quinta-feira, 9 de julho de 2015

Orçamento, um problema semântico

Perceber 150 milhões
O futebol português tem um grave problema de semântica. Isto a propósito da notícia de que o orçamento do FC Porto poderá chegar aos 150 milhões de euros na próxima época. Se pensarmos que Bruno de Carvalho diz que tem um orçamento de 25 milhões para ser campeão, é normal que se gerem dúvidas quanto ao que o FC Porto vai gastar. Mas na verdade tudo não passará de um problema de semântica.

O que é orçamento? Esta é a grande questão. O que é que se entende por orçamento numa SAD? Por norma, numa empresa, orçamento é uma previsão detalhada dos custos e das receitas para um determinado período. Se o saldo final for positivo há lucro, se for negativo há prejuízo. É simples. Mas no futebol isso não faz sentido.

FC Porto, e também Benfica e Sporting, não existem para gerar lucros. Seguem uma política em que as suas receitas servem para financiar, em ciclo, a sua própria atividade. A receita é investimento aplicado no imediato. Logo, não faz sentido pensar num orçamento para uma SAD no saldo entre receitas e despesas.

O que é que se deve entender por orçamento? Por exemplo, quando o carro avariou, fui à oficina e pedi o orçamento da reparação. Ora o orçamento é, simplesmente, a despesa que vou ter. Não há cá lucros a considerar. O mecânico dá-me um preço, depois pago-o. Por orçamento no futebol o mais correto será considerar todas as despesas que se vai ter ao longo de um ano. Simples. Depois cabe à SAD, com as suas próprias receitas, correntes ou mais-valias, cobrir as despesas. 

Assim se compreende como é possível afirmar que o orçamento do FC Porto para 2015-16 será de 150 milhões de euros. A surpresa? Nenhuma, pois está em linha com o que foi gasto na última época. De recordar:



Estas eram as despesas orçamentadas pelo FC Porto para 2014-15. Podíamos falar de um orçamento de 114 milhões para o último ano? Até podíamos. Mas importa sempre considerar aquilo que são os gastos com transferências. No caso, em 2014-15 o FC Porto teve gastos (em termos de contabilização, não de dinheiro investido durante o exercício) com aquisições de passes de 45,8M€. Assim, quase que se falaria de um investimento global de 160 milhões de euros, que foi superior ao que está a ser projetado para 2014-15. 

Mas depois entramos no campo semântico. Por exemplo, como contabilizar as transferências? Temos o caso de Imbula, de quem tomemos por referência os 20M€. É uma operação de 20M€, mas não necessariamente uma despesa de 20M€ em 2015-16. Há dois aspetos a considerar: o momento em que as tranches são pagas e o método de amortização do investimento. Neste caso, tendo Imbula assinado por 5 épocas, são deduzidos 4M€ por ano. A fórmula é sempre a mesma: preço total da contratação a dividir pelo número de anos (ou meses) de contrato. Logo, se em 2014-15 o FC Porto tivesse contratado apenas Imbula, também se poderia falar de 114 + 4 milhões. É tudo uma questão de interpretação.

Agora, a propósito dos 150 milhões. Seguindo a mesma fórmula, porque é que ninguém se escandalizou com o que o Benfica gastou para ser campeão e evitar o tetra do FC Porto em 2013-14? Talvez fiquem surpreendidos com o que foi o orçamento do Benfica para essa época: 109 milhões de euros de gastos operacionais + 49,3 milhões em reforços. Se fizermos as continhas e seguirmos a mesma lógica semântica aplicada ao FC Porto, concluímos que o Benfica teve um orçamento de 158,3M€ para ser campeão. Ou seja, quase idêntico ao que o FC Porto de Lopetegui, que diziam ser o mais caro de sempre, teve para 2014-15. 

E os 25 milhões do Sporting? Bruno de Carvalho engana quem quer. 25 milhões foi exatamente aquilo que o Sporting gastou, só em custos operacionais (ou seja, sem contratações), durante os primeiros 6 meses da época 2014-15. Então, no segundo semestre joga tudo de graça e ninguém paga a ninguém em Alvalade? Aparentemente, o presidente do Sporting quis associar a palavra orçamento àquilo que são os salários a pagar ao pessoal, pois foram gastos 12,1M€ em salários no primeiro semestre. Assumindo que no segundo a folha de vencimentos dobra, aí têm os 25M€. Lá está, semântica. Pode enganar quem quiser e quem quiser que se deixe enganar, mesmo com os números chapados à distância de uns clicks.

Semântica à parte, há a considerar a receita. O FC Porto já não terá, em 2015-16, a desvantagem de ter um prejuízo gigantesco a transitar do exercício anterior (cerca de 38M€ de 2013-14). Em 2014-15 estavam previstas receitas de 90M€, mas a SAD superou essa marca. Possivelmente a Champions não dará tanto dinheiro em 2015-16 (mesmo com o aumento de prémios, a não ser que se chegue aos 1/4), mas é difícil crer que as receitas do FC Porto sejam inferiores a 85/90M€ na próxima época.

O resto, já se sabe, tem que ser colmatado com a gestão de mais-valias. Ainda não se sabe quanto será necessário, pois o orçamento ainda não foi apresentado, mas podemos sempre contar com a já clássica necessidade de vender dois titulares. O que se deseja é que a SAD não pense que todas as épocas teremos capacidade para fazer cerca de 70M€ em mais-valias. Isso é exigir ao plantel e à equipa técnica aquilo que a própria SAD tem que alcançar: conseguir gerar mais receitas operacionais e reduzir a dependência de mais-valias, sobretudo se vamos continuar neste modelo orçamental de risco.

Fernando Gomes, não esquecer, disse em Maio que o orçamento para 2015-16 será inferior ao desta época. Mas reparem no que ele afirmou. «No entanto isso não significa que haja menor investimento na equipa de futebol». E não significa mesmo. Seja qual for o caminho semântico que a SAD deseja tomar, o que se pede é um orçamento exequível, que reduza a necessidade de mais-valias face a 2014-15, que permita manter todos os compromissos financeiros em dia, que não agrave o passivo e que o défice operacional seja coberto pela receita de transação de passes, sem que isso sacrifique 3 titulares de uma assentada. Parece fácil? Não é. É por isso que precisamos de (continuar a) ter uma gestão de excelência. 

20 comentários:

  1. E que consequências para as outras modalidades? Vamos ter mais um ANO DESASTRADO NESSE ASPETO? Lá vamos nós de ter de ver mais uma vez a vitória do andebol na Porto Canal?

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  2. Artigo fantástico. Devia ser lido por todos os jornalistas desportivos que escrevem por este país para ver se a sua ileteracia se reduzia de alguma forma.
    Parabéns ao TD!

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  3. Esperemos que a venda de Jackson se concretize, para não baralhar isto tudo...

    Gostei de tudo, muito claro como habitualmente, mas destaco a nota de humor final "(continuar a) ter uma gestão de excelência". Muito bom!

    Do Porto com Amor,
    LAeB

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  4. TdD, corremos o risco de, a continuar a neste caminho, entrar numa situação financeira complicada? Tal como teve o Sporting há uns anos, a beira de falência? Ou o que se lê por aí é pura e simplesmente desejos dos nossos rivais?

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    1. Claro que é desejo dos nossos rivais, o Porto é, dos 3 grandes, o clube com maior estabilidade financeira, não é por um investimento falhado que iremos entrar na bancarrota...

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    2. Continuem a pensar assim...quando acordarem ja sera tarde!!

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  5. Peço desculpa, mas um texto que espremido não dá nada.
    Um orçamento não é uma questão de semântica, é um instrumento de gestão muito importante, tão importante como um mapa numa viagem por caminhos desconhecidos.
    O orçamento do FCP para 2014/15 é esclarecedor e não tem nada a ver com Sportings, Benficas ou com resultados de anos anteriores.
    Assim como um mapa de uma região não tem nada a ver com mapas de outras regiões.
    Numa coisa concordo, temos de continuar com uma gestão de excelência. O problema que eu vejo é se isso é uma realidade ou apenas um desejo.

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  6. Considero que no FCPORTO há uma boa gestão mas não é de excelência.

    Os jogadores continuam a brincar nas selecções e assim podemos notar mais facilmente as consequências: a equipa vai para estágio sem Herrera e Reyes (que estarão na selecção), Gonçalo, Ruben Neves, Sérgio Oliveira e Ricardo Pereira ainda estão de férias porque estiveram nos sub21, Quaresma também ainda está de férias porque esteve na selecção principal.

    Isto simplesmente quer dizer que a direcção não consegue dar as melhores condições ao treinador, porque simplesmente vários jogadores não estão onde deveriam estar que é no estágio na Holanda.

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    1. Solução: fazer 2 estágios. Boa...?
      Pior: abdicar de jogadores internacionais na equipa.

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    2. Isso acontece em todos os grandes clubes e não ah nada que estes possam fazer.

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    3. Acontece em todos os grandes clubes porque os seus dirigentes andam a dormir.

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    4. " Quaresma também ainda está de férias porque esteve na selecção principal ". Ainda acreditas nisso? Sendo assim porque o Andre Andre ou o Danilo Pereira que tambem jogaram contra a Italia vieram mais cedo? Espero bem que o Quaresma vá para a turquia , já que este ano o Brahimi e o Tello vao ser os titulares e ja sabemos que o Quaresma nao aceita o banco.

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    5. Na época passada não estavam no FCPORTO, as férias não contam, além disso, têm que dar o litro para ficarem no plantel.

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  7. ....Luís Miguel, explica, como se fôssemos todos uma turma de pré-escolar, o que é uma gestão de excelencia, P.F.......

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    1. Ora essa, ega, então, gestão de excelência têm as federações que utilizam a seu bel prazer os jogadores dos clubes.

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  8. Oh Luís Miguel, esta é só a minha opinião, mas isso não tem a ver com gestão, tem a ver com estatutos federativos que, suportadas por politicas impostas pelos sucessivos governos, têm, desde há muitos anos, a ser combatidas por JNPC.

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    1. Independentemente dos estatutos federativos, é essencialmente uma questão de gestão.

      Helton, Maicon, Marcano, Evandro, e muitos outros no FCPORTO e noutros clubes jogam só nos seus clubes.

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  9. De e para portistas, O Tribunal do Dragão é um espaço de opinião, defesa, crítica e análise ao FC Porto. Quem confundir liberdade de expressão com injúria, insulto, mentira ou difamação não passará pelo lápis azul. Todo o «spam» será apagado. Comentários anónimos são susceptíveis de não serem publicados


    Gostaria de ressalvar a parte:

    "O Tribunal do Dragão é um espaço de opinião, defesa, crítica e análise ao FC Porto"

    Um gajo já nem pode criticar a gestão que de excelência vai tendo cada vez menos e de prejuízos cada vez mais.

    Custos de 160M ? e as receitas ordinárias de 90M ?
    é o descalabro total e este blogue ajuda a esconder as contas !

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    1. Apenas um blogue apresentou o Orçamento do FC Porto para a época 2014-15, em Outubro (coisa que nem sequer a imprensa fez).

      Adivinhe qual foi antes de escrever disparates.

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De e para portistas, O Tribunal do Dragão é um espaço de opinião, defesa, crítica e análise ao FC Porto.