se e votem. Não com base em narrativas fictícias, mas como base na verdade. E a verdade é como o FC Porto: só há uma, como só há um Porto. 

Para comentários diários, sigam O Tribunal do Dragão no X:

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Jorge Costa, o Bicho e o Macaco


Numa altura em que muito há para discutir sobre o FC Porto, não haverá melhor altura para recordar esta efeméride. Faz, esta semana, 21 anos. No Restelo morava a besta negra do passado recente do FC Porto. As equipas do tetra e do penta não lá tinham conseguido marcar nem um golo, nem com Jardel, e ainda estava fresca na memória a derrota por 3x0 que, na altura, semeava dúvidas sobre a capacidade de José Mourinho em treinar os dragões.

A época 2002/03 até corria de feição. O FC Porto tinha acabado de vencer em Alvalade na jornada anterior e já poucas dúvidas havia sobre a conquista do Campeonato.  Mas o Restelo reavivou os fantasmas. 

Ao intervalo, o FC Porto perdia por 1x0. Não que o Belenenses estivesse a fazer um grande jogo (o golo nasce de um desentendimento entre Baía e Pedro Emanuel), mas notava-se displicência e desinteresse na equipa portista, que já tinha dado ares de facilitismo poucos dias antes, numa vitória tangencial sobre o Gil Vicente para a Taça de Portugal. 

No Restelo, o árbitro apita para o intervalo e, para ajudar à festa, os jogadores de FC Porto e Belenenses "pegam-se" no caminho para os balneários, com o próprio Mourinho a ter que ir separar os atletas. Furioso, o técnico preparava-se para uma palestra que não seria prazerosa para os ouvidos. Aí emerge o capitão, Jorge Costa.

À entrada para o balneário, o Bicho colocou a mão no peito do treinador e pediu dois minutos a sós com os seus jogadores. José Mourinho não hesitou e deixou Jorge Costa fazer «o trabalho sujo».


Rezam as crónicas que, na sua curta palestra, Jorge Costa ameaçou terminar a sua carreira naquele dia. Não poupou ninguém: Deco, Derlei, Capucho, Postiga, todos foram chamados à razão pelo capitão do FC Porto. As palavras «vergonha» e «respeito» foram repetidas desafiando qualquer recorde de decibéis. O mais notável: ninguém contestou a palavra do capitão. Nem Mourinho, que lhe deu carta branca, nem os jogadores. Todos sabiam que havia razão em cada palavra de Jorge Costa, que não só conhecia o seu grupo como se metia na linha da frente por cada um daqueles jogadores.

O que aconteceu na segunda parte foi, simplesmente, a antecâmara do que o FC Porto viria a fazer mais tarde na receção à Lazio nas Antas. Foram 45 minutos absolutamente asfixiantes. O Belenenses não conseguia avançar 5 metros com bola sem que 2 ou 3 jogadores lhe caísse em cima. Ou batiam longo, ou perdiam a bola. O FC Porto venceu por 3x1 (Mourinho cometeu uma pequena gralha, ao referir-se ao resultado como sendo 3x2), poderia ter goleado, mas o que mais marcou o jogo foi quem assinou a reviravolta: Jorge Costa.

Sete minutos após o intervalo o FC Porto já vencia por 2x1, com dois golos de Jorge Costa. Já era um central com golo (de recordar que fez 6 golos em clássicos contra Benfica e Sporting, notável para um central), mas foi o primeiro e único bis da sua carreira: primeiro num golpe de cabeça, depois numa jogada em que recuperou a bola no meio-campo, galgou metros com ela e finalizou uma jogada de insistência. 

Mas mais importante: Jorge Costa não cobrava aos seus jogadores mais do que a ele próprio, e materializava isso com dois golos. O capitão, com o raspanete que passou ao intervalo, não mandou os jogadores para o campo de batalha; mostrou-lhes o caminho, liderou-os nessa luta. Daí ao título, a Sevilha e à dobradinha foi um salto. 

Jorge Costa não recebe lições de portismo de ninguém: Jorge Costa é portismo. Nos maus momentos, nos bons momentos, na glória, na derrota. Tocou no céu, levantando 3 troféus internacionais, depois de ele próprio ter ido ao extremo oposto com a triste história da braçadeira atirada ao chão. Pagou por isso, aprendeu com isso. 

Quando Jorge Costa regressa do empréstimo ao Charlton, houve desde logo a incógnita sobre quem seria o capitão. José Mourinho, adepto do sistema de votação, aproveitou a primeira reunião entre jogadores no estágio de pré-época para convidá-los a escolher, sem surpresa, entre Vítor Baía e Jorge Costa. Vítor Baía nem deixou a votação começar: tomou a palavra e disse desde logo que, por ele, Jorge Costa era o capitão dentro de campo. Mais, era o seu capitão. Ninguém precisou de votar: Jorge Costa era o capitão, sempre apoiado por Vítor Baía, que basicamente dividia as responsabilidades com o camisola 2 fora de campo.

Quando Jorge Costa começou a usar a camisola 2, era a camisola do João Pinto. Quando o Bicho termina a carreira, já não era apenas a camisola do João Pinto. Era também a camisola do Jorge Costa. Jorge Costa honrava os pergaminhos de João Pinto, como este honrou aqueles que herdara de Virgílio. São jogadores à Porto. Bravura, honra, dedicação, inspiração - não precisam de estar inspirados, mas conseguem inspirar os colegas. Jogadores à Porto, capitães à Porto. 

Jorge Costa nunca quis sair do FC Porto. Podia ter feito uma carreira à Fernando Couto, tanto que teve ofertas para sair - tanto para Itália como para o Barcelona -, mas não estava interessado. Saiu quando teve que sair, incompatibilizado com Octávio Machado pelo caso da braçadeira. Voltou quando o clube chamou por ele, numa altura em que podia ter ficado a fazer carreira em Inglaterra. Voltou para fazer história. 

O Bicho deixou o FC Porto há 18 anos, na altura após cair no fundo da hierarquia das opções de Co Adriaanse para o centro da defesa. Mas os portistas não esquecem os seus. E prova disso foi o apoio que os Super Dragões deram ao capitão na hora da saída. «Perdoa-lhes, capitão, eles não SADem o que fazem.» Uma mensagem exibida numa altura em que havia muita crispação à volta do treinador do FC Porto, situação para a qual a rescisão de Jorge Costa não contribuiu.

Jornal Público, 02/02/2006

O respeito em relação ao ex-capitão do FC Porto era tão grande que ajudou a que o próprio Fernando Madureira não hesitasse em assumir que os Super Dragões deixariam de ser «o escudo da SAD». E que bom é ver o líder de uma claque defender assim o seu capitão. Até porque um capitão é sempre um capitão. 

Jornal Público, 02/02/2006

Quando o assunto é mística, Jorge Costa tem lugar à mesa. Quando o assunto é vencer, Jorge Costa tem lugar à mesa. Quando o tema é FC Porto, Jorge Costa tem que ter lugar à mesa. Não sou eu quem o diz: é a história e os respetivos protagonistas do FC Porto. E com razão.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Com bluff e sem bluff

«Esticamos a corda e poderia ter rompido. Isto foi um pouco um jogo de póquer do nosso presidente.» Esta declaração de Fernando Gomes, na apresentação do Relatório e Contas 2022/23, viria a revelar-se particularmente curiosa um mês mais tarde. O responsável pelas finanças da SAD falava do negócio Otávio e citou aquilo que descreveu como uma grande jogada de póquer de Pinto da Costa: «Este foi o risco que a administração, nomeadamente o presidente, correu. Foi o próprio presidente que disse: 'Nós não vamos vender o Otávio até 30 de junho, porque eles estão tão interessados no Otávio que virão buscá-lo mais tarde'».


Portanto, avaliando as palavras de Fernando Gomes, que não teria interesse em atribuir falsas declarações ao seu/nosso presidente, o FC Porto assumiu que iria vender Otávio, mas só depois de 30 junho, para não só ganhar mais com a transferência como para integrar essa venda no R&C de 2023/24, mais vantajosa para o fair-play financeiro. Tudo ok. Uma direção capaz de se mexer no mercado e surpreender na procura do melhor negócio possível é o que tudo queremos. 

Até que Pinto da Costa falou no Thinking Football Summit e explicou que rejeitou sempre as ofertas por Otávio. «Não aceitei, depois, a oferta dos 60M, mas num dia em que o nosso treinador não estava, por estar a ser operado, o Otávio veio ter comigo a chorar, a dizer que eu não lhe podia prejudicar a vida.» Portanto, segundo Fernando Gomes, a estratégia de Pinto da Costa era vender Otávio depois de 30 de junho; mas segundo Pinto da Costa, vender nunca foi opção e só aceitou a saída perante o pedido e as lágrimas do jogador.

Desengane-se quem pense que está aqui uma crítica. Pelo contrário, e basta voltar à primeira citação: estamos a falar de póquer. Bluff, estratégia, estar um passo à frente dos demais. Fernando Gomes deixou isso claro e, sendo ele o homem de confiança do presidente para as finanças da SAD há quase 10 anos, começamos finalmente a perceber melhor toda a estratégia do administrador. Lembrem-se: é póquer.

Quando Fernando Gomes assumiu a pasta das finanças, e não sendo justo avaliá-lo pelos resultados da época 2013/14 (substituiu Angelino Ferreira em fevereiro), ao fim de uma época o cenário era este: passivo de 276 milhões, ativo de 359 milhões e capitais próprios bastante positivos: 83 milhões. Tal se deveu à operação EuroAntas, que significou uma injeção de 110 milhões nos capitais próprios da SAD. «Hoje temos uma empresa sólida que é respeitada nos mercados internacionais», celebrou Fernando Gomes.

Pouco depois, contrato com a Altice. Entre os milhões que se perderam entre o pinhal e a árvore genealógica, foi um contrato que teve tudo para melhorar as finanças da SAD, com um bolo de 457 milhões que tinha tudo para aumentar a capacidade de investimento, reduzir a necessidade de vendas e reduzir a dependência de crédito. «A partir de agora podemos vir a deixar de ter de tomar decisões sob pressão. Permite gerir o clube de outra forma, mais objetiva económica e financeiramente e sem estar tão dependente dos ganhos ocasionais em janeiro e no final da época», dizia Fernando Gomes, numa entrevista publicada no DN no início de 2016. «De resto, a ideia é que este dinheiro não vá para reforços, porque para isso o FC Porto gera recursos suficientes. Iremos baixar custos, pagar dívida e ter uma gestão mais sã.» 

As cartas na mesa e o par nas mãos (leia-se, EuroAntas + Altice) de Fernando Gomes e da SAD abriam excelentes perspetivas para o turn e para o river. Mas tudo veio rapidamente a revelar-se um flop. Ainda nem o ano tinha acabado e veio daí o plano traçado por Fernando Gomes para apertar o cinto. Três anos era o prazo. A SAD não só falhou em toda a linha como rapidamente voltou as capitais próprios negativos: 35 milhões em 2019. Ou seja, a metade do Estádio sacrificada não resolveu problema nenhum: apenas o adiou.

Volvidos mais 4 anos (com pandemia pelo meio, certo, e aperto pelas punições e restrições há muito anunciadas pelo incumprimento do fair-play financeiro), o cenário é aquele que já todos conhecem. Desde que Fernando Gomes foi escolhido para assumir o pelouro das finanças, o passivo do FC Porto essencialmente duplicou: 532 milhões de euros. O ativo mantém-se agora praticamente inalterado, com 357 milhões de euros. Já os capitais próprios são abismais, ultrapassando os 175 milhões de euros. 

Só Pinto da Costa saberá como é possível manter um administrador com tão paupérrimo desempenho no cargo. Os números são claros. Imaginem que um treinador chega ao FC Porto, herda uma equipa campeã e passa ano após ano a ter os piores resultados desportivos da história do clube. Ora, é isso que tem sido feito no pelouro das finanças. Sendo que não é possível ignorar que tudo obedece, ou deve obedecer, a uma hierarquia. Fernando Gomes nunca teve ou terá a palavra na hora de vender ou comprar jogadores. Não pode, sozinho, fazer nada. 

Um presidente só é tão bom quanto os nomes que o rodeiam; o mesmo será dizer, quanto os nomes que escolhe para que o rodeiem. Mas voltamos ao início: estamos a falar de um mestre do póquer. E é nesse sentido que nasceu máxima expetativa em perceber o negócio antecipado por Pinto da Costa na entrevista à SIC e sobre o qual Fernando Gomes concedeu até duas entrevistas. O negócio que vai limpar os 175 milhões de capitais próprios negativos do FC Porto. Não se sabia, ou não se poderia saber, muito do negócio em causa, pois há contratos de confidencialidade (?) a respeitar, mas tanto Pinto da Costa como Fernando Gomes deixaram o universo portista de água na boca.

Foram-se as 12 badaladas, as uvas passas e os adeptos do FC Porto ficaram como estavam antes: na expetativa. Nada foi comunicado. É um facto: o Relatório e Contas do primeiro semestre da SAD só é revelado no final de fevereiro. Só aí haverá a atualização do passivo, do ativo e, consequentemente, dos capitais próprios da SAD. Mas uma operação que visava, de forma histórica e surpreendente, limpar o maior buraco da história das Sociedades Anónimas Desportivas em Portugal é algo que se enquadra na definição pura de «informação relevante» para o mercado, logo que teria que ser comunicada. Tanto é que a CMVM pediu esclarecimentos e o FC Porto remeteu-os para o final de dezembro, da mesma forma que Fernando Gomes prometeu, em outubro, que os sócios seriam informados até ao final do ano da misteriosa e impactante operação de recuperação financeira. 

Com 2024 em curso e sem mais detalhes sobre as cartas que Pinto da Costa terá na mão, resta esperar. Mas há uma certeza que pode tranquilizar os sócios: no final de fevereiro, faça chuva ou faça sol, o FC Porto terá que apresentar as contas do primeiro semestre. Com Otávio, com Champions, com Varela, com Iván Jaime, com tudo aquilo que fecha o último semestre e que foi prometido pela atual administração antes de se submeter a sufrágio. Podemos estar perante os maiores mestres do póquer, mas ninguém vai ter que ir às urnas enganado por um bluff, porque as cartas estarão na mesa. 

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Pepe, o capitão do FC Porto

«Enquanto fomos bons rapazes fomos sempre comidos.» A frase de José Maria Pedroto é intemporal, mas também pode ser adaptada a tempos mais contemporâneos: se formos anjinhos, podemos sempre ser comidos.


Pepe, estandarte máximo da experiência no FC Porto, foi anjinho. Não é o primeiro capitão do FC Porto a ferver num clássico e a chegar à expulsão num momento de irreflexão, nem será o último; mas foi anjinho, deixou-se levar pela provação óbvia do adversário e fez o que não poderia fazer. Expulso, bem expulso, e a prejudicar o FC Porto numa altura em que ainda se tentava perceber se haveria capacidade para esboçar a reação à desvantagem em Alvalade.

E agora? Que dizer de Pepe, capitão do FC Porto e braço direito de Sérgio Conceição em campo?

Nada. Porque já não há nada mais a dizer sobre a carreira de Pepe no FC Porto e na nata do futebol mundial. Pepe é o melhor defesa da história da Federação Portuguesa de Futebol. Esteve nas 2 conquistas mais emblemáticas, foi o melhor jogador da seleção em 3 fases finais de Europeus, mais de 130 internacionalizações e ainda aponta ao Euro 2024; uma década de Real Madrid a esgrimir-se contra um Barça que reclamava o estatuto de melhor equipa da história do futebol, enquanto enriquecia um palmarés com três dezenas de troféus. 

Pepe tem a carreira feita, mais do que feita. Vai ser sempre lembrado como o grande central que atravessou o Atlântico para fazer história no FC Porto, em Portugal e no Real Madrid. Não tem mais nada a provar, nada mais a fazer...

... e no entanto, o que continua a fazer Pepe? A lutar pelo FC Porto. Dia após dia, semana após semana, desafiando os limites cada vez mais reveladores da idade. Bate recordes de longevidade, brilha na Liga dos Campeões, e em vez que estar a gozar uma reforma dourada continua aqui, a lutar pelo FC Porto num dos momentos mais delicados da sua história, rodeado por alguns colegas de setor cujas limitações não deve ter encontrado muitas vezes ao longo da carreira. 

Pepe não precisa do FC Porto; mas o FC Porto precisa, mais do que nunca, de Pepe. Estando bem, não há melhor. O problema é que o resultado de 23 anos de futebol profissional ao mais alto nível tornam a sua condição física numa incógnita semana após semana. Entre a lesão de Marcano e o desencanto com e de David Carmo, o FC Porto tem um problema enorme no eixo defensivo - e não só, visto que estamos perante um dos ataques menos produtivos da história do clube após 14 jornadas na I Liga.
 
É difícil depender tanto de um jogador nas condições de Pepe. Mas é incontornável: sem ele, o FC Porto está sempre mais perto do insucesso. Pepe não se esconde. Luta pelo clube, pelos colegas, pelo treinador. É, simplesmente, o exemplo daquele jogador que adoramos se for nosso e detestamos se for adversário. Não é preciso uma toupeira no balneário leonino para se perceber que os jogadores do Sporting foram instruídos para tal ao intervalo - provocar Pepe. Não foi um acaso que, num lance em que queria simplesmente recolocar a bola em jogo, Pepe viu logo Gyökeres bloquear a linha de passe e Matheus Reis literalmente empurrá-lo para semear a confusão. Foi uma armadilha na qual Pepe, que não era expulso em jogos de um Campeonato nacional há 12 anos (!!), caiu de forma tão surpreendente quanto evitável.

Mas ver um poço de experiência como Pepe cometer este erro é a prova viva para qualquer jogador de que, no futebol, nunca estamos em pleno controlo. Basta um deslize, uma desatenção, um espasmo para que o mais experiente dos jogadores pareça o mais infantil e inexperiente dos atletas. O que mostra que Pepe, como os demais, continua a ter um desafio: continuar a ser melhor, dia após dia. Saber que Pepe não é mais do que Zaidu, Zé Pedro, Diogo Costa ou Taremi: se está com o símbolo do FC Porto em campo, é um alvo a abater. E por ser melhor do que os demais, por carregar anos de conquistas e de provas de superação, torna-se ainda mais apetecível para os adversários. Quem detesta Pepe detesta o FC Porto; quem detesta o FC Porto detesta Pepe. Porquê? Porque ambos partilham a insaciável procura por mais, sempre mais; mais um jogo, mais uma vitória, mais um título. Não apaga nem justifica o erro, mas é por isso que Pepe vai dar a volta por cima. Porque Pepe não é um jogador à Porto. É um capitão à Porto. 

Pepe não se esconde dessa luta e dessa responsabilidade. Deve desculpas aos colegas e aos adeptos, claro. O capitão do FC Porto tem que ser o primeiro no campo de batalha, mas deve ser o último a perder a cabeça em campo. E precisamos de Pepe.

A qualidade de jogo praticada pelo FC Porto desde a pré-época é, possivelmente, a pior da era Sérgio Conceição. Isso não impediu a equipa de desde logo garantir, uma vez mais, a qualificação para os 1/8 da Liga dos Campeões, além de continuar a depender de si própria na luta assumida pela dobradinha. Mas mesmo que o futebol de Benfica e Sporting não deslumbre, o FC Porto deve a si próprio mais. Muito mais. Ou elevamos o nível exibicional, ou na próxima época não haverá Champions para ninguém. Há lacunas no plantel, mas o FC Porto tem plantel para lutar pelos seus objetivos. E capitão também. 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

(Nem) tudo é sobre Pinto da Costa vs. Villas-Boas

Não há um elefante na sala. Há uma manada. Todos os caminhos vão agora dar a Pinto da Costa vs. Villas-Boas. Curioso quando nenhum dos dois é, à data, oficialmente candidato às eleições, embora ambos e respetivas «tropas» já se posicionem nesse sentido. E como os atos eleitorais do FC Porto não são mais do que uma mera formalidade há 40 anos, é algo novo na vida de muitos portistas e vai ser forçosamente o tema dominante nos próximos meses.


Ao contrário do que muitos possam advogar, não há «altura certa» para falar disto. O FC Porto, felizmente e por norma, está sempre a competir por algo até abril. Achar que há tertúlias que têm que ser limitadas ou quase tabu porque a equipa tem que estar «concentrada e unida» é insultar a capacidade de Sérgio Conceição e dos seus atletas em manterem o foco nos objetivos desportivos. Quanto a isso, podemos estar descansados. No balneário só há dragões, não há urnas nem candidatos. Nenhum futebolista fica acordado a ver a CMTV ou a fazer scroll nas redes sociais para perceber qual é a estratégia financeira da SAD e sobre em quem recai o sentido de voto.

É a altura certa para falar disto porque é a altura em que emergem duas coisas que não se viam há 40 anos: a SAD com receio de um candidato e um candidato capaz de aglomerar a contestação crescente face ao desempenho da SAD. Prova disso é que uma simples Assembleia Geral para aprovação das contas 2022/2023, com objetivos e graus de complexidade bem diferentes da AG para alteração dos estatutos do clube, deu mais ares de um Pinto da Costa vs. Villas-Boas do que outra coisa qualquer.

E a afluência é testemunha disso. Foi uma vitória de Pinto da Costa, porque as contas foram aprovadas. Mas foi também uma vitória de Villas-Boas, porque tomou a palavra e mostrou que a sua candidatura não vai recuar apesar das tentativas de intimidação e ataques de que tem sido alvo. Nada diz «estamos em período eleitoral» como ver dois candidatos terem vitórias na mesma noite. 

E sim, os portistas estão investidos neste tema. Basta ver os números ou ler as reações ao último texto d'O Tribunal do Dragão. Houve 819 sócios a votar numa noite de quarta-feira. 53% de aprovação, 187 votos contra e 198 abstenções. Embora as contas tenham sido aprovadas e que a SAD se tenha congratulado com isso, basta ver o passado recente para sentir a contestação crescente: na aprovação das contas de 2021/22, não houve um único voto contra e apenas 5 abstenções; já em 2020/21, houve apenas uma abstenção. Os resultados são diferentes, mas a equipa diretiva é a mesma. 

Há hoje mais adeptos a contestar Pinto da Costa nos palcos de decisão; mas isso não significa que não haja mais gente também a apoiar Pinto da Costa. Até à data, nenhum apoiante de Pinto da Costa sentia que o seu cargo estivesse sob ameaça. Hoje isso é uma realidade. Daí que não haja dúvidas que Pinto da Costa terá, em 2024, muitos mais votos do que os que teve em 2020; se isso significa que terá maior percentagem de votos, só o tempo o dirá.

Os dois tomaram a palavra na AG: AVB para criticar o desempenho da SAD, Pinto da Costa para criticar AVB. Entramos no campo da opinião, claro: Villas-Boas teve uma intervenção pertinente e objetiva. Falou de factos, de números. Não foi para lá falar de ninguém, mas sim das contas da SAD. Nada do que AVB disse é desmentível. Chegando ao final da sua intervenção, patinou: o desafio de AVB à SAD, ao dizer que só aprovaria as contas mediante a devolução dos prémios, soou prontamente a populismo. Villas-Boas tinha acabado de enumerar o descalabro financeiro da SAD e de revelar que chumbaria as contas como forma de protesto; dizer logo a seguir que afinal aprovaria as contas se a SAD renunciasse aos prémios que recebeu mostrou incoerência. As contas só eram passíveis de serem boas ou más mediante a remuneração variável de 1,6 milhões? Não. Eram más, ponto. E seriam más independentemente da SAD receber 10 cêntimos ou 10 milhões pelo seu desempenho. 

Pinto da Costa, no discurso final, visou diretamente Villas-Boas com acusações graves e que implicam esclarecimento. Primeiro, criticou AVB porque «veio para dizer mal». Não, AVB não disse mal: AVB enumerou números e factos. E se isso é dizer mal, é porque as contas são más. Mas a declaração chave foi esta: «Não venha ler papéis com números que lhe põem à frente.» Será que Pinto da Costa pode elucidar o universo portista sobre quem pôs esses números à frente de Villas-Boas? Parece saber coisas que não sabemos, até porque AVB ainda não apresentou nenhuma lista. Mais: levar um papel com números se calhar revela preparação; passar uma entrevista de uma hora a dizer «não sei», «não me recordo» ou «prefiro não responder porque não tenho a certeza dos números» revela outra coisa.

No dia seguinte, Pinto da Costa continuou e recordou as declarações de Villas-Boas, em que afirmava que não concorreria contra o presidente: «Se calhar achou que eu ia morrer mais cedo, mas ainda vai ter de esperar para ir ao meu funeral». Este sim, é o verdadeiro fait-diver. Porque os dois candidatos já disseram algo que agora têm que desmentir. Não vale a pena citar Pimenta Machado. 

Após a saída de Villas-Boas do comando técnico do FC Porto, Pinto da Costa deu uma entrevista ao L'Équipe em que dizia que iria sair da presidência do clube num prazo de 5 anos. Já lá vão 12. Em 2016, conforme citado pelo JN, disse que só se candidatou porque não havia mais ninguém. Quatro anos depois, apareceram Nuno Lobo e José Fernando Rio. Pinto da Costa disse então que afinal só não avançaria se um destes quatro nomes se candidatasse: António Oliveira, Rui Moreira, Vítor Baía ou... Villas-Boas. Pinto da Costa diz que AVB estava talvez a contar com a sua morte, mas também já se percebeu que Pinto da Costa só dizia isso porque não contava que realmente alguém o enfrentasse. 

Vale também sempre a pena recordar as palavras de Pinto da Costa no último dia em que foi às urnas, em 2020: «(AVB) é um sócio com as quotas em dia, não teve de ir a correr pagar cinco anos de atraso como alguns, tem capacidade e se tiver esse desejo e essa motivação, tem todo o direito e seria uma boa opção». Se é uma boa opção, tem que se tratado como tal; feliz do portista que tiver a possibilidade de escolher entre 2 boas opções nas próximas eleições.

Não haverá nada mais pertinente, por isso, do que ter um debate entre Pinto da Costa e André Villas-Boas antes das eleições em abril. Com ou sem papéis, frente a frente, olhos nos olhos um com o outro e sob o olhar dos portistas. De recordar que Pinto da Costa recusou, em 2020, entrar em debates com Lobo e Rio no Porto Canal. Aliás, disse que não recusou, simplesmente «não teve tempo», embora tenha dado 4 entrevistas antes do ato eleitoral - O Jogo, JN, ao Portal dos Dragões e... ao próprio Porto Canal. É por isso melhor começar a pensar em libertar já a agenda. Está só em causa o futuro do FC Porto. E para o FC Porto é sempre preciso tempo.

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Foram só 60 minutos


Pinto da Costa quebrou um silêncio de largos dias e concedeu uma entrevista à SIC. Foi, antes de mais, uma ótima entrevista do presidente do FC Porto. Ótima porque ninguém se aleijou. Ninguém foi parar ao hospital, ninguém morreu. Melhor só mesmo se não houvesse nenhuma câmara a filmar. 

A melhor das notícias acaba por ser o notável avanço na construção da Academia do FC Porto na Maia. É que com a quantidade de areia que Pinto da Costa distribuiu e a forma como parecia estar a falar para uma plateia de tijolos, só podemos concluir que já há material de sobra para iniciar a construção da Academia a todo o vapor.

É triste. Ídolo para uns, herói para outros, lenda para tantos. O Porto e o Mundo aprenderam a admirar Pinto da Costa, dono de uma sagacidade, eloquência e capacidade de mobilizar qualquer multidão ímpares no universo futebolístico. Ver a forma desnorteada e incoerente com que tentava responder a cada questão... Uma coisa é desafiar os limites óbvios da idade ao tentar falar durante uma hora, capacidade que PdC mantém de forma admirável, outra é tentar justificar a gestão de um grande clube, tarefa em que o presidente falhou em quase toda a linha.

«Sócios contra sócios.» Pinto da Costa desejou que não tivesse havido câmaras na Assembleia Geral, mas pior do que isso, age como se não tivesse mesmo havido. Dar a entender que o que despontou as agressões foi meramente a intervenção do adepto Henrique Ramos, quando nessa altura elementos que tardam em ser identificados já tinham varrido uma bancada com o recurso a ameaças e insultos, é próprio de quem está em contramão e julga não só que ninguém repara como ainda vão seguir-lhe o rasto.

«Houve, através das redes sociais, incitamentos a que as pessoas viessem, filmassem tudo o que pudessem.» Perdão? Para já, e honra seja feita a esta coerência, Pinto da Costa está-se completamente a borrifar para tudo o que envolve redes sociais. É um universo que não acompanha, e que ignora. Logo, para se sair com esta pérola, foi porque alguém lhe passou esta informação. Essa pessoa insulta não só a inteligência dos adeptos como não hesitou em fazer Pinto da Costa passar por figura de parvo, pois foi o próprio adepto e sócio Fernando Madureira, através das suas redes sociais, a prometer que os sócios dos Super Dragões iriam estar «presentes em massa».

Pinto da Costa insistiu depois uma, duas, três vezes que iria votar contra três das alterações nos estatutos, alegando que estava portanto a apaziguar os ânimos. Desde logo, Pinto da Costa falou quando ainda centenas de sócios estavam às portas do pavilhão, algo por si só já de lamentar. Mas o mais incrível é confirmar que a direção convocou uma Assembleia Geral Extraordinária para levar a votação propostas com as quais o próprio presidente, segundo conta, estava contra. Sim, o Conselho Superior é o responsável pela elaboração da proposta de alterações dos estatutos, mas quem decidiu levá-los a sufrágio foi a direção liderada por Pinto da Costa. E a pertinência é tanta que Pinto da Costa não só estava contra como acabaram por cancelar a AG. Isto parece saído de um episódio do Clube dos Campeões, série da SIC do final dos anos 90.

Entre muitos momentos dignos de audição parlamentar - «não sei», «não vi», «não tenho a certeza» -, concluímos das palavras do presidente que o grande problema foi que havia câmaras a filmar. Portistas a serem insultados, agredidos e coagidos? Tudo bem, mas levem na boca como gente grande e deixem tudo em família! Compreende-se melhor agora a linha editorial do Porto Canal, que ignorou todo e qualquer acontecimento na noite de 13 de novembro. Não, presidente, o problema não eram os «inimigos» que iam assistir a tudo pela televisão, eram os inimigos que estavam lá dentro do pavilhão; inimigos da democracia e dos valores do FC Porto.

A preocupação para com os «inimigos» externos é tanta que Pinto da Costa consegue, na mesma intervenção, errar sobre as contas do Benfica para defender as do FC Porto (não, Gonçalo Ramos não entrou no exercício da época passada do rival), ironizar sobre os 0 pontos na Champions e logo a seguir dizer que se recusa a falar dos rivais. O percurso do FC Porto na Champions é meritório por si só, não precisa do contraste dos rivais; mas esses dois rivais estão, neste momento, à frente do FC Porto rumo a uma vaga na Champions em 2024/25, cujo impacto financeiro será quase 10 vezes maior do que uma ida aos oitavos daqui a um mês. 

Houve, também, espaço para colocar Fernando Madureira num pedestal e elogiar os Super Dragões que, segundo Pinto da Costa, são os únicos a ir apoiar a equipa nos jogos fora. Não podendo nunca ignorar o facto de uma claque ser sempre mais vocal no apoio do que qualquer grupo de adeptos, é um desrespeito para com os milhares de adeptos que, desde o Minho ao Algarve, acompanham as deslocações do FC Porto sem pertencerem a uma claque. E atenção, que muitos destes adeptos possivelmente não ganham mais do que o que declaram, não têm cadernetas prediais variadas, Porsches na garagem ou ajudas de 6 dígitos para construírem casas. Entende-se que os Super Dragões são a grande força mobilizadora para a recandidatura de Pinto da Costa, mas num clube que se orgulha por um sócio valer um voto isto tem muito que se lhe diga.

Sobre a questão contratual de Sérgio Conceição, nada que não seja deixar treinador e jogadores fora de qualquer discussão eleitoral será inaceitável. Treinador e atletas carregam a mais difícil das missões nesta temporada - colocar o FC Porto na fase de grupos da Champions, caso contrário o presidente para a época 2024/25 começará logo aí com um buraco de quase 100 milhões de euros. Mas uma vez mais, a incoerência de Pinto da Costa: «Acha que algum treinador de algum clube vai renovar o contrato sem saber com quem vai trabalhar?» Poderíamos recordar que Jesualdo renovou contrato entre períodos eleitorais distintos e que Lopetegui assinou um contrato superior ao mandato de Pinto da Costa. Mas basta recordar que em 2019 Sérgio Conceição comprometeu-se com o FC Porto até 2021 - pelo meio, Pinto da Costa venceu as eleições em 2020. Não deixam de ser sinais dos tempos - talvez hoje uma reeleição não seja um dado tão adquirido quanto em épocas anteriores.

Ainda assim, há um detalhe que merece máximo destaque nesta entrevista: a garantia de Pinto da Costa de que o FC Porto vai apresentar capitais próprios positivos no final do primeiro semestre. Em apenas 5 anos, a SAD cavou um buraco de mais de 110 milhões nos capitais próprios (os rivais, perdão, os inimigos deram lucro no mesmo período) e ultrapassou os 175 milhões, os piores valores da história das SAD em Portugal. Mas Pinto da Costa garantiu que o FC Porto vai conseguir o milagre de recuperar praticamente 200 milhões de euros no espaço de 6 meses. Esta vai valer a pena esperar para ver. Só há 3 cenários possíveis: a venda de parte da SAD (que PdC desmentiu), a venda do Estádio (de recordar a operação EuroAntas em 2014/15) ou, simplesmente, o maior milagre financeiro da história da gestão desportiva em Portugal. Sim, não vamos admitir que o presidente do FC Porto estaria a confundir saldo contabilístico com capitais próprios.

O processo do naming do Estádio é uma luta que anda a ser travada pelos «três grandes» há vários anos, e os valores de 5 a 6 milhões por ano vão encontro de uma expetativa bem otimista. Escusado será dizer que a estratégia não passa por contar com esta pequena receita em forma de Loum/Manafá/Depoitre numa verba anual, mas sim antecipar o bolo através de um contrato de factoring para ter maior margem para o curto prazo. Face à forma evasiva mas insistente com que Pinto da Costa tocou no tema, esperam-se novidades para este dossiê no próximo mês.

Destaque ainda para, uma vez mais, o desnorte de uma direção que não fala a uma só voz. Disse que Taremi não saiu para o Milan porque as propostas eram «ridículas» e «nem dava para conversar». Esqueceu-se portanto das declarações de Vítor Baía, que disse a 31 de agosto que já havia acordo entre Milan e FC Porto e que tudo dependia do jogador. Em que ficamos? 

De argolada em argolada, Pinto da Costa errou em quase todos os alvos e deixou a promessa de uma recuperação financeira histórica e em tempo recorde. Não só foi uma fraca entrevista como foi, possivelmente, a sua pior entrevista em 4 décadas de FC Porto, revelando um presidente perdido no espaço e no tempo. Foram só 60 minutos. E o que são 60 minutos ao pé de mais 4 anos?

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Quando um portista aparece

«Bola no Porto... Passe mortal... Marco Ferreira aparece! Douglas falha! Ninguém para empurrar! Vamos Derlei! Bate! Bate! Bate!...»

O resto é história. Uma história que todos os portistas sabem de cor e que abriu um dos mais belos capítulos de um livro de honra de vitórias sem igual. Sevilha, Gelsenkirchen, Yokohama. O bis na raça de Derlei, a classe de Deco, o olhar de Pedro Emanuel... Mas há um detalhe que antecedeu tudo isto, imortalizado no relato acima citado.


Marco Ferreira «apareceu». Não rematou, não passou, não driblou; não recuperou a bola, não ganhou um ressalto, não se sabe muito bem se chega a tocar nela ou o que fez no lance. Mas o detalhe é este: apareceu. Marco Ferreira apareceu e este lance mudou a história do FC Porto. Bastou aparecer. 

Segunda-feira, 13 de novembro de 2023, os portistas apareceram. Contra muitas expetativas, desejos e planos, apareceram. A ordem de trabalhos visava a aprovação dos novos Estatutos do Clube e a tradicional "meia hora" para discutir assuntos de interesse. Mas cedo se percebeu que as motivações para tal afluência ultrapassavam o desejo de participar num simples sufrágio. 

A cronologia dos eventos já é por demais conhecida entre adeptos, associados e imprensa - os únicos que ainda não a conhecem aparentam ser os próprios responsáveis do FC Porto, que perante os registos das câmaras, os testemunhos de presentes e, pasme-se, os seus próprios olhos continuam sem conseguir identificar responsáveis com vista à abertura de processos disciplinares. Tudo redonda no mesmo: silêncio, indiferença, cobardia, medo.

Medo de quê? Medo de uma derrota anunciada que um grupo de «gratos» fez questão de se esforçar por tentar acelerar. Um atropelo aos mais básicos princípios da democracia e aos direitos e deveres de qualquer sócio do FC Porto. Sim, do FC Porto. O que une, ou deveria unir, todos os associados presentes é o amor ao FC Porto. Ao clube, não a um homem, seja ele qual for. E sobretudo não a um homem que, perante o poder de parar as tristes cenas que despontavam nas bancadas do Dragão Arena, respondeu com desdém e indiferença. Os seus adeptos atacados na sua casa: silêncio de Pinto da Costa e da sua cúpula administrativa.

Foi esta a grande derrota da noite. Pinto da Costa, para muitos, já não é um presidente à altura do FC Porto, mas poucos imaginariam que não seria um presidente à altura dos portistas. Por muito que os adeptos se possam dividir face ao seu futuro no clube, todos concordariam que quando Pinto da Costa pede a palavra, o portista deve o respeito de ouvir. Continua a ser o presidente democraticamente eleito e a figura máxima da história do clube; e o que fez com este estatuto e reconhecimento enquanto portistas eram ameaçados, intimidados e coagidos? Nada. Fechados na mesma redoma com que gerem o dia a dia do clube. 

Tudo isto, e não enganemos ninguém, por causa de um nome: André Villas-Boas. O futuro e único candidato à presidência do FC Porto que realmente inspira receio aos que se querem agarrar ao poder (ou, no caso dos que gritavam «Ingratos!», agarrados aos frutos do poder). Com o devido respeito por Nuno Lobo e José Fernando Rio, não eram nomes temidos por ninguém no FC Porto, mas ainda assim «tiraram» quase um terço dos votos a Pinto da Costa no último ato eleitoral. Se dois nomes pouco cativantes e mediáticos conseguiram isto, o nome Villas-Boas fez soar o alerta no Dragão.

Da candidatura de Villas-Boas nada se sabe publicamente. Nada. Nem quem o acompanha, qual o projeto, nada. Poderíamos dizer o mesmo sobre Pinto da Costa, que é eleito não pelo que faz hoje nem pelo que fará amanhã, mas pelo currículo de décadas passadas. Mas no FC Porto sabe-se (teme-se) o essencial: que Villas-Boas pode efetivamente fazer estragos contra Pinto da Costa.

Uma heresia, dizem aqueles determinados a manter Pinto da Costa na presidência do FC Porto nem que cheguem a uma sequela de Weekend at Bernie's. «Pinto da Costa tem que ser o presidente até ao último dia da sua vida, a não ser que queira sair antes!» Pois. A questão é que Pinto da Costa não quererá sair. Primeiro, porque ama o FC Porto e dedicou a sua vida a esse cargo. Segundo, porque vive fechado numa redoma que o venera e bajula a cada piscar de olhos. Não conhece contestação, discórdia ou insatisfação no seu dia a dia; continua a ser «o melhor presidente do Mundo». Mas não, a presidência de Pinto da Costa não pode ser um desejo do próprio, nem de uma dúzia seletiva, mas sim de uma maioria de portistas.

Pinto da Costa foi uma grande ameaça ao benfiquismo e ao centralismo; agora querem fazer dele uma ameaça ao portismo? Ai, a gratidão! Não, para ser eleito presidente do FC Porto não é preciso um exercício de gratidão. Quem o diz é o próprio Pinto da Costa, que sempre defendeu que a sua liderança assenta em quatro pilares: «Rigor, competência, ambição e paixão». Estes quatro parâmetros estão a ser cumpridos sob a sua presidência? Cada portista terá a sua opinião e cada sócio o seu voto; desde que o possam exercer livremente. 

Mas voltamos ao ponto de partida. A coação, a ameaça e a intimidação estão literalmente instaladas nas bancadas do Dragão. Terá a AG sido uma vez sem exemplo? Não se o FC Porto e os seus dirigentes não agirem em conformidade. Mas para quem tem esperança que tal aconteça, é aconselhável que adotem a mesma postura da administração da SAD enquanto portistas eram agredidos e arrastados para fora do pavilhão: de cadeirinha, para não se cansarem.

«Mas não têm os portistas o direito a continuarem a apoiar Pinto da Costa se quiserem?» Claro que sim. Mas então esforcem-se um pouco por defenderem o vosso candidato preferido. Porque aquilo que os já declarados anti-AVB estão a fazer é a passar um gritante atestado de incompetência a Pinto da Costa. Então querem que Pinto da Costa seja presidente do maior clube português se não é sequer capaz de derrotar um (ex-?)treinador sem experiência no dirigismo? Não confiam na eloquência e no dom da palavra de Pinto da Costa para esgrimir argumentos com AVB num eventual debate? Não tem Pinto da Costa mais dias de FC Porto do que Villas-Boas de vida? Então, qual é o receio da candidatura de AVB? Sinceramente, Pinto da Costa, por tudo o que já fez, merecia mais respeito e consideração por parte dos seus fiéis escudeiros. O presidente do FC Porto tem que ser a pessoa mais poderosa do clube, não alguém que querem esconder de qualquer batalha. 

«O problema são as pessoas que estão por trás da candidatura de AVB!» Pois. Disso, publicamente, ainda nada se sabe, ou se algo há para se saber. Mas uma coisa é certa: não se sabe quem está por trás da candidatura de AVB, mas sabe-se que quem está à frente da SAD deixa muito a desejar. E neste caso nem se fala da performance desportiva ou da saúde financeira (perdão, doença, porque de saúde há pouco), mas sim das mais básicas funções para qualquer presidente eleito democraticamente: assegurar que a mesma democracia que o elegeu não é beliscada sob a vigência. 

A Pinto da Costa e a Villas-Boas, fica o desafio: puxem o melhor Marco Ferreira que há em cada um de vós. Um se quer manter o lugar, outro se quer avançar. Apareçam. Que Villas-Boas apareça, como promete que o vai fazer; e que Pinto da Costa apareça, mesmo que os seus apoiantes não queiram que precise de o fazer. E se antes de Abril pudermos ter um debate televisivo no Porto Canal, perfeito. É que o material de filmagem e edição que foi poupado na última segunda-feira poderia assim finalmente ter uso.