Achar que Nuno Espírito Santo é um treinador mais ou menos adequado para o FC Porto é um tema distante de recolher unanimidade (e que à imagem de qualquer antecessor seu, a sua disparidade crescente estará sempre ligada aos maus resultados, tenha ou não culpa deles). Mas todos podem concordar com uma coisa: Nuno Espírito Santo não era, de todo, o treinador ideal para este jogo. Ricardo Costa seria mais adequado. Ou, se estiver muito ocupado, Obradovic.
Há obviamente que saber diferenciar as coisas. O FC Porto pode e deve sempre protestar quando se sente lesado pelas arbitragens. Deve é saber onde acaba a culpa dos árbitros e onde começa a responsabilidade do próprio clube, desde os jogadores ao treinador, passando obviamente pela direção.
Os adeptos portistas não podem viver na bipolaridade de criticar tudo quando perdem e de desculpar e esquecer tudo quando ganham. Quase parecia um sacrilégio, nos últimos dias, afirmar que as expulsões na Roma tiveram uma forte influência no play-off da Champions. Pois com certeza que tiveram! Três jogadores expulsos numa eliminatória da UEFA é histórico. Foi só por causa das expulsões que o FC Porto foi à Champions? Com certeza que não. Mas tiveram grande influência? Claro que sim! Experimentem jogar com 9 e depois comparem.
A equipa que ganhou à Roma tinha sido a mesma que não ganhou contra 10 no Dragão, que esteve a perder em Vila do Conde e que ganhou à rasca ao Estoril. E é a mesma que esteve a dominar em Alvalade, até ao golo do empate, e que levou um autêntico banho de bola na segunda. Breaking news: há muitos números entre o 8 e o 80.
Quando o FC Porto ganha, quem tem espírito crítico não pode nunca deixar de identificar onde estão lacunas, onde se pode melhorar, o que foi feito de mal. Se o próprio treinador faz isso, por que não hão-de os treinadores de bancada de o fazer? Da mesma forma que, quando o FC Porto perde, há certamente alguns aspetos positivos, e coisas a partir das quais o FC Porto pode crescer. Os adeptos viverem nesse limbo entre a euforia e a depressão faz lembrar os tempos clássicos de Sporting e Benfica nos anos 90 e primeira década do século XXI. Haja um maior equilíbrio.
Vamos começar por aí. É normal o FC Porto ter maus resultados em Alvalade. Sim, é normal. Já lá vão 8 anos desde que o FC Porto não ganha em Alvalade. É o estádio mais difícil em Portugal para o FC Porto. Não se podem tirar ilações definitivas por os jogadores e Nuno Espírito Santo não terem conseguido ganhar hoje. Villas-Boas não conseguiu, Vítor Pereira não conseguiu, Lopetegui não conseguiu. É um estádio difícil para nós. Não é este resultado que vai sentenciar coisa alguma.
Logo, o que está em causa não é o resultado, ou a exibição. É perceber quantas das coisas negativas que vemos neste jogo são repetições das últimas semanas ou meses. E perceber se estamos à procura de prolongar o estado de graça de início de época, ou se temos mesmo demonstrações cabais de que há um FC Porto a crescer e pronto a assumir-se na luta pelo título.
Durante 15 minutos, vimos um FC Porto destemido, capaz de enervar o Sporting e ganhar vantagem. Vimos erros de arbitragem estarem relacionados com a reação do Sporting. Vimos um FC Porto demasiado anjinho a partir daí. E vimos um FC Porto que pouco ou nada fez (não em termos de atitude e empenho, mas de futebol jogado) para tentar ganhar o jogo na segunda parte. Tudo merece ser analisado e tido em conta. Ontem não estava tudo bem, hoje não está tudo mal. Mas em finais de Agosto, renovam-se (ou reafirmam-se) as expetativas de início de época: assim será muito difícil lutar pelo título, e os próximos três dias podem dizer muito sobre isso.
É óbvio que a arbitragem de Tiago Martins teve um critério díspar, em prejuízo do FC Porto. Nem sequer é a questão dos golos a estar em causa. No primeiro, não há mão de Gelson. No segundo, segundo o que diz o FC Porto no seu próprio site oficial, «a bola embate no braço de Bryan Ruiz». Ora se a bola embate no braço, não há falta. Falta há se for o braço a embater na bola. Em causa está sim o momento da falta (ou falta dela) que precede o primeiro golo, agressões não punidas, as cotoveladas de Coates ou Slimani, fora-de-jogo mal tirado e um árbitro que cedeu à pressão das bancadas.
Mas toda esta situação já era prevista. A ascensão de Tiago Martins na arbitragem já tinha sido
tema aqui, entre
muitos outros temas aos quais o FC Porto sempre pareceu alheio e que agora dão os seus frutos. Até o
bandeirinha! Mas lá está, o problema do FC Porto são os
blogues que dividem, são os blogues que andam a expor estas situações há imenso tempo. Não fossem esses e o FC Porto ontem teria ganho e Tiago Martins até seria capaz de fazer uma arbitragem limpa.
A entrada em campo (+) - O golo acabou por ser um justo prémio para a audácia e pressão do FC Porto. Que bem entrou a equipa na partida. Pressionou o Sporting logo no seu início de construção, obrigou-os a errar na saída de bola, conseguiu profundidade no meio-campo adversário e criou desde cedo situações de perigo. Estava tudo a correr mal ao Sporting: Jesus queria preencher o meio-campo, mas o FC Porto tinha ganho o setor logo no início. É claro que o FC Porto não ia conseguir aguentar sempre este ritmo. Faltava saber se haveria capacidade de, no momento do Sporting assumir o jogo (porque esse momento ia chegar), o FC Porto seria capaz de o controlar. Não foi. Tudo pode ter começado no apito de Tiago Martins, mas há muitas responsabilidades a serem assumidas pelo FC Porto.
A entrada de Óliver (-) - Não, não é uma crítica ao jogador. É concluir que tudo, tudo aquilo que o FC Porto fez durante a pré-época e até hoje, para pouco ou nada serviu. Reparem, Óliver chega ao FC Porto apenas na sexta-feira. Faz o primeiro treino, e dois dias depois já é chamado a jogar um clássico de elevada exigência, onde o FC Porto estava a perder? Óliver não só não conhece as ideias de Nuno Espírito Santo como Nuno não tinha um jogador com as caraterísticas de Óliver. Óliver chega e passa à frente de todos os jogadores que estiveram a fazer a pré-época, ainda por cima para jogar na ala! É melhor? Com certeza que sim. Mas não está rotinado, não está adaptado à equipa e nem sequer fez uma pré-época decente (Óliver não jogava há um mês). Não raras vezes víamos Óliver a desentender-se com Herrera, com Otávio, com os laterais, não percebendo que movimentações os colegas iam fazer. Não é culpa dele. Foi lançado às feras. Chega, faz dois treinos e salta logo para um clássico. Isso não diz coisas particularmente boas das convicções que NES tem da sua pré-época; isso ou sente tão pouca confiança nas soluções que tinha que decidiu lançar já Óliver. De qualquer forma, preocupante.
O banco (-) - Qualquer equipa decente, que se preze e que lute por títulos, tem um defesa no banco. Não estamos a pedir muito: estamos a pedir um defesa no banco! Que diz isto? Que o FC Porto só tem 2 centrais que contem para Nuno Espírito Santo. Chidozie e Diego Reyes não parecem ser opção. Repare-se que NES prefere não os ter no banco e ficar sem defesas suplentes. Isso diz muito da falta de confiança neles. Ah e tal, o Danilo pode baixar para central se acontecer alguma coisa. Ai é? Pior ainda! Assim, se há uma lesão na defesa, o FC Porto já não tem que mexer apenas num setor, tem que mexer em dois! Então, que dizer da situação dos centrais suplentes, sobretudo de Reyes? Ou o culpado é NES, por não tirar proveito das unidades que tem; ou o treinador não tem culpa nenhuma, pois as alternativas são simplesmente más, a ponto de preferir nem ter defesas no banco. Nem é preciso falar de Lima Pereira, Aloísio, Jorge Costa ou Fernando Couto. Em 2011 tínhamos Otamendi, Mangala, Maicon e Rolando. Hoje temos Felipe e Marcano. Nenhuma equipa é campeã com apenas 2 centrais que contem para o totobola.
A ausência de Brahimi (-) - Slimani já está vendido? Pouco importa. Vai a jogo, marca, distribui porrada, ajuda a sua equipa a vencer e vai à vidinha dele. Ainda é jogador do Sporting? Então toca a tirar proveito do ativo do clube. E então que faz o FC Porto? Tem Brahimi encostado desde o início da época, à espera que o levem. Não há justificação para isto. O FC Porto não tem melhor do que Brahimi e nem sequer está a usar o jogador. Na segunda parte, o FC Porto não faz um remate para Rui Patrício defender. Nem um! Tirando um rasgo de Otávio, não houve ali nada que fizesse o FC Porto sentir que ia haver um desequilíbrio que podia dar golo. Será que com Brahimi seria mais fácil? Nunca saberemos. Mas o FC Porto não tinha melhor e acabou o jogo a ter que confiar que Adrián e Depoitre, saídos do banco, iam ser abre-latas. Confrangedor. A gestão do caso de Brahimi é amadorismo, ponto. Ah e tal, mas o FC Porto precisa de vender, e se o Brahimi se lesionar já não há transferência! Vejam bem o drama que foi para o Sporting usar Slimani. Aparentemente, estavam mais preocupados em ganhar o jogo ao FC Porto do que em temer que Slimani se lesionasse. Vejam lá que preferiram que a sua equipa tivesse todas as condições possíveis para ganhar um jogo do que deixar uma transferência em risco por causa de uma lesão. Estes tipos sportinguistas são mesmo esquisitos. Usar todas as suas armas para ganhar um clássico? Coisa tão estranha para estes lados.
A entrada de Depoitre (-) -
Quanto tempo esperou Nuno por Depoitre? Foi através desta questão que O Tribunal do Dragão analisou a contratação do ponta-de-lança. E ontem refletiu-se a falta de preparação para jogar com um avançado destas caraterísticas. Depoitre e André Silva não sabiam onde se posicionar. A partir do momento em que o FC Porto muda para 4x4x2, ninguém percebeu muito bem qual espaço ocupar, que movimentos fazer. Há um lance que ilustra tudo: Layún cruza e André Silva e Depoitre vão os dois à mesma bola. Nenhum deles percebeu muito bem qual deveria ser a sua função num 4x4x2, que deixou Herrera e Danilo sozinhos para um meio-campo que estava a ser controlado pelo Sporting. Um esquema que claramente não foi devidamente preparado.
Falta de reação (-) - O FC Porto teve uma excelente entrada em campo. O Sporting estava a ser completamente entalado. Então Jorge Jesus responde: passa Bruno César para o meio e o FC Porto nunca mais volta a tomar conta do jogo. Que fez Nuno Espírito Santo para reagir? Objetivamente, nada. A entrada de Óliver Torres já foi descrita, a de Depoitre também e a aposta em Adrián era o pouco mais que se podia fazer. Taticamente, Nuno Espírito Santo entrou a ganhar, mas desde os 15 minutos nunca mais houve uma resposta da equipa. Um Óliver inadaptado e um Depoitre sem ensaio para este 4x4x2 foram as respostas vindas do banco. Lá está: culpa do treinador, que não soube reagir, ou as armas que tinha à disposição é que não eram boas o suficiente para reagir?
Outras notas (-) - Façam uma coisa: peguem nos alemães do Bielsa, espalhem uns 50 pelos Olival e obriguem os avançados do FC Porto a driblá-los sempre que apanharem um pela frente. Podemos começar por aqui. Brahimi podia enervar com as suas rotundas, mas passava pelos adversários, ou arrastava a bola para outro lado (e com ela, arrastava também o adversário). Perto do final do jogo, há dois lances em que Adrián não sabe muito bem como deve passar pelo defesa. E era uma situação em que, passando o defesa, ou ficava com via aberta para o remate ou para o último passe. Este é também um aspeto de jogo no qual André Silva tem que melhorar: a capacidade de 1x1. Muitas vezes, goste-se ou não de o ouvir (na verdade, ninguém gosta), o FC Porto está a jogar como equipa pequena.
A segunda linha está sempre demasiado recuada. Depois dos 20 minutos, sempre que o FC Porto recuperava a bola, estava em zonas demasiado recuadas. E a pressa de meter uma transição rápida não funcionava. Só nos minutos iniciais, e uma vez na segunda parte, é que o FC Porto conseguiu meter bolas em profundidade para André Silva. E está a ser um reportório demasiado fraco ofensivamente: o FC Porto está a depender de bolas em profundidade para o seu avançado, coisa que não víamos há anos no Dragão. André Silva não tem culpa de ser mal servido, mas dessa forma terá que melhorar muito no 1x1, pois a equipa está a depender dele. Não devia.
O último aspeto negativo: a ausência de agressividade em vários momentos do jogo. O meio-campo do FC Porto nunca se conseguiu impor fisicamente. Danilo não chega para tudo, mas ser agressivo não é ser apenas um matulão e meter o corpo. O Sporting jogou sempre nos limites da agressividade, sabendo que o árbitro deixava. O FC Porto não foi tão agressivo. Tanto que o Sporting fez praticamente o mesmo número de faltas, mas conseguiu levar o dobro dos cartões do FC Porto. O FC Porto foi
anjinho. Um outro exemplo: Depoitre estava à espera para entrar. E demorou um tempo considerável a fazê-lo. Porquê? Porque o banco do Sporting montou uma feira e o quarto árbitro teve que estar na zona a acalmar e a averiguar a situação. Enquanto isso, Depoitre esperava para entrar. Foi preciso ir Rui Barros chamar João Pinheiro, árbitro esse que também já tinha sido
aqui destacado. Estas pequenas coisas também contam.
A análise ao jogo é publicada mais de 24 horas depois de o clássico ter terminado. Bem, conclusão. Rui Gomes da Silva, numa mera e também asquerosa demonstração clubística, foi mais rápido a ter uma resposta do presidente Pinto da Costa do que a arbitragem de Tiago Martins em Alvalade. Perder um clássico, à 3ª jornada, em casa de um rival, não tira ninguém da luta pelo título. Mas houve bem mais do que um clássico. E se ouvir Pinto da Costa falar só depois das vitórias pode ser um bom sinal - é sinal de que há vitórias -, não ouvi-lo depois de uma derrota diz que pode haver algo diferente: deixar de ser o presidente das vitórias para passar a ser o presidente das... vitórias. Igual, só a expressão. A diferença entre manifestar-se para ganhar, ou ganhar para manifestar-se. Os portistas estão habituados a mais, o FC Porto precisa de mais. Não esperem pela próxima rasteira para isso acontecer.