quinta-feira, 19 de julho de 2018

Não há milagres (duas vezes)

Como futebolista ou treinador, Sérgio Conceição sempre privilegiou o contacto direto com Pinto da Costa. Não raras vezes ao longo da última época ouviram-lo dizer: «Isso é entre mim e o presidente». Gestão do grupo de trabalho, questões diárias, construção do plantel: foi sempre entre treinador e presidente.

Posto isto, só podemos questionar o quão Sérgio Conceição terá chegado ao limite para, após um simples jogo de pré-época e com 15 dias de trabalho, ter colocado o dedo na ferida e falado abertamente dos constrangimentos que existem neste momento no plantel do FC Porto. 

Estamos a falar de um treinador que, ao longo de toda a época 2017-18, sempre comeu e calou - aliás, comeu e trabalhou. Não havia reforços? Pegou na lista de dispensas. Danilo lesionou-se? Muda-se a matriz de jogo. Troca aqui, adapta acolá e a época terminou com o título ganho, com recorde de pontos no Campeonato e objetivos cumpridos na Champions. Sérgio Conceição nunca se queixou. Não fez omeletes sem ovos: fez um banquete. 

E agora, em plena pré-época, não precisou de mais de duas semanas para dar um murro na mesa. E como é óbvio, jamais Sérgio Conceição sentiria necessidade de vir a público falar abertamente desse problema se tivesse garantias de que os reforços chegariam muito bem breve. Que ganharia Sérgio Conceição em vir agora queixar-se se soubesse que, dentro de um par de dias, já teria caras novas e poderia dispensar algumas unidades do grupo de trabalho?

Sérgio Conceição renovou contrato a 24 de maio, há quase dois meses. Desde então, o FC Porto contratou três jogadores: João Pedro, Saidy Janko e Ewerton. Só o brasileiro chegou ao Dragão com a concordância do treinador. 

Por isso, desde logo, questiona-se como é que, desde que o treinador campeão nacional renovou contrato, já chegaram mais jogadores de que ele não precisava do que aqueles de que necessita. 

A saga do pensamento da massa adepta em relação à contratação de Janko foi uma autêntica montanha russa. Primeiro fazia sentido, pois Sérgio Conceição treinou cinco meses em França e por isso passou a conhecer todos os jogadores da Liga francesa - até aqueles que, como Saidy, não tinham mostrado mais do que medianas qualidades. Primeiro era para jogar a lateral-direito, no lugar de Ricardo Pereira. Depois afinal poderia ser para lateral-esquerdo. Mas pouco depois já era solução para jogar mais à frente, no meio-campo. Voltas e mais voltas a tentar compreender o porquê desta contratação. A conclusão parece iminente: afinal não era um desejo do treinador e vai muito provavelmente seguir por empréstimo.

Poderão dizer que dois milhões de euros não constituem uma compra muito extravagante. Mas são. São para um clube que continua sob restrições da UEFA para o cumprimento do fair-play financeiro e que não investe no treinador que fez do FC Porto campeão em 2017-18. Como se sente um treinador que vê que não há dinheiro para umas coisas mas aparenta haver para outras? 

Ewerton, tal como Saidy, não foi um pedido de Sérgio Conceição. E francamente, se não fosse um jogador do Portimonense, ou mais concretamente do clube cuja SAD tem como accionista maioritário Teodoro Fonseca, provavelmente nunca teria assinado pelo FC Porto. 

Isto não pode ser confundido com desprimor pelo jogador. Se calhar não deve haver jogador mais feliz do que Ewerton por, neste momento, estar a trabalhar no FC Porto. Mas estamos a falar de um jogador que se exibiu a um nível não mais do que mediano na última época e que não é melhor do que os que já cá estavam. «É para o lugar de André André», dirão. Claro. André André foi titular três vezes no último Campeonato, teve uma utilização residual e o FC Porto tem uma equipa B cara e sob constante investimento (em agosto entraremos com maior profundidade neste assunto e aproveitaremos para analisar alguns negócios que têm envolvido a equipa B...). A sério que o papel que André André desempenhou em 2017-18 necessitava de uma ida ao mercado? Por certo que não. 


Sérgio Conceição falou em «meia dúzia de jogadores sem capacidade» para jogar no FC Porto. Depois enumerou sete nomes (Oleg, Mikel, Diogo Leite, Saidy Janko, Ewerton, Bruno Costa e André Pereira - todos lançados na segunda parte) e concluiu que eram necessárias condições. Entre estas 7 unidades, nenhuma delas tem em vista a titularidade ou um papel minimamente ativo na equipa base. A estes nomes poderíamos juntar Chidozie, Hernâni, Paulinho, Adrián ou até Waris.

Olhando ao plantel, neste momento o FC Porto está mais fraco do que a época passada. João Pedro, naturalmente, não tem ainda nem de perto nem de longe o nível de Ricardo Pereira. Iván Marcano, o melhor central do FC Porto, saiu e ainda não tem substituto. E isto não implica mudar apenas um jogador, mas sim uma dupla de centrais. Basicamente Sérgio Conceição perdeu apenas dois jogadores. Não é o fim do mundo: é natural isso acontecer no FC Porto. Não deve haver treinador que não tenha perdido pelo menos 2 titulares de uma época para a outra no FC Porto. O problema é que saíram dois jogadores que não têm, ainda, alternativas do mesmo nível num plantel que por si só já era curto.

Sérgio Conceição quer soluções porque sabe que necessita de outra forma de jogar em 2018-19. Não podemos estar novamente dependentes das bolas paradas de Alex Telles, dos lances individuais de Brahimi e de bolas despejadas para Marega ganhar na dimensão física. A determinada altura o futebol praticado pelo FC Porto na época passada foi previsível e limitado, mas de facto não havia muitas mais soluções. Sérgio Conceição quer evoluir, quer novas formas de jogar, quer mais qualidade. Merece essas condições. 

Poderíamos discutir a questão financeira, recordar que é difícil comprar antes de vender... Mas isso deixa de fazer sentido quando vemos que, das 3 contratações já efetuadas em 2018-19, duas delas não serviram pedidos do treinador para fazer face às necessidades do futuro próximo.

Além disso, poucos dias após Sérgio Conceição ter renovado contrato, ouvimos o diretor de comunicação do FC Porto afirmar isto: «Neste preciso momento em que estou a falar o FC Porto já pode gastar 34 milhões de euros. O FC Porto já tem 22 milhões de euros garantidos de Ricardo Pereira, dado que vendeu por 20 mas dois já estão garantidos. Mais os 12 milhões de euros de Boly. Não quer dizer que vá gastar, mas já pode. Querem sempre passar a ideia de que o FC Porto está refém do 'fair-play financeiro'. Não é verdade. Teve um aperto, mas está a sair dele graças às medidas da administração que resultaram muito bem».

É de recordar que esta afirmação foi feita ainda antes da saída de Diogo Dalot para o Manchester United. E foi feita no mesmo dia em que ouvimos isto: «Na época passada [a SAD] fez 63 milhões de euros e podia ter gasto o mesmo valor. Não o fez por uma decisão da administração». Ok. Podia ter gastado 63 milhões de euros, mas vá, ficaram-se pelo Vaná, segundo algumas teorias para evitar que fosse para o Benfica - boa lógica, de todos os jogadores que poderiam desviar do Benfica, desvia-se um terceiro guarda-redes. 

Francisco J. Marques não faz parte do Conselho de Administração da SAD, não é a pessoa indicada para falar ou responder a estas questões, mas também não ouvimos Pinto da Costa ou Fernando Gomes falar da realidade financeira e das expetativas para 2018-19. Então afinal há dinheiro? Há condições para dar condições a Sérgio Conceição? 

É imperativo. O plantel necessita de reforços - reforços, não contratações! - em todos os setores. Não é preciso imaginar quais: Sérgio Conceição sabe e já os pediu. Os mais otimistas não tardarão em dizer: «Na época passada também diziam que o plantel não servia e fomos campeões com recorde de pontos!» É verdade, sim senhor. Mas Sérgio Conceição, o primeiro a acreditar na época passada, não hesitou em ser o primeiro a desacreditar face às condições que tem agora em mãos. Não pode haver maior alerta do que este. 

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Análise 2017-18: os atacantes (2)

Contrato até 2021
Vincent Aboubakar - No início da época, perspetivava-se que Aboubakar, sendo titular, conseguiria sem problemas superar as contribuições em golos de André Silva na última época. E assim foi, com o camaronês a conseguir 26 golos e 7 assistências. Mas o mais notório é que Aboubakar praticamente fez isso em meia época, o que diz muito do elevado rendimento que teve até janeiro e da grande quebra que sofreu desde então. 

Entre problemas físicos e quebra de rendimento, Aboubakar fez apenas um golo e uma assistência nos últimos quatro meses da época. Até então, os seus golos foram sendo sempre sinónimo de vitórias - o FC Porto venceu 18 dos 19 jogos em que Aboubakar marcou. O camaronês, além dos golos que marcou, criou tantas ocasiões de golo flagrantes como Soares e Marega juntos (13), mas dos três foi aquele que teve menor eficácia em duelos ganhos (41%) e dribles eficazes (53%). Embora grande parte dos golos de Aboubakar pareçam quase sempre obtidos em esforço (há quase sempre um ressalto ou um desvio ao barulho), terminou a época como melhor marcador da equipa, mas a sua época teve claramente um «antes» e «depois». O mesmo é dizer que o Aboubakar da primeira parte da época tem tudo para se manter como referência goleadora da equipa, mas o Aboubakar pós-janeiro não pode carregar as dependências ofensivas da equipa. 

É de recordar que a SAD comprou a totalidade do passe de Aboubakar no decorrer da época, elevando o seu custo total a 11,5 milhões de euros, além da operação de renovação de contrato ter custado 5,1 milhões de euros (verba que inclui prémio de assinatura e comissões, tendo sido uma das renovações contratuais mais caras da história da SAD). É um ativo que tem que continuar a ser rentabilizado, até porque não aparenta haver compradores (pelo menos que agradem a todas as partes) que cubram o investimento em Aboubakar, mas o avançado tem que ser mais do que um jogador de meia época, embora ter tido interferência direta em 33 golos sejam números que muitos avançados não conseguem numa temporada inteira. 

Contrato até 2019
Gonçalo Paciência - Repescado no mercado de inverno, na altura quando a saída de Soares estava a ser negociada, o avançado português acabou por ser remetido a um papel secundário no FC Porto, até porque o brasileiro acabou por ficar no plantel. Foi apenas duas vezes titular, uma contra o Sporting (o único jogo em que conseguiu ter interferência decisiva, no passe para Brahimi), e de resto foi suplente utilizado de forma residual. A segunda metade da época acabou por quebrar o rendimento que estava a ter em Setúbal e, neste momento, parte no último lugar da hierarquia de opções para o ataque e dificilmente o FC Porto terá interesse em ir ao mercado pescar um jogador para ser suplente de Gonçalo Paciência. Ainda assim, face às caraterísticas e talento reconhecido por todos os que já trabalharam com o avançado, a um ano do final de contrato justificar-se-ia a renovação, pois o avançado, mesmo não ficando no plantel, pode perfeitamente ser titular na grande maioria das equipas da I Liga. Tudo dependerá do aval do Sérgio Conceição, sendo certo que ou joga com regularidade em 2018-19, ou arriscar-se-á a carregar o rótulo de eterna promessa. 

Contrato até 2020
Moussa Marega - O inesperado melhor marcador da equipa no Campeonato. Semana após semana, Marega conseguia combinar os mais sofríveis números no contacto com bola com a garantia de que ia fazendo um golo por jornada. Sérgio Conceição encontrou uma forma de encaixar a dimensão física de Marega na equipa e fazer com que o maliano, embora poucas vezes conseguisse acertar uma diagonal ou um cruzamento, tivesse sempre presença no ataque, ajudasse a esticar o jogo e a pressionar a linha defensiva adversária. Não é assim tão comum conseguir 22 golos no Campeonato - o último a fazê-lo foi Jackson, em 2013 -, por isso Marega distingue-se pela média de golos que conseguiu na Liga, uma surpresa que talvez não encontra paralelo desde os tempos de Pena. 

E agora? Agora seria a oportunidade perfeita para conseguir uma grande venda com Marega. Um jogador pelo qual ninguém dava dois tostões (daí que a SAD tenha dado 30% do passe de Marega ao Vitória de Guimarães aquando da contratação de Soares), que só não foi dispensado no início da época porque não sobravam mais opções e que foi reabalitado. O próprio jogador, mesmo sendo aclamado pela massa adepta, não se inibiu de afirmar que gostaria de ir para Inglaterra, mesmo sem saber se haveria propostas: Marega sabe que esta época foi única. Tem 27 anos, dois anos de contrato para cumprir e há que ter em conta o desempenho nos jogos grandes.

Entre Champions, clássicos e até os jogos com o SC Braga, foram 15 partidas em que Marega não só ficou em branco como foi sendo invariavelmente a unidade de menor rendimento na equipa - exceção à exibição no Mónaco, onde fez duas assistências. É certo que a I Liga não tem apenas quatro equipas, por isso Marega pode continuar a ter golo contra a maioria dos adversários, mas é altamente improvável ultrapassar este pico de valorização. O jornal O Jogo já deu conta de uma alegada recusa de 25 milhões de euros por Marega e, sendo verdade, seria apenas e só uma das três melhores (não confundir com maiores) vendas da história do FC Porto. A média de golos é um mérito intocável, mas Marega desperdiçou tantas ocasiões de golo flagrante como Soares e Aboubakar juntos (21 - 9 delas em clássicos), embora dos três o maliano tenha sido o jogador que melhor eficácia de dribles (65%) e duelos ganhos (48%) teve, tendo sido também o mais rematador (96 disparos na Liga, contra 77 de Aboubakar e 53 de Soares). Ainda assim, e apesar da evolução desde o início da época, foi o pior passador do plantel (67%) e o jogador com maior percentagem de perdas de posse nas provas da UEFA. Continuar a apostar num esquema de jogo tão dependente da dimensão física de Marega é uma fórmula que pode não surtir o mesmo sucesso na próxima época. Por isso, sim, se houver propostas, poderá ser a altura ideal para Marega sair... Restando saber se Sérgio Conceição planeia, ou não, continuar a apostar num esquema que privilegie - ou que faça mesmo depender - a presença de Marega.

Contrato até 2021
Tiquinho Soares - Se Aboubakar só durou até janeiro, Soares só durou em fevereiro. Esteve à beira de sair no mercado de inverno, mas o negócio falhou e Soares acabou por permanecer no plantel, tendo de imediato sido puxado para a titularidade por Sérgio Conceição, que recuperou bem o avançado. Soares entrou a matar, com 10 golos em fevereiro, mas desde então não mais voltou a marcar, vítima de uma lesão que lhe tirou um mês de competição numa altura em que estava em excelente forma. O brasileiro já tinha tido o azar de perder a titularidade logo no arranque da época, fruto de nova lesão, e a sua produtividade ofensiva acabou por se revelar curta nas últimas semanas da temporada. Dificilmente terá mercado para sair e tudo aponta para a sua continuidade no FC Porto, com o desafio de ter que melhorar a sua média de golos na Liga (um a cada duas jornadas).