Pinto da Costa quebrou um silêncio de largos dias e concedeu uma
entrevista à SIC. Foi, antes de mais, uma ótima entrevista do presidente
do FC Porto. Ótima porque ninguém se aleijou. Ninguém foi parar ao
hospital, ninguém morreu. Melhor só mesmo se não houvesse nenhuma câmara
a filmar.
A melhor das
notícias acaba por ser o notável avanço na construção da Academia do FC
Porto na Maia. É que com a quantidade de areia que Pinto da Costa
distribuiu e a forma como parecia estar a falar para uma plateia de
tijolos, só podemos concluir que já há material de sobra para iniciar a
construção da Academia a todo o vapor.
É
triste. Ídolo para uns, herói para outros, lenda para tantos. O Porto e
o Mundo aprenderam a admirar Pinto da Costa, dono de uma sagacidade,
eloquência e capacidade de mobilizar qualquer multidão ímpares no
universo futebolístico. Ver a forma desnorteada e incoerente com que
tentava responder a cada questão... Uma coisa é desafiar os limites óbvios da idade ao tentar falar durante uma hora, capacidade que PdC mantém de forma admirável, outra é tentar justificar a gestão de um grande clube, tarefa em que o presidente falhou em quase toda a linha.
«Sócios contra sócios.» Pinto da Costa desejou que não tivesse havido câmaras na Assembleia Geral, mas pior do que isso, age como se não tivesse mesmo havido. Dar a entender que o que despontou as agressões foi meramente a intervenção do adepto Henrique Ramos, quando nessa altura elementos que tardam em ser identificados já tinham varrido uma bancada com o recurso a ameaças e insultos, é próprio de quem está em contramão e julga não só que ninguém repara como ainda vão seguir-lhe o rasto.
«Houve, através das redes sociais, incitamentos a que as pessoas viessem, filmassem tudo o que pudessem.» Perdão? Para já, e honra seja feita a esta coerência, Pinto da Costa está-se completamente a borrifar para tudo o que envolve redes sociais. É um universo que não acompanha, e que ignora. Logo, para se sair com esta pérola, foi porque alguém lhe passou esta informação. Essa pessoa insulta não só a inteligência dos adeptos como não hesitou em fazer Pinto da Costa passar por figura de parvo, pois foi o próprio adepto e sócio Fernando Madureira, através das suas redes sociais, a prometer que os sócios dos Super Dragões iriam estar «presentes em massa».
Pinto da Costa insistiu depois uma, duas, três vezes que iria votar contra três das alterações nos estatutos, alegando que estava portanto a apaziguar os ânimos. Desde logo, Pinto da Costa falou quando ainda centenas de sócios estavam às portas do pavilhão, algo por si só já de lamentar. Mas o mais incrível é confirmar que a direção convocou uma Assembleia Geral Extraordinária para levar a votação propostas com as quais o próprio presidente, segundo conta, estava contra. Sim, o Conselho Superior é o responsável pela elaboração da proposta de alterações dos estatutos, mas quem decidiu levá-los a sufrágio foi a direção liderada por Pinto da Costa. E a pertinência é tanta que Pinto da Costa não só estava contra como acabaram por cancelar a AG. Isto parece saído de um episódio do Clube dos Campeões, série da SIC do final dos anos 90.
Entre muitos momentos dignos de audição parlamentar - «não sei», «não vi», «não tenho a certeza» -, concluímos das palavras do presidente que o grande problema foi que havia câmaras a filmar. Portistas a serem insultados, agredidos e coagidos? Tudo bem, mas levem na boca como gente grande e deixem tudo em família! Compreende-se melhor agora a linha editorial do Porto Canal, que ignorou todo e qualquer acontecimento na noite de 13 de novembro. Não, presidente, o problema não eram os «inimigos» que iam assistir a tudo pela televisão, eram os inimigos que estavam lá dentro do pavilhão; inimigos da democracia e dos valores do FC Porto.
A preocupação para com os «inimigos» externos é tanta que Pinto da Costa consegue, na mesma intervenção, errar sobre as contas do Benfica para defender as do FC Porto (não, Gonçalo Ramos não entrou no exercício da época passada do rival), ironizar sobre os 0 pontos na Champions e logo a seguir dizer que se recusa a falar dos rivais. O percurso do FC Porto na Champions é meritório por si só, não precisa do contraste dos rivais; mas esses dois rivais estão, neste momento, à frente do FC Porto rumo a uma vaga na Champions em 2024/25, cujo impacto financeiro será quase 10 vezes maior do que uma ida aos oitavos daqui a um mês.
Houve, também, espaço para colocar Fernando Madureira num pedestal e elogiar os Super Dragões que, segundo Pinto da Costa, são os únicos a ir apoiar a equipa nos jogos fora. Não podendo nunca ignorar o facto de uma claque ser sempre mais vocal no apoio do que qualquer grupo de adeptos, é um desrespeito para com os milhares de adeptos que, desde o Minho ao Algarve, acompanham as deslocações do FC Porto sem pertencerem a uma claque. E atenção, que muitos destes adeptos possivelmente não ganham mais do que o que declaram, não têm cadernetas prediais variadas, Porsches na garagem ou ajudas de 6 dígitos para construírem casas. Entende-se que os Super Dragões são a grande força mobilizadora para a recandidatura de Pinto da Costa, mas num clube que se orgulha por um sócio valer um voto isto tem muito que se lhe diga.
Sobre a questão contratual de Sérgio Conceição, nada que não seja deixar treinador e jogadores fora de qualquer discussão eleitoral será inaceitável. Treinador e atletas carregam a mais difícil das missões nesta temporada - colocar o FC Porto na fase de grupos da Champions, caso contrário o presidente para a época 2024/25 começará logo aí com um buraco de quase 100 milhões de euros. Mas uma vez mais, a incoerência de Pinto da Costa: «Acha que algum treinador de algum clube vai renovar o contrato sem saber com quem vai trabalhar?» Poderíamos recordar que Jesualdo renovou contrato entre períodos eleitorais distintos e que Lopetegui assinou um contrato superior ao mandato de Pinto da Costa. Mas basta recordar que em 2019 Sérgio Conceição comprometeu-se com o FC Porto até 2021 - pelo meio, Pinto da Costa venceu as eleições em 2020. Não deixam de ser sinais dos tempos - talvez hoje uma reeleição não seja um dado tão adquirido quanto em épocas anteriores.
Ainda assim, há um detalhe que merece máximo destaque nesta entrevista: a garantia de Pinto da Costa de que o FC Porto vai apresentar capitais próprios positivos no final do primeiro semestre. Em apenas 5 anos, a SAD cavou um buraco de mais de 110 milhões nos capitais próprios (os rivais, perdão, os inimigos deram lucro no mesmo período) e ultrapassou os 175 milhões, os piores valores da história das SAD em Portugal. Mas Pinto da Costa garantiu que o FC Porto vai conseguir o milagre de recuperar praticamente 200 milhões de euros no espaço de 6 meses. Esta vai valer a pena esperar para ver. Só há 3 cenários possíveis: a venda de parte da SAD (que PdC desmentiu), a venda do Estádio (de recordar a operação EuroAntas em 2014/15) ou, simplesmente, o maior milagre financeiro da história da gestão desportiva em Portugal. Sim, não vamos admitir que o presidente do FC Porto estaria a confundir saldo contabilístico com capitais próprios.
O processo do naming do Estádio é uma luta que anda a ser travada pelos «três grandes» há vários anos, e os valores de 5 a 6 milhões por ano vão encontro de uma expetativa bem otimista. Escusado será dizer que a estratégia não passa por contar com esta pequena receita em forma de Loum/Manafá/Depoitre numa verba anual, mas sim antecipar o bolo através de um contrato de factoring para ter maior margem para o curto prazo. Face à forma evasiva mas insistente com que Pinto da Costa tocou no tema, esperam-se novidades para este dossiê no próximo mês.
Destaque ainda para, uma vez mais, o desnorte de uma direção que não fala a uma só voz. Disse que Taremi não saiu para o Milan porque as propostas eram «ridículas» e «nem dava para conversar». Esqueceu-se portanto das declarações de Vítor Baía, que disse a 31 de agosto que já havia acordo entre Milan e FC Porto e que tudo dependia do jogador. Em que ficamos?
De argolada em argolada, Pinto da Costa errou em quase todos os alvos e deixou a promessa de uma recuperação financeira histórica e em tempo recorde. Não só foi uma fraca entrevista como foi, possivelmente, a sua pior entrevista em 4 décadas de FC Porto, revelando um presidente perdido no espaço e no tempo. Foram só 60 minutos. E o que são 60 minutos ao pé de mais 4 anos?