segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Colheita 2018-19

Perder depois de chegar ao intervalo a vencer por 2x0 é atípico. Há poucas coisas mais invulgares do que um desfecho destes na história do FC Porto. Tanto que, até à noite de sábado, só tinha acontecido duas vezes na I Liga: uma em 1943, contra o Fabril Barreiro, e a outra em 1970, contra a Académica. A juntar a estes dois casos, houve o desaire europeu contra o Artmedia, em 2005. De resto, nunca o FC Porto tinha acabado batido após ir para o intervalo a vencer por 2x0.

Este resultado, por si só, já era uma raridade, mas as circunstâncias que antecederam os golos do Vitória de Guimarães tornam-lo ainda mais incomum. Uma entrada absolutamente desmiolada de Sérgio Oliveira na grande área, Maxi Pereira a não ter pernas para fechar o corredor no 2x2 (num lance em que o FC Porto tem 8 jogadores na grande área no momento do remate de Tozé), e um lance que começa num lançamento de linha lateral e no qual voltam a ser suficientes dois jogadores do Vitória para fazer frente a uma grande área povoada pelo FC Porto. Os sucessivos desperdícios em tempo de compensação acabaram por confirmar o que se testemunhava: era uma noite atípica a todos os níveis.

Brahimi e mais 10... com poucas ideias sem o argelino
Mas o problema não é apenas este jogo. Estamos à 3ª jornada, a um ponto da liderança. Sporting e Benfica vão perder mais pontos, o próprio FC Porto vai perder mais pontos. O drama não está aqui. Está naquilo que já todos (???) estão fartinhos de saber desde a temporada passada: que este plantel é curto e que lhe faltam soluções de maior qualidade. E isso não iliba o facto de o modelo de jogo do FC Porto estar distante daquilo que entendemos ser um futebol de qualidade e que a equipa tão bem chegou a mostrar na jornada inaugural da Liga.

«Pois, já diziam isso na época passada, que o plantel não chegava, e fomos campeões!». Este argumento não faltará ao longo da época. E podem usá-lo até maio, estejam à vontade. É verdade que o FC Porto chegou ao título, com um plantel ao qual eram reconhecidas várias limitações. Mas não nos podemos esquecer que o primeiro a acreditar na época passada - Sérgio Conceição - foi o primeiro a desacreditar após um simples jogo de pré-época com o Portimonense e a reivindicar a necessidade de reforços. É o próprio milagreiro que não quer estar sujeito a um segundo milagre.

O FC Porto teve um ataque bastante produtivo na época passada. E não é justo dizê-lo que tenha deixado de ter, pois a verdade é que fez 10 golos em 3 jornadas - desde 1975 que não arrancava com uma dezena de golos. Mas também sofreu 5 em 3, algo que não sucedia desde 1969. Isto é muito mais do que uma questão golos marcados vs. sofridos. Tem a ver com a qualidade de jogo e com as próprias soluções do plantel.

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Muita luta, poucas pernas
Começando com a defesa, é lógico que vai ser uma época difícil. O FC Porto perdeu o seu melhor central e o lateral-direito, e Maxi Pereira passou da saída à permanência por culpa da transferência de Diogo Dalot. O uruguaio luta muito, apoia bem o ataque e até começou a época com um par de boas exibições, mas aos 60 minutos da 3ª jornada já não conseguia correr. Já não é uma questão de saber se Maxi Pereira aguenta uma época: é saber se aguenta um jogo completo no qual vai ter que correr para defender e não apenas subir para combinar com o extremo no ataque. Maxi é inteligente no relvado, posiciona-se bem, mas quando tem que correr para trás os 34 anos já pesam. E estamos, neste momento, a falar de Chaves, Belenenses ou Vitória. Não estamos a falar de clássicos ou de Champions, com dois jogos por semana. 

Diogo Leite, jovem promissor, entrou na equipa e fê-lo bem. Mas não é por acaso que estamos a falar de um jogador de 19 anos que está a cumprir a primeira época de sénior. O que faz um miúdo dessa idade? Comete erros. De posicionamento, de marcação, de antecipação. Há 30 anos que o FC Porto não tinha um central tão jovem na equipa - o último tinha sido Fernando Couto. E para quem não estiver recordado, Fernando Couto estreou-se mas foi logo depois emprestado por duas vezes. Só depois voltou para se afirmar. 

Diogo Leite foi lançado às feras (ou não, pois ainda não chegámos aos clássicos e à Champions) e ganhou o lugar com mérito. Mas tudo isto começa na lentidão da SAD em assegurar atempadamente e prontamente o sucessor para o eixo da defesa. Já sabiam que Marcano iria sair e que Diego Reyes não ficava. Isto era uma situação que poderia, deveria estar a ser preparada há meses. As negociações por Mbemba (cujo perfil faz lembrar Bruno Martins Indi) demoraram bem mais de um mês, e quando chegou, aí sim, houve o azar inesperado de o central congolês se ter lesionado. Isso pode acontecer, foi um azar. Mas que teve que fazer Sérgio Conceição desde então? Preparar o miúdo para o 11. Foi isso que fez, e manteve logicamente a sua aposta. 

«Poderia ter jogado o Chidozie», dirão. Aqui entramos no campo da opinião, logicamente, mas Chidozie esteve emprestado ao Nantes, equipa onde o melhor central era Diego Carlos, brasileiro que no FC Porto revelou pouco mais do que qualidades medianas. E aqui temos um possível exemplo da saúde financeira que a SAD portista respira neste momento: 

Recorte do jornal O Jogo
Um clube que rejeita 13 milhões de euros por Chidozie é um clube sem urgência em vendas e sem dificuldades financeiras. Só pode, embora esta proposta deva ter estado na mesma mesa onde o West Ham colocou 40 milhões de euros por Marega, com mandatários de Emerald City, Tardis e Valhalla.

Entretanto chegou o também jovem Éder Militão, proveniente do São Paulo, que apesar de rotulado de polivalente vem como opção para o eixo da defesa. E qualquer jovem brasileiro que chega à Europa precisa de tempo até entrar na equipa, muitas vezes só se conseguindo afirmar a partir da segunda época. Basta recordar os casos recentes de Fernando, Danilo ou Alex Sandro. Ainda assim, nota também para o facto de Éder Militão implicar um investimento de cerca de 7 milhões de euros - grande parte para empresários -, apesar de só ter contrato com o São Paulo até 11 de janeiro de 2019. Com tanto dinheiro investido para «antecipar» a transferência alguns meses, só podemos esperar que Éder Militão possa emergir como opção mais depressa do que o previsto, até porque não havia assim tanta concorrência pelo jogador, pelo menos ao nível da imprensa brasileira (que chegou a sugerir que o PSG poderia comprá-lo para emprestá-lo de imediato ao... Vitória de Guimarães).

Falando ainda do setor defensivo, a iminente chegada de Zakarya, do Belenenses, ao FC Porto sugere meramente uma coisa: desnorte completo na construção do plantel. O lateral-esquerdo, que cumpre 30 anos em janeiro, jogou sempre em clubes medianos ao longo da sua carreira e estava no Sochaux, da II Liga francesa. Assinou pelo Belenenses em julho e, segundo o jornal O Jogo, convenceu o FC Porto a avançar para a sua contratação depois do jogo no Jamor.

Portanto. Temos um lateral de 29 anos que estava livre, em julho, e que não seria nem primeira, nem segunda, nem terceira opção para as laterais do FC Porto. E de repente, por causa de um jogo, passa a ser prioridade e alternativa a Alex Telles, um dos jogadores mais importantes na manobra coletiva do FC Porto. Alguém acredita que no relatório de pré-época de Sérgio Conceição, que identificava seis pontos a reforçar no plantel, o nome de Zakarya aparecia por lá?

Tivemos meses e meses para preparar a época. Uma pré-época inteira. Temos um enorme departamento de scouting e prospeção, camadas jovens, equipa B. E no meio de tudo isto, porque fez um bom jogo contra o FC Porto, de repente Zakarya passa a ser a solução. Rúben Lima deve estar a lamentar que o jogo do Moreirense com o FC Porto não seja disputado antes de sexta-feira, caso contrário ainda se habilitava a uma transferência. 

Não é um problema com Zakarya, o jogador: é um problema com o modelo, com a preparação da época, e com uma gestão que nos faz lembrar os tempos em que se descobriam laterais-esquerdos do calibre de Ezequias, Lucas Mareque, Nelson Benítez ou Lino. Todos eles com motivações muito semelhantes. E todos eles campeões pelo FC Porto, mesmo pouco ou nada jogando. Tomara que com Zakarya também seja assim. 

Não há moral/justificação para alegar contingências financeiras (que, diga-se, a SAD nunca assumiu publicamente na construção ou preparação desta época - o máximo que tivemos foi a história da carochinha de que é possível gastar tanto quanto o FC Porto encaixar em transferências) quando já se celebraram os magníficos negócios da compra e consequente dispensa de Janko ou Ewerton. Seria interessantíssimo ouvir a explicação do FC Porto para a motivação por trás destes negócios. E perceber em que universo é que constrangimentos financeiros podem coexistir com negócios com notáveis empresários e homens do futebol como Alexandre Pinto da Costa, Teodoro Fonseca ou Luciano D'Onofrio. 

Do meio-campo para a frente, praticamente não houve alterações no plantel. Jogadores como Bruno Costa, Hernâni ou Adrián só estão no grupo de trabalho por não haver mais ninguém, e os dois últimos porque não têm propostas de compra no mercado. André Pereira acaba por ser um caso também muito ilustrativo: está a jogar porque não há mais soluções. Está certamente a trabalhar para isso, esteve nos dois golos frente ao Vitória de Guimarães (um deles irregular, é certo, mas já houve precedentes de falhas no VAR, nomeadamente num Aves x Benfica), mas certamente que Sérgio Conceição gostaria de ter outras soluções para o seu 4x4x2.

4x4x2 ou 4x3x3?
Embora, aqui, Sérgio Conceição também tenha que dar o braço a torcer e perceber que tem que haver um limite. Porque não dar uma oportunidade ao 4x3x3? Que mais tem Óliver Torres que fazer para entrar no 11? Quantos créditos tem Sérgio Oliveira para se aguentar no 11? Há assim tão pouca confiança em limitar o eixo do ataque a Aboubakar ou outro ponta-de-lança?

Mas aqui entramos naquilo que é a relação direta entre Sérgio Conceição e a administração. Quando renovou, Sérgio Conceição deixou claro que ia trabalhar a época em 4x4x2? A SAD garantiu que iria ter opções para isso? Uma coisa é a flexibilidade do treinador, que terá sempre que ter, por mais fiel que queira ser às suas ideias. Outra é o próprio investimento da SAD no treinador. 

Como tantas vezes foi comentado, o FC Porto da época passada nem sempre se distinguiu por ser uma equipa que jogava um grande futebol. Era uma equipa de guerreiros, lutadores, que teve sem dúvida semanas de bom futebol ao longo da época, mas muitas vezes esteve limitada a duas coisas: bolas diretas na frente, à procura da profundidade dos avançados, e as bolas paradas. Isto além do principal fator de desequilíbrio neste arranque de época: Brahimi, sempre ele. E reparem que não estamos há dois ou três meses a suspirar por uma solução match-winner para as alas, mas sim até antes da chegada de Sérgio Conceição. Mantêm-se Hernâni, pouco mais do que para fazer número, e esperanças de um ano de afirmação para Corona ou Otávio. Muito curto.

Quanto vale Marega?
E Marega? É de facto um dos mistérios deste defeso. Primeiro, há que separar aquilo que é a especulação típica de pré-época na imprensa, sobretudo quando envolve clubes ingleses, e aquilo que chegou realmente à mesa da SAD. Pinto da Costa diz que nunca teve uma proposta concreta e voltou à conversa para boi dormir da cláusula - estamos em 2018, o FC Porto nunca vendeu um jogador pela cláusula de rescisão (não esquecer, para uma cláusula ser ativada, tem que ser uma das partes, entre clube e jogador, a invocar esse direito - tal como o fez André Villas-Boas, por exemplo), e de certeza que Marega não seria o primeiro. 

Não é do domínio público quanto foi ao certo a eventual proposta do West Ham, mas que era intenção de Sérgio Conceição manter Marega. Mas porquê? Por considerar que o maliano era assim tão fulcral na equipa? Ou porque não tinha garantia nenhuma de que, caso Marega saísse, não viria ninguém melhor? Tudo o que fosse acima de 20 milhões de euros - assumindo que alguém chegaria a esses valores - por Marega seria uma das melhores vendas da história do FC Porto. A verdade é que Marega é um jogador tão fulcral que esteve encostado 19 dias a treinar sozinho. Não há memória de isto ter acontecido no FC Porto. Jogadores a pedir para sair ou a forçar transferências é ementa diária no futebol, sobretudo em clubes vendedores como os portugueses. Sérgio Conceição tem que ter tido motivos muitos fortes para encostar Marega desta forma, embora as suas passagens por Marítimo e Guimarães já tenham revelado histórias de mau profissionalismo. 

Marega acabou por ser reintegrado, restando saber agora se vai renovar ou não (antes de ser afastado do grupo, tinha a proposta de renovação nas mãos) e que jogador será em 2018-19. Porque na época passada, Marega era o ex-dispensado. Cada golo que marcava surpreendia, era colocá-lo acima das expetativas. Foi um jogador a garantir duas dezenas de golos em contexto de I Liga. Mas entre um ex-dispensado que só fica no plantel por não haver mais ninguém e um jogador pelo qual se rejeita a saída por números alegadamente muito mais do que generosos... Há uma enorme diferença. 

Quando o FC Porto assume todas as recusas por Marega, só pode esperar que o seu rendimento seja muito superior esta época. Na temporada passada, apesar de sofrível nos clássicos e na Champions, conseguiu garantir a média de um golo por jornada na Liga - falhava mais do que acertava, mas entre os pontas-de-lança do plantel também ninguém acertava mais do que ele. Ou esperamos um Marega a elevar a fasquia esta época, ou passámos ao lado da possibilidade de um grande negócio. Certo é que não podemos contar com mais uma época a tentar ganhar jogos com bolas que dependem da dimensão física de Marega. 

Sérgio Conceição fez milagres na época passada. Não lhe peçam a mesma receita. O treinador não teve sucesso nem ficou por ser um treinador muito evoluído taticamente, pois não foi essa a força do FC Porto na época passada. Foi a união, a superação, o pragmatismo e a sempre essencial sorte (outra vez, bastava não haver o pontapé do Herrera na Luz e poderia ser mais um ano a seco - ou bastava que tivessem validado o golo limpo a Herrera no jogo do Dragão, e aí talvez já não fosse necessário vencer na Luz).

E conforme foi comentado no post da vitória sobre o Belenenses: sempre que o FC Porto vencer, os adeptos vão ver um plantel bem aproveitado; quando os maus resultados aparecerem, afinal é um plantel curto e ao qual falta qualidade. Neste momento, este plantel não foi reforçado, no sentido em que não está mais forte. Sejamos francos, antes dos resultados, pois totobola à segunda-feira nunca deu nada a ninguém: este plantel é curto para uma equipa que ambiciona o bicampeonato e que tem que lutar por um lugar nos 1/8 da Liga dos Campeões. Na pré-época, Sérgio Conceição falou em «meia dúzia de jogadores sem capacidade» para jogar no FC Porto. Neste momento, numa altura em que Danilo e Soares ainda recuperam de lesões, o que apetece mesmo dizer é que falta mais meia dúzia de jogadores com capacidade para jogar no FC Porto. Porque em algo teremos que concordar: seja em 4x3x3 ou 4x4x2, o treinador campeão merece e precisa de melhores soluções. 

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Vinho de tasca

Sérgio Conceição falou numa exibição de «vinho de tasca». E assim foi, com as uvinhas uma vez mais espremidas ao máximo. É a antecâmara de uma época na qual a maioria verá sempre qualidade e opções de sobra sempre que o FC Porto vencer, mas ao primeiro mau resultado (re)surgirão de pronto os alertas do óbvio: de que faltam soluções, sobretudo no ataque, num plantel que praticamente não foi reforçado com idas ao mercado.


Saíram Ricardo, Marcano e Reyes (além de Diogo Dalot), entraram João Pedro, Mbemba e Militão. E tendo em conta que nenhum deles, por diferentes razões, entrou ainda na equipa titular, não podemos afirmar que este elenco seja mais forte do que o da temporada passada.

E é agora que é importante repetir e reafirmar isto, pois no final da próxima semana, com o mercado fechado, já será inútil dizê-lo. No Jamor tivemos a felicidade que faltou na época passada nos jogos contra Aves ou Moreirense, por exemplo, e valeu a raridade que é ver uma equipa de arbitragem manter o critério nas suas decisões. Mas que vai ser preciso muito mais nas próximas deslocações, vai, embora este Belenenses tenha mostrado no passado recente ser uma das equipas que melhor se organiza frente aos grandes.




Alex Telles (+) - Ganhou e bateu o livre do 1x0 e decidiu, ele próprio, o jogo com a marcação irrepreensível de um penálti capaz de fazer tremer qualquer sangue frio. O lateral brasileiro acabou por se destacar nos cruzamentos (acertou 5 em 8) e nos duelos disputados (4/5), além de ter criado três situações de finalização. Num jogo em que o FC Porto teve muitas dificuldades na bola corrida, a fórmula Alex/bolas paradas voltou a fazer a diferença.

Héctor Herrera (+) - O Belenenses tomou conta do meio-campo durante parte significativa do jogo, mas o mexicano sempre remou contra a maré. Foi o elemento com mais ações com bola (63), ganhou 11 dos 14 duelos que disputou e criou duas situações de golo, tendo ainda atirado uma bola ao ferro. Fartou-se de fazer quilómetros e tentou redobrar-se em todo o campo, tentando muitas vezes lançar ataques aos quais as unidades da frente não deram sequência.


Iker Casillas (+) - Um calafrio com um atraso de Felipe, mas acabou por somar um par de defesas importantíssimas na segunda parte, que evitaram (melhor, adiaram) o empate do Belenenses.




Falta de controlo (-) - O Belenenses terminou o jogo com mais posse de bola, mais passes e nunca perdeu o controlo do meio-campo em toda a partida. Há que reconhecer que se tratou de um adversário com boa organização, cujas marcações nunca foram baralhadas pelos avançados do FC Porto e que raramente cedeu espaço nos últimos 25 metros. O FC Porto não conseguiu construir jogo e os golos acabam por nascer em lances à margem das dinâmicas da equipa - duas bolas paradas e um erro de um adversário. Comparando o caudal ofensivo e a qualidade demonstrada pelo FC Porto na 1ª jornada, foi do 80 ao 8 - o primeiro remate da equipa à baliza surgiu já a meio da primeira parte, e Muriel fez tantas defesas como Casillas.

Minuto 58 (-) - Como diriam os treinadores da velha guarda, «esta nem nos infantis». Uma bola batida diretamente pelo guarda-redes do Belenenses, Muriel, é dominada por Fredy (Sérgio Oliveira a dormir neste lance) à entrada da grande área do FC Porto. Isto não existe a este nível: com um simples passe de 80 metros, o adversário fica na cara do golo. O avançado do Belenenses (que tantas dores de cabeça deu a Felipe) tocou para Licá e Casillas acabou por evitar o golo, mas este é o tipo de jogada capaz de fazer qualquer treinador arrancar cabelos. 

Não esperemos o mau resultado (-) - Sérgio Conceição valoriza muito o trabalho nos treinos. É certamente por isso que André Pereira ganhou o lugar neste arranque de época - por isso e pela falta de uma solução/reforço de maior qualidade. É um jovem avançado fisicamente interessante, que tenta trabalhar para a equipa, mas cuja aposta neste momento não está a funcionar da melhor forma. Volta a ser o primeiro a ser substituído e pouco conseguiu produzir em campo - apenas 8 passes completos, falhou os 2 dribles que tentou, tentou o remate apenas uma vez e perdeu 10 dos 17 duelos que tentou. É certo que o companheiro de ataque, Aboubakar, esteve em modo amorfo, mas André Pereira não terá ainda a estaleca que possa fazer dele uma solução de 11 inicial para o curto prazo. 

Mas dirão: e soluções? Adrián? Marius? Marega? Com Soares lesionado e sem mais soluções para o ataque, a verdade é que provavelmente André Pereira não deixa de ser aquele que mais tem lutado e feito por merecer um lugar no ataque do FC Porto aos olhos de Sérgio Conceição. E assim sendo não é possível censurar as opções do treinador, que dificilmente terá intenções de abdicar do esquema de dois avançados neste arranque de época. Sérgio Conceição tem que «rentabilizar os que tem», dizem, mas não se queixem se o que tem se revelar insuficiente a breve trecho. Vinho de tasca pode desenrascar numa refeição mas não vai matar a sede nos dias de maior calor. 

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A ideia ao serviço do plantel

Sem nenhuma das contratações para a nova época no 11 inicial. Sem Danilo, Marega ou Soares. E sem bicadas para a frente. Foi com uma exibição de enormíssima qualidade que o FC Porto despachou o Desportivo de Chaves e conseguiu os três primeiros pontos da época. Foram 5-0, poderiam ter sido bem mais, tamanha a qualidade de jogo que o FC Porto conseguiu apresentar e a capacidade de criar ocasiões de finalização. 


Exibições de grande qualidade a nível individual e coletivo, futebol que empolgou os adeptos e deu para terminar com a inimaginável dupla de ataque Adrián López-Marius Mouandilmadji a ser aplaudida pelo Dragão. Com esta amostra, dizer que Sérgio Conceição tem que continuar a «rentabilizar» os ativos que tem é o equivalente a dizer a um tipo no topo do Evereste que tem que continuar a escalar. E esse tipo, se se chamasse Sérgio, era capaz de esticar os braços e meter-se em bicos de pés.




Sem bicada, sem balão (+) - Pode ser «birra» cá do burgo, mas há mesmo que começar por aqui: cinco golos, cinco jogadas que dispensam a bola despejada diretamente pelos defesas na linha da frente. E o lance do 2x0 é um exemplo de que não é preciso muito espaço para colocar um jogador nas costas da defesa adversária: basta fazê-lo na altura correta, quando as circunstâncias do jogo a isso o convidam e não como jogada padrão. Num curto passe, Sérgio Oliveira rasga uma linha de 6 jogadores do Chaves e Otávio fica em posição livre para cruzar para três jogadores em zona de finalização. É refrescante e importantíssimo ver o FC Porto e Sérgio Conceição apostarem nestas bases, e é notoriamente mais vantajoso colocar esta matriz de jogo ao serviço do plantel em vez de uma matriz de jogo ao serviço de um único jogador. Depender de uma equipa para desbloquear jogos é sempre melhor do que depender de um jogador. 

Tudo na defesa (+) - Iker Casillas não deve ter sujado as luvas, tamanha que foi a eficácia defensiva da equipa, em especial para Diogo Leite e Felipe no jogo aéreo. O jovem português, no lugar de Marcano, ganhou 7 das 8 bolas disputadas pelo ar no setor defensivo e Felipe só perdeu 2 duelos em todo o jogo, não tendo cometido uma única falta, além de ter criado uma ocasião de golo. Alex Telles esteve muito acima do nível demonstrado na Supertaça, mas Maxi Pereira esteve novamente uns furos acima, ao criar quatro ocasiões de golo num jogo em que quase só teve preocupações ofensivas. 

Sérgio Oliveira (+) - Muito abaixo do nível exigível na Supertaça, Sérgio Oliveira afirmou-se agora como um dos melhores em campo e um dos principais dinamizadores da grande exibição do FC Porto. Descobriu Otávio no lance do 2x0 e esteve no golo de Marius, tendo criado 6 ocasiões de finalização, duas delas flagrantes, entre uma exibição com 93% de eficácia no passe e oito ações defensivas. Curiosamente, desta vez não arriscou no remate e só por uma vez tentou o passe longo. Reduziu a sua amplitude de jogo e jogou mais curto, mas isso não o impediu de estar em todo o lado. Curiosamente, desta vez foi Herrera quem teve a missão de abrir mais o jogo, e acabou por ter sucesso, com 7 de 9 passes longos eficazes e 92% de eficácia no passe, mas desta feita o mexicano não esteve tão forte nas bolas divididas e esteve longe das zonas de finalização, apesar de ter sido o elemento com mais ações com bola (98).

Desequilíbrio (+) - Otávio na assistência para os dois primeiros golos (o 1x0 com uma boa simulação de André Pereira - apesar da inteligência em algumas movimentações e de muita vontade, é porventura o principal candidato a 'cair' do 11 em breve), Brahimi novamente a faturar em lance individual, Corona a entrar e a marcar, Aboubakar a bisar (e a ficar a dever a si próprio bem mais noutras ocasiões), Adrián e Marius a entrarem e a terem ocasiões para marcar. Todas as unidades do setor ofensivo do FC Porto marcaram, deram a marcar ou tiveram oportunidades para o fazer, fosse em jogadas pelo corredor, no espaço interior ou através de lances individuais. 

Quando é criado um volume tão grande de ocasiões, com nove situações em que não havia opositor entre o jogador do FC Porto e o guarda-redes adversário (e falharam sete delas), não há forma de vacilar: mesmo com um punhado de grandes ocasiões desperdiçadas, o FC Porto não deixou de golear. Procurou sempre mais, praticamente dispensou a meia distância (16 dos 19 remates foram obtidos dentro da grande área) e rapidamente assimilou um futebol que resumia tudo a uma questão: a vitória é certa, falta saber por quantos. 

Tópico para reflexão, a entrada de Adrián López. Se tivesse sido Lopetegui a lançar Adrián, talvez fosse a «espanholização». Se fosse Nuno Espírito Santo, talvez fosse «um frete ao amigo Mendes». Mas como foi Sérgio Conceição a lançá-lo, então é porque o treinador se calhar pode recuperar o jogador. Isto diz tudo sobre o crédito que Sérgio Conceição ganhou no clube. E que continua a fazer por merecer. E praticamente com o mesmo plantel do meio-campo para a frente da época passada, tem um exemplo de que afinal é possível jogar bom futebol, com circulação, apoio e momentos de desequilíbrio individual e coletivo, sem que isso implique ter como jogada padrão jogadores a correr e a caírem nas costas da defesa com passes de 40 metros. Sem imprescindíveis, com uma ideia que se sobrepõe à individualidade. Não é um recado para Marega: é para todo o plantel.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Envolvência

A Supertaça voltou a casa, e já deixava saudades. Este é, por razões óbvias, um troféu especial para o FC Porto, não só por ter mais troféus do que todos os outros clubes juntos e ter estado em 30 das 40 finais, mas também porque conquistar a Supertaça significa, muitas vezes, ter uma injeção anímica e de confiança para a longa época que se segue. 


O jogo frente ao Desp. Aves foi um exemplo dos calafrios que o FC Porto vai certamente encontrar muitas vezes no Campeonato, numa altura em que o plantel às ordens de Sérgio Conceição não é, continua a não ser, mais forte do que o da última época. Um jogo no arranque da época não dá atestados de garantias ou insuficiências, mas todos saíram de Aveiro com sentimento de dever cumprido e com a 21ª Supertaça. 





Envolvência (+) - A palavra que define a vitória do FC Porto. Na fase inicial da partida, regressámos às inconsequentes bicadas para a frente (já lá vamos). O golo do Aves obrigou a equipa a acordar e a organizar as suas ideias e os três golos são exemplos perfeitos daquilo que deve ser o futebol da equipa para esta época: envolvência do setor intermédio no processo ofensivo, jogo interior, circulação a toques curtos e transporte.

Primeiro, com Alex Telles no apoio, Brahimi leva a bola até à tabela com Aboubakar, explora o espaço interior e faz golo; no 2-1, é Maxi Pereira, em combinação com Otávio (também a desequilibrar por dentro), a fazer a diferença numa jogada a toque curto; e o lance que mata o jogo nasce do mesmo princípio, com Óliver a ir buscar jogo à linha, apoiando Maxi, e Corona a situar-se na zona central.

Semelhanças? Três golos em que não foi preciso uma bicada para a frente, à espera que alguém apanhasse a bola num espaço que não existia nas costas da defesa do Desportivo das Aves. A velocidade e o jogo direto terão a sua importância e espaço ao longo da época, mas contra os Aves deste Campeonato recomenda-se esta forma de jogar.

Maxi Pereira (+) - Uma boa forma de corresponder à renovação de contrato que, diga-se, esteve longe de ser unânime no universo portista e que talvez nem teria acontecido se Diogo Dalot não tivesse saído. Mas a experiência, inteligência e o espírito competitivo de Maxi Pereira são mais-valias importantes no plantel. Equilibrado a atacar e a defender, procurou sempre apoios curtos com Otávio e foi dessa forma que chegou ao golo da reviravolta. As pernas pesam, e Maxi provavelmente alternará várias vezes a titularidade ao longo da época, mas enquanto estiver em campo é uma garantia de empenho. Não há portista que não goste.

Jesús Corona (+) - Quando Brahimi dava sinais de ter que sair por lesão, Sérgio Conceição começa por mandar Soares aquecer. Era um péssimo sinal para Corona - ver o treinado preferir um ponta-de-lança a um extremo perante a ausência do argelino. Mas Sérgio Conceição mudou de ideias e em boa hora, com Corona a fazer uma segunda parte de grande qualidade. Bom enquadramento com a baliza e a grande área, bem a proteger a bola e a definir os lances e a conseguir fazer um bom golo. Não será um exagero afirmar que a segunda parte em Aveiro foi melhor que qualquer jogo que tenha feito este ano até à data. Agora a eterna questão: conseguirá Corona fazer dois bons jogos seguidos? O mexicano bem precisa, e o FC Porto também. 

Outros destaques (+) - Herrera voltou a ter que trabalhar por dois no meio-campo e fê-lo com distinção. Teve ordens para não avançar muito para zonas de finalização e proteger a retaguarda da equipa, funcionando como pêndulo e referência no eixo do meio-campo. Brahimi, apesar da lesão, foi a tempo de ajudar a desbloquear o jogo e a entrada de Óliver em campo voltou a ser sinónimo do período de melhor qualidade e controlo no jogo. Palavra para a estreia de Diogo Leite, que ganhou o lugar nesta pré-época e vai obrigar Mbemba e Militão a terem que correr atrás do lugar. 





Os eternos balões (-) - Não havia Marega no ataque, o que poderia desde logo significar que o FC Porto procuraria outras soluções na sua construção. Mas não foi isso que a fase inicial da partida demonstrou. A equipa voltou à fórmula tantas vezes usada na última época e não raras vezes vimos a bola ir desde o defesa à linha de fundo. Não funciona, por duas razões: Brahimi, Otávio ou até André Pereira não são jogadores para irem ganhar metros nas costas da defesa; e o Aves, como tantas equipas no Campeonato, não vai conceder espaço suficiente para que o FC Porto possa jogar desta forma. Na Champions é uma coisa, no Campeonato outra.

Cada bola longa para as costas da defesa do Aves foi sinónimo de perda de posse e, conforme já foi defendido, os três golos do FC Porto nascem de momentos em que a equipa preocupa-se mais em transportar a bola, com tabelas e circulação, e menos em tentar ganhar em velocidade e passes longos. Sobretudo num contexto de Campeonato português, é importante ter a paciência e a capacidade para jogar desta forma.

O primeiro objetivo da época está cumprido. Mas porque a partir de setembro será inútil dizê-lo, não custa repetir: as vitórias no arranque de época devem ser celebradas, mas não podem servir de maquilhagem face às necessidades do plantel. Não custa lembrar aquela que havia sido a última Supertaça do FC Porto, ganha em 2013, e da qual muitos saíram a pensar que ia ser Licá e mais 10. Não basta pensar no Aves, no Chaves ou no Belenenses: há que pensar nos clássicos, na Champions, nas pausas internacionais, nas lesões, nos castigos, na óbvia sobrecarga de jogos. Sérgio Conceição precisa de mais soluções e o pior que poderia acontecer seria chegar ao início de setembro e ouvi-lo dizer «reforços são os que cá estão».