Qualquer pessoa pode ganhar dinheiro no futebol, sobretudo após a FIFA ter liberalizado o mercado de intermediários. E a limitação das intermediações a 3% do valor das transferências entre clubes iria trazer uma nova realidade a quem, não pertencendo necessariamente ao futebol, ganha dinheiro através do futebol há muitos anos: mais free agents e mais Rentistas. Ou mais Sud Américas.
Tradição, não novidade |
Não é uma prática inaugurada por Osvaldo, nem há um par de anos, nem nesta década. É uma prática recorrente no futebol português, envolvendo não só todos os grandes clubes como aqueles que passaram da primeira liga à extinção em pouco tempo: os jogadores passam, o dinheiro não fica lá e o clube não tem como resistir.
Um exemplo para lançar o tema, o Salgueiros e... Deco. Deco já estava na mão de Jorge Mendes quando o FC Porto o comprou, por cerca de 400 mil contos na altura, apenas por metade do passe. Já estava plantada a realidade de empresários/fundos chegarem, muitas vezes, primeiro do que os clubes aos jogadores. E às vezes chegam ao mesmo tempo, por mútuo interesse, e faz-se a ponte.
Mais tarde, já após Sevilha, o FC Porto acaba por comprar mais 40% por um total de 3,5 milhões, 700 mil contos na moeda antiga. Sempre ao ritmo de Jorge Mendes, empresário que já deu muito dinheiro ao FC Porto (à imagem do que faz com o Benfica), mas que também já ganhou muito, mas mesmo muito às custas do clube. Deco foi só um exemplo, mas até poderíamos recordar Anderson, que foi vendido à Gestifute uma semana antes de o FC Porto o ter contratado.
A diferença é que sabemos com o que podemos contar com Jorge Mendes. Negócios exorbitantes e essenciais para as contas da SAD, como Falcao, James, Moutinho e Mangala, passaram pelas suas mãos, embora a preço pago e bem pago. O problema são outras pontes sem rosto.
Alex Sandro, Hulk e Walter são exemplos de jogadores que são inscritos em clubes fantasma, alvos de investimentos inflacionados no momento da contratação e aos quais o FC Porto se submeteu para conseguir os jogadores. Mas todos eles tinham algo em comum: eram jovens, não estavam livres de vínculos, havia perspetivas de evolução e futura transferência (ninguém preveria, no momento da contratação, aquilo em que Walter se tornou). Com Osvaldo, é simplesmente mama descarada.
Meios desnecessários para um fim |
Osvaldo está sem clube desde o início do mês. Assina pelo Sud América para depois assinar pelo FC Porto. E o que seria uma transferência em free agent torna-se uma transação entre dois clubes, com tudo o que isso implica: comissões que seriam evitáveis. Poderiam dizer, «se o FC Porto quer o jogador tem que aceitar estas condições». Provavelmente não tem. Osvaldo tem idadezinha para decidir o seu futuro. É difícil de imaginar um jogador com tantos problemas de hierarquização no seu passado como um refém da vontade de um grupo de empresários ou dirigentes. Osvaldo quer o FC Porto e o FC Porto quer Osvaldo? Sim. Então é mesmo necessário ir ao Uruguai para chegar a esse desfecho?
São coisas dos meandros do futebol, que não se tornam novidade com Osvaldo, mas podem e dever implicar questões. Dois casos muito célebres foram também Caballero e Kayembé. O primeiro iria custar apenas direitos de formação, dizia o advogado, mas acabou por custar 1,53M€, pagos à MHD, S.A. Já Kayembé estava livre, sem contrato profissional com o Standard, e um ano depois custa 2,65M€ por 85%, pagos à Danubio Finanzierungsleistungen und Marketing GMBH. A Danubio e a MHD não são mais do que uma variação de Rentistas: basta um escritório numa esquina qualquer e um registo comercial. Vida boa.
Como agora os fundos/empresários não podem ter direitos económicos de jogadores, os Rentistas e os Sud Américas vão multiplicar-se. E as transferências a custo zero, que de zero nada têm, também. Osvaldo é o primeiro exemplo. Se marcar 30 golos e o FC Porto for campeão, ninguém se lembrará dos meios, nem questionará o quanto custará. Mas impõe-se sempre a reflexão: até para contratar no mercado nacional a Doyen interferiu - e sem a Doyen não haveria nenhum investimento alto neste defeso -, e até para contratar um jogador livre tivemos que ir fazer ponte ao Uruguai. Que autonomia resta?
A Osvaldo resta desejar juízo e boa sorte. Há muita gente a esperar grandes coisas de ti. Ah, e o FC Porto também.
PS: Quantos dos brasileiros (e já são sete, com mais dois provenientes do Rentistas Sud America Portimonense) que chegaram ao FC Porto B continuarão no clube em 2016-17? Será interessante descobrir.