O FC Porto B está na sua sétima participação consecutiva na II Liga. Já se sagrou campeão nesse escalão, mas tem estado muito, muito distante daquilo que era idealizado como «viveiro» de jogadores para a equipa A. Uns por falta de oportunidades, outros por falta de qualidade. A determinada altura, por exemplo, era necessário um lateral-esquerdo na equipa principal, estavam a negociar Zakarya com o Belenenses e nessa mesma altura estavam quatro defesas-esquerdos a fazer a pré-temporada na equipa B (Diogo Bessa, Inácio, Oleg e Luís Mata).
André Silva acaba por ser o caso mais bem sucedido desde 2012, na medida em que cumpriu quatro dos cinco patamares que deveriam existir neste processo - a saber, 1) qualidade; 2) promoção; 3) rendimento; 4) êxito coletivo, que acabou por não existir, face à ausência de títulos; 5) transferência/valia financeira.
Mas serve isto como ponto de partida para uma análise diferente, um olhar sobre aquilo que tem sido o FC Porto B desde a sua criação, com particular incidência num mercado que é muito querido ao FC Porto: o Brasil. Desde que a equipa B foi recuperada, já foram recrutados diretamente 23 jogadores a clubes brasileiros. Poderíamos falar de africanos, sul-americanos, portugueses, mas para já vamos analisar apenas uma parcela: o mercado brasileiro com destino à equipa B. 23 jogadores, ou seja, um plantel inteiro. Desses 23 jogadores brasileiros contratados, conseguem adivinhar quantos chegaram a jogadores de equipa A?
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Um. Otávio. Entre 23 jogadores contratados no Brasil, o FC Porto só acertou num: Otávio, que não foi propriamente um achado, pois já custou 7,5 milhões de euros por 68% do passe (foram cedidos posteriormente 0,5%) e era um jogador sobre o qual havia sentido desportivo em ser aposta. Já tinha 60 jogos de Brasileirão nas pernas e, embora a sua contratação não tivesse passado por um pedido/desejo da equipa técnica da altura, sabíamos que havia ali talento. Caro, mas material para se trabalhar, tanto que com outro treinador poderia até eventualmente ser logo acolhido na equipa A.
Passamos agora um olhar sobre os jogadores que foram contratados a clubes brasileiros nas respetivas épocas:
2012-13: Diogo Mateus, Víctor Luís, Anderson Santos, Guilherme Lopes, Sebá, Dellatorre;
2013-14: -
2014-15: Diego Carlos, Otávio, Roniel, Anderson Dim;
2015-16: Rodrigo Soares, Maurício, Wellington Nascimento, Ronan, Enrick Santos, Gleison;
2016-17: Inácio, Galeno;
2017-18: Luizão, Danúbio, Anderson Canhoto;
2018-19: Diego Landis, Emerson Souza.
Pergunta: quantos destes jogadores estão, neste momento, a jogar numa I Liga europeia, em clubes minimamente conhecidos ou com presenças nas provas da UEFA? É certo que nem todos estão condenados ao insucesso (Galeno, por exemplo, começou agora a jogar com regularidade no Rio Ave), mas a maioria destes jogadores «desapareceu» do mapa depois de ter representado o FC Porto B.
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Otávio contra a maré, à quinta época em Portugal |
Otávio é, efetivamente, o único que ficou no plantel principal para ser opção, ao contrário por exemplo de Sebá, que teve um tempo de participação mínimo na equipa A. E o próprio Otávio não só foi uma contratação cara como vai para a quinta época em Portugal, ainda à procura da afirmação.
Tomemos o exemplo da primeira «fornada». O jogador que mais se destacou,
Sebá, acarretava custos completamente
injustificados e em boa hora não ficou no FC Porto - está atualmente na China. Dellatorre, que passou a época como titular na posição 9, está agora no APOEL, após ter jogado na Tailândia. Víctor Luís regressou ao Brasil e por lá continua, tendo evoluído ao serviço de Botafogo e Palmeiras. E o que é feito de Diogo Mateus, Anderson Santos e Guilherme Lopes?
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O pioneiro de uma saga pouco proveitosa |
Anderson Santos, desde que regressou ao Brasil, já esteve dois anos sem clube e está atualmente ao serviço do São Mateus, clube dos escalões inferiores. Diogo Mateus pertence ao Ferroviária, da Série D. E Guilherme Lopes... acabou a carreira. Estamos a falar de um jogador que, ao longo da sua estadia no FC Porto B, jogou o total de... um minuto na II Liga. Um minuto. Regressou ao Brasil e terminou a carreira aos 24 anos.
Mas não foi o único que passa de bom o suficiente para merecer um lugar no FC Porto para tão mau que tem que deixar o futebol. Enrick Santos, contratado em 2015, jogou apenas 23 minutos, na última jornada da época. Na época seguinte não arranjou clube e deixou o futebol aos... 20 anos. Há vidas piores: passam um ano a treinar no FC Porto, com tudo pago, jogam um ou dois jogos e voltam ao Brasil. Não deve haver programas de Erasmus melhores.
Vejamos Anderson Dim, contratado em 2015. Na época seguinte foi logo cedido ao Freamunde. E correu tão bem que ficou sem clube até 2018, ano em que foi contratado pelo Coimbra Esporte Clube. Nada mais, nada menos que o clube ao qual Otávio foi «contratado» e que é controlado pelo bem conhecido BMG. Um talento incompreendido, por certo. Igual exemplo foi o Anderson Canhoto, na época passada. Jogou 20 minutos em toda a época, voltou ao Brasil e está agora no quarto escalão. Ou Ronan, que chegou, jogou dois jogos e está agora no estimável Nova Iguaçu.
É certo que nenhum clube acerta em todas as contratações. O Real Madrid também não vai buscar todos os jogadores ao Castilla, e o Barcelona não dá oportunidades a tudo o que sai de La Masia. Mas isto não é apenas o olhar a dois ou três negócios que correram mal: são 23 jogadores contratados, sete anos de trabalho de scouting/prospeção (?) e dos quais só se aproveita, até hoje, um jogador para a equipa A.
Mas afinal, quem são os responsáveis por tanta importação de jogadores de qualidade duvidosa oriundos do Brasil? Não estamos a falar de jogadores que possamos dizer «olha, tinha talento, mas não se adaptou». Estamos a falar de rapaziada que regressa ao Brasil pela porta pequena, para jogar nos escalões inferiores, e que termina a carreira aos 20s.
Em Abril de 2016, Pinto da Costa anunciou que estava a dividir a estrutura em seis setores. Passando a citar o presidente do FC Porto:
«De acordo com os estatutos que foram discutidos e aprovados em Assembleia Geral, e em que eu não interferi em nada, foi decidido que os 14 vice-presidentes passavam a seis e os dez diretores passavam a seis. Nesse sentido, dividi o clube em seis setores: o financeiro, do qual será responsável o dr. Fernando Gomes; o jurídico, que estará a cargo do dr. Adelino Caldeira; o futebol de formação será da responsabilidade do sr. Antero Henrique; o Património será da competência do eng.º Eduardo Valente; as casas, filais e delegações serão da competência do sr. Alípio Jorge. E introduzi um novo setor, que é o do planeamento dos novos projetos e do qual será responsável o professor Emídio Gomes, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Norte.»
Portanto, seis setores com intervenção da cúpula da SAD: financeiro, jurídico, formação, património, casas/filiais e novos projetos. Alguém notou a falta de alguma coisa? Prospeção? Contratações? Era sabido que Antero Henrique tinha sido designado o responsável pelo «futebol de formação». Entretanto veio Luís Gonçalves, para ocupar o cargo de Antero, mas sem nunca ter sido especificado/esclarecido se assumiria também todo o controlo da formação.
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Nota: Chidozie é o único jogador do plantel campeão da II Liga que está na equipa A |
Então, até quando o próprio FC Porto colocará a si próprio a questão: todo este investimento na equipa B e, em concreto, no mercado brasileiro, valeu a pena? Quem está a identificar estes craques incompreendidos? Como são observados jogadores que, em alguns casos, nem jogam no Brasil?
E a verdade é que, ao observar estes 23 jogadores, podem observar um padrão um tanto dominante que envolve muitas vezes as mesmas entidades. Começamos pelo Algarve. A SAD do Portimonense tem como accionista maioritário Teodoro Fonseca, que saltou para a ribalta como empresário de Hulk e que enriqueceu/cresceu às custas da proximidade com o FC Porto.
Ora, Maurício, Gleison e Inácio são exemplos de jogadores que chegaram ao FC Porto por via do Portimonense, clube com quem o FC Porto fez o negócio mais estranho do defeso: a compra e consequente dispensa de Ewerton, de volta ao ponto de partida. Ewerton, curiosamente, chegou a Portugal após ter deixado o Desportivo Brasil.
O Desportivo Brasil foi fundado pela Traffic, empresa que ficou conhecida em Portugal quando assumiu o controlo do Estoril, e em 2014 foi comprada pelo grupo chinês Luneng. Este mesmo clube foi a porta de entrada de Dellatorre ou Diego Carlos para o futebol português e também serviu o propósito de «armazenar» jogadores até transferi-los para a Europa.
E neste Campeonato, ninguém bate o
Grêmio Anápolis, um clube controlado pelo empresário António Teixeira (
sim, esse), dono da Promosport e que todos os anos distribui vários jogadores do clube brasileiro por equipas portuguesas. Roniel, Wellington (que nem chegou a jogar pelo FC Porto - foi logo cedido ao Leixões), Rodrigo Soares, Galeno e Danúbio (o nome mais sugestivo da história do futebol) chegaram ao FC Porto através do referido clube.
No último verão, foi a vez de Diego Landis e Emerson Souza assinarem pelo FC Porto. Landis é oriundo do já mencionado Desportivo Brasil, enquanto Emerson jogou um total de 109 minutos de futebol em 2018. Esteve em Israel, ingressou no Rio Branco de Venda Nova e estava sem jogar praticamente desde o início do ano.
Chegou ao FC Porto B como um ilustre desconhecido e já recebeu guia de marcha, tendo sido emprestado ao Fafe. Como exatamente é que avaliaram um jogador que não jogava, fica a questão, mas o site brasileiro Tribuna Online tem uma versão: «O caminho dele até Portugal começou na Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2017, quando atuou pelo Nacional/SP e foi descoberto pelos empresários portugueses Pedro Silva e Jorge Boas, que prepararam um DVD com lances do jogador.» OK. Não jogou em 2018, mas tem um DVD com os lances de 2017. Bem dizem que a qualidade não tem prazo de validade.
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Emerson, o 23º brasileiro na equipa B, chegou, viu e já saiu |
Mas o que mais há a destacar de Emerson é a sua franca humildade e sinceridade. Estamos numa era em que todos os jogadores querem ganhar mais, procuram melhores condições financeiras e tentam sempre puxar o salário. Uma ambição normal, não só em qualquer futebolista como em qualquer trabalhador de qualquer área. Mas Emerson não. Emerson é um caso único, citando o próprio jogador:
«"Não esperava ganhar tão bem em tão pouco tempo. Todo mês eu ajudo minha família”, comentou o capixaba, que também elogia a estrutura do clube português: “Eles gostam muito de brasileiros e dão todo o suporte”». Ficamos com grande expetativa em acompanhar a evolução de Emerson, o jovem craque que não esperava ganhar tão bem em tão pouco tempo, e de vê-lo espalhar magia no Municipal de Fafe.
Até lá, sobra a questão: que género de scouting é este no mercado brasileiro que se limita a catálogos de três ou quatro clubes/empresários? Um país tão grande, um viveiro de talentos tão conhecidos, e vêm sempre pela mão dos mesmos? Em 23 contratações, ao longo de sete anos, só acertamos num jogador com vista à equipa A? Como é que há jogadores que têm qualidade para atravessarem o Atlântico e assinarem pelo FC Porto, mas logo a seguir nem clube conseguem arranjar e terminam a carreira? Brasileiros e talentos, sim, são bem vindos. Mas a via que os tem trazido e o proveito do passado recente não combinam com o futuro que todos (?) queremos para o FC Porto.