Do inferno ao céu. Onze dias separam a derrota frente ao Krasnodar e o consequente afastamento da Liga dos Campeões da vitória do FC Porto, por 2x0, em pleno Estádio da Luz. Meia dúzia de sessões de treino. O mesmo plantel, o mesmo treinador, apenas um pouco mais de tempo de preparação.
O mesmo grupo que ficou negativamente marcado na história do FC Porto por ter «quebrado» o recorde de presenças na fase de grupos da Liga dos Campeões presenteou os adeptos com aquela que foi, provavelmente, a mais brilhante vitória da história dos dragões no Estádio da Luz em jogos do Campeonato. Um sinal de que treinador e jogadores sentiram a responsabilidade, sentiram a necessidade de resposta, sentiram o peso do clube. Nada do que aconteceu na Luz vai mudar o que aconteceu frente ao Krasnodar, mas abre perspetivas renovadas para uma época na qual há quatro títulos para atacar.
Sim, esta foi muito provavelmente a melhor exibição da história do FC Porto numa visita ao Benfica em jogos da Liga. O resultado, por si só, já o defende: apenas por uma vez o FC Porto tinha conseguido, em jogos do Campeonato, ganhar por mais de um golo na Luz - na longínqua temporada de 1950/51. Mas como todos sabemos, os resultados não descrevem tudo. No caso do FC Porto, foram dois golos, mas podiam ter sido mais. No caso do Benfica, sim, o resultado foi demonstrativo: zero.
Foi isso que o Benfica foi durante 90 minutos frente ao FC Porto: zero. Porque a forma como Sérgio Conceição preparou o jogo e a execução tática dos jogadores em campo não permitiram mais do que isso. O FC Porto foi constantemente superior ao longo de 90 minutos. O Benfica, uma equipa de golo fácil no contexto de Campeonato português, muito forte nas diagonais, nos corredores e na profundidade foi reduzida a zero ocasiões de golo na partida. Marchesín só teve que esboçar uma defesa. Pizzi não teve para onde passar, Rafa não teve por onde correr, os corredores do Benfica foram barrados e a dupla de avançados foi reduzida a um papel fantasmagórico nas proximidades da grande área.
A estratégia de Sérgio Conceição foi perfeita. Taticamente, foi provavelmente o melhor jogo da sua carreira de treinador. Secou por completo o adversário enquanto preparou o FC Porto para ter as suas oportunidades - os momentos de procura de profundidade não existiram como modelo de «construção» da equipa, mas sim como arma de ataque ao último terço quando o espaço se abriu. O FC Porto teve um sentido posicional perfeito, roubou as linhas de passe e o espaço interior ao Benfica e teve uma pressão perfeita sobre o portador da bola. O Benfica não sabia o que fazer, não teve resposta e o FC Porto dominou por completo. Nunca é de mais recordar que o Benfica mantém uma grande base de jogadores da última época, enquanto o FC Porto apresentou-se na Luz com mais de meia equipa nova. No entanto, entendimento e sintonia só mesmo do lado azul e branco.
Marchesín pouco teve para fazer, jogou mais com os pés do que com as mãos, mas transmitiu sempre serenidade à defesa e ganha cada vez mais peso como voz de comando. Corona, face a uma concorrência que inclui o inapto Saravia, o insuficiente Manafá e o inexperiente Tomás Esteves, provavelmente fixou-se como primeira, segunda e terceira opção para lateral-direito, no teste mais difícil que poderia ter na I Liga. Pepe e Marcano meteram Seferovic e De Tomás no bolso e formaram uma muralha à frente de Marchesín. Telles, pelo equilíbrio tático da equipa, teve liberdade para atacar, desequilibrou e cumpriu.
Danilo Pereira e Uribe foram uma das chaves da vitória e mostram ser insubstituíveis na equipa. O colombiano quase dispensou o período de adaptação e encaixou na perfeição no 11, com um papel de equilíbrio fundamental pela meia direita. Recupera, preenche, distribui. Já o capitão de equipa voltou ao seu nível e teve um sentido posicional perfeito no miolo, mas nunca se inibindo de dar amplitude ao jogo da equipa.
Romário Baró tem sido uma das apostas surpresa de Conceição e, se na Rússia pareceu «perdido» vários momentos na equipa, na Luz foi importante para o equilíbrio da equipa na direita e surgiu bem mais maduro em campo. Meia dúzia de treinos depois, mostrou um crescimento que talvez só se alcançaria com meses de trabalho. Não estamos a falar de um jovem talento que aparece com liberdade num clássico, mas sim num miúdo que carregava uma importante missão tática e que a conseguiu cumprir.
Luis Diaz, por sua vez, está a revelar-se uma surpresa. Não por não trazer potencial da Colômbia, mas pela prontidão e rapidez com que está a ganhar espaço na equipa. É muito raro um jogador sair diretamente da Liga colombiana para um grande clube europeu (por norma dão primeiro o salto para México ou Argentina), mas Diaz está a ter um impacto tão precoce quanto brutal. Ganha metros com bola, é rápido e incisivo no 1x1 e sabe escolher que terrenos pisar.
Zé Luís, o terceiro jogador a fazer 5 golos nos primeiros 5 jogos pelo FC Porto nos últimos 40 anos, já conquistou os adeptos. A qualidade e as caraterísticas do jogador faziam todo o sentido num clube como o FC Porto. Possante, capacidade técnica, jogo aéreo, capacidade de finalização e de trabalho de costas para a baliza, ataque à profundidade ou no espaço curto... O cabo-verdiano tinha, tem, tudo. No contexto e companhia certas é jogador de 30 golos por época. Não esquecer que era um jogador muito bem referenciado pelo departamento de scouting do FC Porto quando ainda estava no Gil Vicente. Esteve, como disse Conceição, a «marinar» na Rússia, mas no FC Porto encontra finalmente o espaço certo para revelar toda a sua qualidade. Não vai marcar em todos os jogos, mas com ele em campo o FC Porto estará sempre mais perto do golo.
Marega foi... Marega. Capaz de nos levar ao desespero com mais um falhanço em clássicos e, minutos depois, matar o jogo. Lutou e correu a toda a largura do campo, criou duas ocasiões de golo e entendeu o seu papel na reta final da partida: era o momento de ataque à profundidade, de cair nas costas da defesa do Benfica, e aí destaca-se a leitura perfeita de Otávio e a arrancada para o 2x0.
Foram 90 minutos em que a equipa superou qualquer momento menos bom das individualidades. O discurso de Zé Luís no final da partida disse tudo sobre o entrosamento e a união que os jogadores levaram para este jogo. Cada jogador entendeu o colega e correu por ele. Sérgio Conceição aprendeu com os erros do último clássico e não teve medo de ser ambicioso. Não teve medo de ser melhor e de querer mais do que o Benfica. Vitória em toda a linha.
Entre todos os elogios a 90 minutos que merecem cada um deles, sobra isto: foram apenas 3 pontos. Ontem não estava tudo perdido e hoje não está nada ganho. O FC Porto continua fora do primeiro lugar e, ao mínimo deslize, pode passar novamente para trás do Benfica. O próximo adversário é um exemplo perfeito de que não podemos relaxar, nem com uma vantagem de 2x0 no Dragão. Equipa e adeptos recuperaram a confiança, mas como sabemos, esta tem sempre um prazo de validade que se esgota ou renova jogo após jogo. O Campeonato vai ser longo, mas do Estádio da Luz trazemos algo que bem nos pode acompanhar toda a época: quando o FC Porto eleva os seus níveis de competência ao limite, não há Benfica que consiga competir com isso.