quinta-feira, 14 de julho de 2016

Velocidade vertiginosa

É mais ou menos consensual que falta um extremo ao plantel do FC Porto para atacar a época 2016-17. Um extremo, ou o extremo. Mas que falta ali alguém, falta. Agora imaginemos que era possível contratar um extremo com as seguintes caraterísticas:

a) Alta velocidade;
b) Dono de assinaláveis recursos técnicos;
c) Muito destemido no momento de arriscar o um-contra-um;
d) Faz habitualmente a diferença;
e) Aparece com sucesso em zonas de finalização.

Parece, sem dúvida, interessante. Agora imaginemos que esse extremo já estava no plantel do FC Porto. E não se trata de Brahimi, Corona ou Varela. Trata-se de Zé Manuel, pois foi com todas estas caraterísticas que o reforço jogador contratado a custo zero foi apresentado no site do FC Porto, com destaque para esta frase: «Se o sistema da carta de condução por pontos se aplicasse nos relvados, Zé Manuel já teria perdido muitos por excesso de velocidade».

Sami  Zé Manuel
Nenhum portista vai poder ver essa velocidade vertiginosa de Zé Manuel no Dragão, pois já foi, sem qualquer tipo de surpresa, dispensado. Desde do primeiro dia que toda a gente sabe que Zé Manuel iria ser dispensado. Não é uma questão de adaptação, de esperar para ver, de afirmação tardia, de utilidade, de oportunidade de negócio... É simplesmente um jogador sem qualidades para jogar no FC Porto. E isso estava aos olhos de toda e qualquer pessoa que visse jogos do Boavista. Ou, pelos vistos, nem de todas. 

Ninguém, ninguém acerta nas análises a todos os jogadores. Mas há casos tão flagrantes, tão claros, que choca que possam ver o contrário. Não é por acaso que nunca ninguém imaginou que o FC Porto tivesse uma dupla de centrais formada por Sérgio Lomba e Alfredo Bóia. 

De todos os aspetos que possam tentar justificar esta contratação, nenhum se enquadra no campo desportivo. É até de questionar o porquê de Felipe e João Carlos Teixeira terem tido direito a apresentação no Dragão, com direito a foto com o presidente. Já Zé Manuel não teve direito ao mesmo tratamento. Apareceu por lá no primeiro treino, discretamente. Indisponibilidade do presidente para se apresentar ao lado de Zé Manuel (neste caso, Alex Telles não teve a companhia do presidente por Pinto da Costa estar de férias)? Ou ninguém se quis mostrar ao lado desta contratação?

Estamos a falar de um jogador que teve um contrato de cinco anos quando até tinha dificuldades para se impor numa equipa cuja concorrência era Luisinho ou Renato Santos. Quem achou que Zé Manuel era jogador para o FC Porto? Só resta uma teoria possível: era um pedido de José Peseiro e, com a saída do treinador, o Zé Manuel ficou ali caído nos braços. Os portistas questionam qual será então o propósito da contratação de Zé Manuel. Ou então o propósito terá sido cumprido no dia da assinatura do seu contrato.


Entretanto o FC Porto confirmou a contratação de Alex Telles. E é interessante ver a forma como o brasileiro se descreveu nas apresentação: um «lateral de vocação ofensiva», que sobressai nas «assistências, cruzamentos e nas bolas paradas». Ou seja, esta descrição é perfeita para... Miguel Layún.

Bom. Necessário?
Como se pode então enquadrar esta compra? É sabido que Nuno Espírito Santo prefere que os seus laterais deem profundidade, em vez de procurarem o jogo interior. Ora um dos pontos fortes de Layún é o jogo interior, o que faz com que Layún nunca vá conseguir exibir à direita a influência, em termos ofensivos, que tem quando joga à esquerda, por ser destro. Alex Telles (cujo custo leva o FC Porto, uma vez mais, a bater recordes - é a 4ª maior venda da história do Galatasaray, que nunca tinha vendido um defesa por tanto dinheiro) representa um perfil diferente, que se enquadra mais no que deseja o treinador.

Alex Telles é um lateral bastante razoável, de qualidade, uma boa opção. É muito rápido, sobe bem, apoia bem o extremo, progride com bola e procura a linha. E é um jogador que já está no mapa do FC Porto há 3/4 anos, na altura quando a Juventude, em parceria com o banco BMG, já negociava outros voos para o lateral, referenciado como possível sucessor de Alex Sandro. Ou seja, não é nenhuma descoberta de Nuno Espírito Santo, pois é um jogador já há muito conhecido pelo FC Porto. 

Mas embora que seja um jogador que cruza razoavelmente bem, Alex Telles faz poucas assistências e é um lateral que não tem golo (Layún marcou e assistiu mais esta época do que Alex em toda a sua carreira). Não é muito forte fisicamente e, por vezes, falta-lhe alguma agressividade e maior critério a soltar a bola. Terá capacidade para dar mais do que Layún deu em 2015-16? 

Até porque Alex Telles, quando se apresenta, destaca sobretudo o seu papel no ataque, não defensivamente. E há muitos portistas que consideram que Layún, defensivamente, não dá garantias. Resta torcer para que, no final da época, não estejamos a dizer o mesmo sobre Alex Telles: bom a atacar, inseguro a defender. 

Embora seja uma boa contratação, o timing lança naturalmente dúvidas. Isto porque a posição de lateral-esquerdo era das poucas que não estava carenciada no plantel. O FC Porto já estava servido, e bem, com Layún e Rafa (que sai depois de ter sido garantido, pelo presidente, que faria parte do plantel). Logo, se a SAD ainda vai investir 6,5M€ num lateral-esquerdo, escolham uma das quatro: a) má gestão de recursos; b) precaver uma venda de Layún a curto ou médio prazo; c) falta de confiança em Rafa; d) não falta dinheiro à SAD, por isso até pode começar por gastar 6,5M€ numa posição que não está carenciada. 

O FC Porto decidiu avançar para a compra de Layún no final de maio, numa altura em que já se limavam as arestas para que Nuno Espírito Santo fosse o novo treinador do FC Porto. Logo, comprando nessa altura Layún, o FC Porto já tem que saber que planos Nuno teria para ele no plantel. A contratação de Alex Telles não pode mudar nada.

Rafa era, é, um projeto perfeito para pegar de estaca no FC Porto. Vai jogar um ano no Rio Ave, um bom clube para rodar (mãos à obra, mister Capucho), embora considere que já estaria pronto para integrar e ter responsabilidades no plantel principal.

Só tem 4 meses de primeira liga, sim. É pouco? Bem, imaginemos que em 2009 o FC Porto teria achado o mesmo em relação a Cissokho. Não teria preenchido uma grande carência no plantel (na altura a concorrência era fraca, com Benítez e Lino - havia Fucile para jogar à esquerda); não teria tido um papel importante na luta pelo título; não teria feito jogaços contra Atlético e Manchester na sua estreia na UEFA; e não teria saído por 15M€. 

Com a diferença que Cissokho tinha pouca experiência de futebol sénior, sem grande percurso nos escalões de formação, enquanto Rafa está há anos, época após época, a demonstrar que tem tudo para ser o lateral do futuro. Oxalá que o futuro esteja reservado para o final da época, pois o presente já bateu à porta.

Boas vindas a Alex Telles, boa sorte a Rafa e felicidades a Zé Manuel, que nunca poderá deixar de estar grato o suficiente a quem o levou a assinar pelo FC Porto. Quem o fez viu o que mais ninguém viu e que ninguém chegará a ver. Velocidade vertiginosa, só mesmo na rapidez com que recebeu guia de marcha. 

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Um crime, disse Bruno de Carvalho

«É crime assediar um jogador que tem contrato». Estas sábias palavras pertencem ao presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, proferidas em 2013 a propósito de Bruma, que tinha contrato.

Na altura, Bruma estava a ser assediado por outros clubes. Um direito que não assistia a esses clubes, pois era um jogador com contrato com o Sporting. 


E hoje somos surpreendidos pela afirmação do jornal O Jogo, que diz que o Sporting já abordou Helton e que o guarda-redes até já teve conhecimento do salário que lhe seria proposto em Alvalade. 

Podemos citar novamente Bruno de Carvalho: «Eu vou lendo os jornais. Umas coisas devem ser mentira e outras verdade». Mas para os mais esquecidos, cá vai: Helton tem contrato com o FC Porto até 2017. Ainda que não faça parte do plantel, é um profissional com contrato com o FC Porto.

Contrato até 2017
Logo, se o Sporting abordou diretamente Helton sem a autorização devida do FC Porto, então, citando Bruno de Carvalho, cometeu «um crime». 

Não é raro ver jogadores saírem do FC Porto para o Sporting, como foram exemplo Fernando Gomes, Jaime Pacheco ou António Sousa, ou até Rui Jorge ou Hélder Postiga. Em comum, têm todos isto: não tiveram um décimo do sucesso que Augusto Inácio, Paulo Futre ou João Moutinho tiveram após terem trocado o Sporting pelo FC Porto (como Pacheco e Sousa no seu regresso em 86). 

Mas Helton só sai se o FC Porto deixar. A partir do momento em que Helton for um jogador livre, pode jogar onde quiser, de acordo com a sua própria consciência. Mas enquanto está sob contrato com o FC Porto, é o clube quem tem a palavra. 

E se o Sporting quiser, então apresentem lá uma proposta. Certamente que seria uma mais-valia, com muito para ensinar. Afinal Helton foi 7 vezes campeão pelo FC Porto, mais do que o Sporting nas últimas 5 décadas; numa só época ganhou tantos títulos europeus com o Sporting em toda a sua história; e sozinho, tem mais títulos de campeão nacional que todos os jogadores do Sporting juntos. 

Sem dúvida, um poço de experiência... e com contrato com o FC Porto. Se o Sporting contactou Helton sem autorização do FC Porto, cometeu «um crime». Se o quiser, então paguem.

Jornal O Jogo, 08-07-2016

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Não há cláusula para a mística

Pela terceira vez em 5 anos, a SAD fechou uma época financeira com prejuízo. Depois dos 35,7M€ de 2011-12 e dos 40,7M€ em 2013-14, intercalados com resultados positivos de 20,3M€ em 2012-13 e 19,3M€ em 2014-15, a SAD vai voltar a apresentar um dos prejuízos mais elevados da sua história. 

Por norma, o FC Porto não se pronuncia sobre os resultados financeiros no fecho imediato da época. Por isso, o balanço só deverá ser feito em outubro, e isso inclui o enquadramento do fair-play financeiro, sobre o qual há muito ninguém do FC Porto se pronuncia. Embora só em outubro se devam conhecer os números finais do Relatório e Contas da época 2015-16, já é possível prever uma parte significativa. 

A venda de jogadores no período de 2015-16 foi francamente negativa. O FC Porto chegou ao último trimestre com apenas 29,98M€ dos 72,59M€ necessários nos resultados com transações de passes de jogadores. Faltavam à partida 42,6M€, e o FC Porto não comunicou ao mercado nenhuma venda relevante durante os últimos três meses.

Ou seja, a única boa venda declarada no período de 2015-16 acabou por ser Alex Sandro, que saiu no mercado de verão e gerou uma mais-valia de 21,3 milhões de euros. O FC Porto precisava de vender até 30 de junho, não o fez (o FC Porto não comunicou, ainda, a venda de Maicon, portanto ou a venda ainda não foi totalmente fechada ou a SAD considerou que o valor gerado não era relevante para o mercado), e os resultados estão - melhor, estarão em outubro - à vista. 

A insuficiência na rúbrica de venda de jogadores junta-se aos 15,73M€ que já estavam em falta face ao orçamento de 2015-16 nas receitas da UEFA. Tendo em conta que a SAD já fechou o terceiro trimestre com prejuízo de 37,904M€ e a atividade trimestral da SAD não é, por norma, autossustentável, por as receitas operacionais serem sempre inferiores aos gastos (e com o agravamento de não termos o prémio de 12M€ da UEFA que deveria entrar no último trimestre), o prejuízo será elevadíssimo.
Deixem-lo chamar
Dito isto, recuperemos o tema que marcou o último dia. O Jogo noticiou que o mercado (infelizmente não era o Bolhão) chamava por Rúben Neves: O Tribunal do Dragão fez a coisa mais simples do mundo, que foi colocar uma citação de Pinto da Costa, a propósito dos planos para Rúben Neves no FC Porto, sem acrescentar comentários ou considerações. A partir daqui, multiplicaram-se os comentários e as considerações. Todos na caixa de comentários, nenhum no texto do blogue. Conclusivo.

Mas podemos entrar na discussão: o que poderia significar uma venda de Rúben Neves? Certamente que não faltariam motivos válidos para defender a sua saída. Se algum dia acontecer, não faltará quem lembre que rende mais dinheiro do que Paredes, Costinha, Paulo Assunção e Fernando, seus antecessores, juntos; que nunca foi verdadeiramente um titular indiscutível no FC Porto; que é mais importante manter Danilo; que o FC Porto é, e sempre foi, um clube vendedor e exportador, que depende sucessivamente da venda de jogadores e refaz ciclicamente o plantel. 

Não concordar não significa deixar de compreender. Mas neste caso, a saída de Rúben Neves não poderia acontecer. Por estas palavras:

«Espero que ele fique muitos anos no FC Porto. O Rúben tem contrato até 2019 e não até 2017, como por vezes vejo escrito, e nós gostaríamos de o manter no clube, como uma espécie de João Pinto. Ou seja, que ele fosse um símbolo da transmissão da mística por várias gerações. Nunca quererei que saia do FC Porto». Isto não é um recado ao mercado. Isto não é um o FC Porto só vende pela cláusula. Não é um se faltar um euro para a cláusula do Quaresma, eu meto esse euro. Pinto da Costa não estava a falar para os compradores. Estava a falar para os portistas. 

Sim, objetivamente, se Rúben Neves rendesse mais dinheiro do que Paredes, Costinha, Paulo Assunção ou Fernando juntos seria fantástico. Sendo um talento de enorme futuro, nunca foi um titular verdadeiramente indiscutível; não esteve numa base de um FC Porto campeão. Mas com 19 anos, seria suposto o quê?

A permanência de Rúben Neves era essencial. Pinto da Costa prometeu que o FC Porto, com o novo contrato de direitos televisivos, iria apostar num modelo de continuidade de jogadores, ao invés de contratar já a pensar na saída. E apresentou Rúben Neves como a bandeira para passar a mística, como novo João Pinto. Não podia, por isso, nunca sair ontem. Nem amanhã. Nem a 31 de agosto. 

Capitão João Pinto
Por um momento, imaginem que na história do FC Porto não há o João Pinto a levar pedrada no Jamor (vídeo para os mais confusos); não há o João Pinto agarrado à Taça dos Campeões Europeus; não há o João Pinto para levantar a Intercontinental e a Supertaça Europeia; não há o João Pinto que ganhou 9 campeonatos; não há o João Pinto que é o recordista de jogos pelo FC Porto. Imaginem que João Pinto tinha saído aos 19 anos.

Não sabemos se Rúben Neves conseguirá, algum dia, ter o sucesso que João Pinto teve no FC Porto. Não sabemos se algum jogador, algum dia, o terá. Mas sabemos que Rúben Neves foi apresentado como sucessor de João Pinto na mística e história do FC Porto, pela palavra do presidente. Não há milhões que paguem a história do FC Porto. E Rúben Neves ainda mal começou a escrever a sua história no FC Porto. 

A época 2016-17 será a primeira de Rúben Neves enquanto futebolista sénior. Com a mesma idade, João Pinto ainda nem se tinha estreado, e só à sua sexta época de sénior João Pinto conquistou o primeiro campeonato pelo FC Porto. Rúben Neves não é João Pinto, mas poderá começar a ganhar bem mais cedo. Que Rúben Neves seja um dos alicerces do sucesso desportivo do FC Porto e não um ativo para tapar buracos nas contas SAD. A mística não tem cláusula de rescisão.