Voltemos até 2006. Co Adriaanse queria Jan Vennegoor of Hesselink. O chamado «pinheiro». Pediu-o uma, duas, três vezes. Queria-o tanto que ameaçou bater com a porta. Pinto da Costa disse que não, uma, duas, três vezes. Porque era caro, porque (citando) não podia «hipotecar as contas por este ou aquele jogador», e que «se fosse para tirar os pés do chão iríamos buscar o Deco ou o Ricardo Carvalho». Ou seja, o equivalente a ir buscar o Boly por 6M€, ou o Rafa por 20M€. Se fosse para perder a cabeça, não iria por aí.
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Dez anos depois, Nuno teve o que Co Adriaanse não teve. Pediu um pinheiro e teve-o, apesar do desconhecimento total de Pinto da Costa em relação a Laurent Depoitre. Mas importa colocar desde já a questão: quanto tempo esperou Nuno por este pinheiro?
Desde o início da pré-época, Nuno Espírito Santo tem apostado num esquema que dispensa por completo o pinheiro. Ao ponta-de-lança, no caso André Silva, é pedida maior mobilidade, que descaia muitas vezes para os flancos, que tenha capacidade para levar a bola e encaixar numa transição rápida, seja com bola no espaço ou no pé. Depoitre não corresponde, de todo, a estas caraterísticas.
Depoitre encaixa num esquema que não foi trabalhado pelo FC Porto nos jogos de pré-época. Falta saber porquê. Nuno só se lembrou agora que quer ter soluções numa dinâmica diferente, que implique o tal tanque perto da grande área, ou está desde o início da pré-época à espera que lhe deem esse pinheiro? E Depoitre acaba por ir direto à lista de inscritos da UEFA, sem treinar, empurrando para fora da lista Aboubakar (se sair, o FC Porto necessita de um terceiro avançado - Gonçalo Paciência seria uma boa e pertinente aposta, a nível desportivo e financeiro), que fez toda a pré-época. Tudo soa a má preparação/gestão, ou pelo menos bem tardia.
Experimentar um esquema com um homem de área, um ponta-de-lança mais fixo, quiçá até enquadrando André Silva para um 4x4x2, deveria ter sido algo preparado desde o início da pré-época. Neste caso, o pinheiro só chega depois de terminada a pré-época - a mesma pré-época que supostamente teria sido iniciada em abril.
Antes de falar do jogador, podemos já notar um dos padrões deste defeso. João Carlos Teixeira, Felipe e Depoitre foram todos apresentados ao lado de Pinto da Costa. Zé Manuel (para todos os efeitos uma contratação neste defeso) e Alex Telles não. Mas João Carlos, Felipe e Depoitre têm todos algo em comum: Pinto da Costa diz que foram todos contratados mediante a preferência de Nuno Espírito Santo.
Sobre João Carlos, Pinto da Costa disse que foi um dos nomes pedidos por Nuno na primeira reunião de preparação para esta época. Sobre Filipe, disse que Nuno estava sempre a telefonar para saber quando chegava. E agora, sobre Depoitre, diz que nem conhecia o jogador, mas que era um pedido de Nuno. Por outras palavras, se correr bem, Nuno Espírito Santo recolhe o mérito, por ter olho para o jogador; se correr mal, Pinto da Costa já responsabilizou o treinador pelas escolhas. É uma abordagem bem diferente da feita com Lopetegui, na qual Pinto da Costa só falou do subrendimento de Imbula ou Campaña depois de Lopetegui sair. Neste caso, já todos ficam a saber que são pedidos de Nuno Espírito Santo. Qual Mateus 27:24-25.
Pinto da Costa também mostra uma postura diferente da sua última entrevista. «Contratei jogadores que não conhecia, só por causa do parecer dele», disse, sobre Lopetegui, dando depois do exemplo de Campaña e garantindo que não voltaria a contratar jogadores sem os conhecer. Neste caso, assumiu sem rodeios o contrário em relação a Depoitre.
E agora aí temos Depoitre. E não vale de muito aprofundar a análise individual sobre Depoitre. Pois é simples: será tão útil quanto o caudal ofensivo do FC Porto e as bolas que lhe derem na grande área. Depoitre é um jogador limitado tecnicamente, que está na grande área para finalizar, para servir de referência, para arrastar os centrais. Não pode fazer quase nada do que André Silva fez na pré-época, embora não seja tão lento quanto a sua estampa física possa sugerir. O rendimento de Depoitre vai depender da dinâmica do FC Porto, e de uma abordagem totalmente diferente da que foi feita na pré-época. A partir daí pode dar um Vinha, pode dar um Tiago Caeiro, pode dar um Graziano Pellè.
O FC Porto não revelou o custo de Depoitre. Desmentir os 12M€ que a RTBF, a RTP lá do sítio, avançou já seria um bom começo (embora possa enquadrar-se no tão patético que nem merece resposta). Já os valores noticiados em Portugal, 4+2,5 milhões de euros, também parecem francamente elevados. O FC Porto é o primeiro clube a pagar alguma coisa por Depoitre, que nunca foi dado como hipótese concreta para outro clube, tirando os habituais rumores da imprensa inglesa (falaram em Stoke, WBA e Tottenham no início do ano, mas nada durante a pré-época), que quase nunca podem ser levados a sério.
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O percurso de Depoitre |
Senão vejamos. Do top 10 da liga belga, Depoitre foi o que de mais tempo precisou para marcar, com um golo a cada 207 minutos. Considerando todos os avançados que chegaram à dezena de golos, Depoitre teve mesmo a segunda pior média na relação minuto/golo (pior só Zinho Gano, outro pinheiro).
Depoitre fez a sua melhor época em 2014-15, quando foi essencial para que o Gent conquistasse o primeiro título da sua história. Na altura, o Transfermarkt, o site que muitos usaram para o avaliar em 6,5M€, avaliava-o em 2,5M€. Esta época, Depoitre fez 14 golos na liga belga e um na Champions. Foi isso que justificou que o seu passe valha agora três vezes mais? Certamente que não. Terá sido o único jogo que fez pela Bélgica? Improvável, pois o valor de Licá também não triplicou quando fez o seu único jogo por Portugal. É de facto intrigante avaliar Depoitre em 6,5M€, tendo em conta que o Gent nunca vendeu um jogador por tanto dinheiro.
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A valorização de Depoitre, Transfermarkt |
Quem não se lembra de Vossen, avançado belga que chegou a ser uma paixão de pré-época de adeptos do FC Porto? Vossen, em três épocas no Genk, fez 78 golos. O dobro dos que Depoitre marcou nos últimos 3 anos. Mais barato, mais experiente, mais qualidade, e que talvez seria mais útil ao FC Porto do que Depoitre. É certo que nenhuma estatística vai abonar a favor de Depoitre, que teve números modestos no Gent e começou a carreira profissional já tarde. Janko, por exemplo, tinha muito mais serviço mostrado e custou 3M€ no mercado de inverno (quando os preços estão mais inflacionados) de 2012 ao FC Porto. E teve logo colocação no fim da época, após ter ajudado a chegar ao título.
André Silva é um jogador que pode envolver-se na construção da equipa. Já Depoitre é um jogador que precisa que construam para ele. Fisicamente é forte, segura bem a bola, é bom de cabeça. Mas não lhe peçam para ganhar uma bola nas costas da defesa, para conduzir um contra-ataque, para se destacar no 1x1. Depoitre está lá para tentar encostar o que lhe derem. Mas isso não pode ser a mesma coisa que jogar exclusivamente para a pontaria de um ponta-de-lança, coisa que o FC Porto não faz desde os tempos de Jardel. Esse não será nunca o caminho.
E agora? Agora é esperar que as bolas cheguem a Depoitre e que chamar-lhe «tronco» seja uma coisa positiva.
PS: Post publicado antes do FC Porto informar que Depoitre não pode jogar o play off da Champions.
PS: Post publicado antes do FC Porto informar que Depoitre não pode jogar o play off da Champions.