Saidy Janko é uma daquelas contratações que nos levam a questionar onde estava exatamente o interesse desportivo da SAD no momento do negócio. Foi comprado sem interesse do treinador, sem persetivas de ser solução de equipa A e não tardou em receber guia de marcha.
No momento em que assinou pelo FC Porto, Janko publicou no Instagram uma mensagem em que agradecia à Key Sports Management por terem ajudado a concretizar a transferência. Certo é que no Relatório e Contas da SAD não há qualquer menção de um serviço de intermediação por parte desta entidade. A imprensa desportiva, nomeadamente o jornal Record, chegou a noticiar a intervenção de Paulo Rodrigues e Alexandre Pinto da Costa no negócio, mas o R&C da SAD não esclarece qual foi ao certo o empresário/empresa a lucrar com a transferência de Janko para o FC Porto.
A SAD comprou 80% do seu passe ao Saint-Étienne por 2,25 milhões de euros. E o negócio deve ter sido tão bom para o clube francês que eles nem se terão importado de não terem recebido um cêntimo no momento da concretização do negócio - Janko foi apresentado a 27 de junho mas, segundo a rúbrica de Fornecedores, no final do mês a SAD ainda devia a totalidade da transferência ao Saint-Étienne.
Certo é que, apesar de Janko não ter ficado no plantel, arrisca-se a ser um jogador que o FC Porto nunca quererá vender. Isto com base na surreal afirmação de Pinto da Costa na apresentação do R&C.
No momento em que Fernando Gomes respondia a perguntas, Pinto da Costa decidiu intervir, em defesa do seu administrador da SAD: «Se o tivéssemos vendido não recebíamos tudo, porque só temos parte do passe [de Herrera]». É a primeira vez que isto aparenta ser um problema. O FC Porto sempre vendeu jogadores sem ter a totalidade do passe nas suas mãos. São já quase duas décadas em que o FC Porto praticava e defendia a política da repartição de passes e da envolvência de investidores/fundos/empresários/terceiros nos negócios.
Agora, subitamente, a venda de Herrera seria um problema, porque o FC Porto não receberia tudo. Ajudem, por favor:
digam em que negócio é que o FC Porto alguma vez recebeu «tudo». De A de Alexandre a Z de Zahavi, não há grande negócio feito pelo FC Porto em que não surgisse uma terceira parte a lucrar. E agora, havia problema? Mas porquê? Por serem só 80%? Ou porque os 20% iriam para o Pachuca e não para um empresário parceiro?
Pinto da Costa é capaz de comover uma sala inteira com um discurso e uma eloquência incomuns para alguém com 80 anos, cativando e inspirando uma plateia inteira de portistas em noite de gala, e logo a seguir cometer argoladas destas que não têm o menor tipo de sentido ou coerência.
Continuando, citando palavra a palavra o presidente do FC Porto: «No caso do Herrera, se tivéssemos vendido ou vendêssemos, só temos parte do passe. Portanto, não era tudo... Se pagássemos o que ele queria para a renovação, que eram 6 milhões de euros, éramos nós que pagávamos tudo, mas se vendêssemos tínhamos que distribuir...»
É uma novidade, e salutar: pela primeira vez, aparenta haver preocupação por ter que «distribuir» o dinheiro da venda de jogadores. Já era hora. Repare-se que, neste mesmo Relatório e Contas, o FC Porto fartou-se de distribuir na
venda de Ricardo Pereira ao Leicester: a sua venda foi intermediada pela PP Sports. Quem? Nada mais, nada menos que a empresa que sucedeu à
Energy Soccer (mudou de nome em 2017, mas manteve a morada e o mesmo escritório), que ficou celebrizada pela participação de Alexandre Pinto da Costa na empresa e que aparecia frequentemente a intermediar negócios de jogadores que não representava no FC Porto. Além destes serviços de intermediação, o FC Porto pagou uma percentagem ao Vitória de Guimarães e outra à bem conhecida Pacheco & Teixeira. Descontando tudo, o FC Porto recebe de Ricardo Pereira bem menos do que os 80% que receberia de Herrera. Mas aqui não aparentou ter havido problema.
Depois, o valor. Seis milhões de euros. Mas o que é que significa, afinal, pedir seis milhões de euros?
1. Herrera queria 6 milhões de euros de prémio de assinatura?
2. Herrera quer passar a ganhar 6 milhões de euros por ano?
3. A extensão de mais 2 ou 3 anos de contrato custariam mais 6 milhões de euros?
4. Os seis milhões pressupõe prémio de assinatura + aumento salarial?
5. Os seis milhões constituem o prémio de assinatura mais a comissão para os seus representantes?
6. Os seis milhões implicam um novo acordo por direitos de imagem?
7. Há um contrato por objetivos que obriga o FC Porto vender Herrera ou a rever o salário mediante a recusa de X propostas?
8. Este mesmo relatório e contas mostra que a operação de renovação de contrato de Aboubakar custou 5,1 milhões de euros. Não se sentirão outros jogadores no plantel no mesmo direito de ter as mesmas (ou melhores) condições e, até neste caso, entre eles Herrera?
Não sabemos. Pinto da Costa lançou a bomba ao ar e deixou que o tema se dividisse entre adeptos e imprensa, entre discórdia e especulação. O máximo que Pinto da Costa consegue com esta afirmação é colar uma imagem de ingratidão a Herrera e de exigências incomportáveis do ponto de vista salarial. Estamos a falar do capitão do FC Porto, que está na mesma situação que Marcano ou Maxi na época passada, mas Pinto da Costa decidiu que era boa ideia meter isto cá para fora.
Se se cruzarem com qualquer jogador do FC Porto da década de 90, eles dirão isto: «Para Pinto da Costa, o balneário é um templo, é sagrado». O presidente blindava o balneário como poucos, protegia os jogadores, afastava as polémicas. Neste caso, é o próprio presidente quem decide atirar a bomba e deixar que os efeitos se alastrem. O que ganhou com isto? Está à espera que no final da época se culpe Herrera, o pesetero, em vez da administração que se gabou de rejeitar 30 milhões de euros pelo mexicano e que deixou o ativo chegar ao final de contrato? Cada adepto que tire as suas conclusões, mas quem fica a arder são os cofres da SAD.
Já agora. Por que é que só houve aquele desabafo sobre Herrera? Então e sobre Brahimi, nem uma palavrinha? Que tal esclarecer os portistas sobre a
lose-lose situation em que o argelino, saia ou renove, implicará um pagamento de
6,5 milhões de euros à Doyen? Só Herrera é que interessa?
Ou então bastava não ignorar que o Relatório e Contas estava literalmente ali ao lado e que é fácil tirar conclusões sobre o porquê da ausência de renovações de contrato. O orgulho de Fernando Gomes em afirmar que a SAD cumpriu as metas da UEFA era tanto que isto quase escapava: a SAD não tinha praticamente margem para renovar contratos na época passada, uma vez que estava no limite da margem autorizada pela UEFA.
O FC Porto não poderia apresentar mais de 20 milhões de euros de prejuízo nos parâmetros definidos pela UEFA. Ficou-se pelos 17,2 milhões. Ou seja, «sobraram» 2,8 milhões de euros. As renovações com Herrera e Brahimi dificilmente ficariam, cada uma, por menos desse preço, pois estamos a falar de jogadores de 28 anos que, após várias épocas em Portugal, pensam naturalmente em contratos mais vantajosos e na possibilidade, talvez única, de jogarem em ligas mais apelativas.
Mas atenção. Não havia dinheiro para isto, mas houve dinheiro para, em junho, comprar Janko por 2,25 milhões de euros (por 80% do passe) e metade do passe de Rafa, ao Portimonense, por 1,5 milhões de euros - e note-se que Rafa havia sido cedido ao Portimonense em janeiro. Um negócio quase tão maravilhoso como a compra de Ewerton - dispensam Rafa em janeiro para recomprá-lo em junho, mesmo sem que houvesse intenção de Sérgio Conceição em reservar um lugar para ele no plantel (nem integrou o arranque dos trabalhos de pré-época). Só aqui são quase quatro milhões de euros que não serviram o propósito de reforçar o plantel e que, numa época sem grande margem para investimentos, poderiam ter sido muito mais bem usados. Os jogadores e os seus representantes não vivem na ignorância: eles conhecem estes casos e as contas do clube.
Repare-se que a administração poderia ter aproveitado a oportunidade de realçar a importância que teriam para Sérgio Conceição e para o ataque ao bicampeonato. «Meus senhores, são jogadores importantes para o treinador, para o ataque ao bicampeonato e para as nossas ambições europeias». Mas não. O problema é que a SAD não tem o passe todo de Herrera e que ele pediu seis milhões para renovar - seja lá o que isso signifique.