quarta-feira, 2 de março de 2016

As mais-valias e a Champions

As análises aos R&C das SAD feitas pela nossa imprensa são sempre, no mínimo, criativas. As contas semestrais do FC Porto não são exceção. Escreve O Jogo que o prejuízo de 17,6M€ do primeiro semestre tornou a entrada direta na Liga dos Campeões 2016-17 «quase obrigatória». Não, não tornou. Já é obrigatória desde o início da época.

Angelino Ferreira, O Jogo
Quando a SAD apresentou a sua proposta de orçamento, estava previsto um encaixe de 27,437M€ com receitas da UEFA. Isto já implicava o apuramento direto para a Liga dos Campeões. No primeiro semestre, a SAD ganhou 11,698M€ em receitas da UEFA. Se entrar diretamente na Champions, recebe mais 12M€. Contas feitas são já 23,698M€ «garantidos». Tendo em conta os pozinhos que vão entrar no 3.º trimestre pela participação na Liga Europa, a SAD fica perto dos 27,437M€ a que se propôs no início da época. Não chega a atingir essa marca, pois falhou o apuramento para os 1/8, mas não é esta diferença que pode justificar a saída de mais um titular no final da época.

Posto isto, O Jogo escreve que falhar a Champions pode implicar um acréscimo de venda de jogadores no final da época. Óbvio. Mas a necessidade de mais-valias já é há muito conhecida. 

A SAD informou no orçamento que vai necessitar de 72,591M€ com mais-valias de jogadores no final da época. Entretanto, a saída de Alex Sandro fez com que este valor baixasse para 51,2M€. Saiu Imbula, mas os 24M€ da sua venda pouco servirão para reduzir esta necessidade. Imbula esteve menos de meio ano no FC Porto, o que significa que cerca de 18M€ não entrarão na amortização do passe. Se contarmos com as esperadas comissões do negócio (o R&C do 3º trimestre já deve esclarecer os papéis que a Doyen e Luciano D'Onofrio terão tido nesta transferência), será difícil imaginar que Imbula possa gerar uma mais-valia superior a - ou perto de - 5M€. 

Angelino Ferreira
A necessidade de mais-valias continuará sempre a implicar a saída de pelo menos 2 titulares no final da época. Resta saber quem. A SAD só tem 50% do passe de Brahimi, que vai sair. Há Herrera. Há Rúben Neves, cuja saída no fim da época seria um insulto ao portismo e à mística do clube. E de resto só há jogadores recém-contratados. Não há mais ninguém em condições de, no curto prazo, ser transferido por muitos milhões. Há vários excedentários que poderiam ser transferidos, mas são poucas as vezes em que a SAD lucra com emprestados. Além disso, a necessidade é de mais-valias, não de lucro. Seria necessário propostas muito boas para Brahimi e eventualmente Herrera chegarem sequer perto dos 30/35M€, quanto mais dos 50M€.

Se, além desta necessidade de mais-valias, admitirmos a hipótese de falhar o acesso direto à Liga dos Campeões... Inaceitável. Regra geral, no futebol português é campeã a equipa que investe mais. Quem tem o maior orçamento é, por norma, o campeão. O Benfica foi mais um exemplo disso em 2014-15. Mas o FC Porto arrisca tornar-se uma rara exceção em 2015-16. Ainda estamos na luta, matematicamente é possível. Mas face ao novo contrato de direitos televisivos, enaltecido pela SAD, é tempo de começar a pensar em orçamentos sem dar tantas receitas extraordinárias por garantidas.

O Sporting está em 1º. Coincidência ou não, está em primeiro após ter feito disparar as suas despesas salariais: 23,5M€ em seis meses, despesas ainda maiores do que com Godinho Lopes. O Benfica gastou mais 3M€ do que o Sporting. E o FC Porto gastou 36,8M€ em salários no primeiro semestre. Isto mostra que o investimento do FC Porto foi grande mas a matéria-prima não tem, em alguns casos, a qualidade desejada e exigida. E ainda assim, a SAD não admite outro cenário que não o acesso direto à Champions. Por que não estabelecer um teto salarial no plantel - o que até seria dispensável se passassem a pagar 3% de comissões a empresários?

E se o FC Porto falhar a Champions? Nenhum adepto, treinador ou jogador pode admitir isto. Mas um dirigente, na altura da elaboração do orçamento, tem que o fazer, com ceticismo e calculismo. É preciso um plano B, pois falhar a Champions em 2015-16 implica que a SAD tenha que vender um jogador que provavelmente nem tem. E face à necessidade de voltar a investir significativamente no plantel para 2016-17, torna-se insustentável continuar a pensar que o ovo estará sempre no sítio.

Angelino Ferreira
Há três grandes em Portugal, três equipas a jogar por duas vagas. A equipa que fique em 3º lugar fica com um grande problema financeiro para resolver. O FC Porto dependerá sempre de si próprio para, pelo menos, ir diretamente à Champions. E tem que se agarrar a essa obrigação. Mas na perspetiva da gestão da SAD, importa apostar cada vez mais em gerar receitas operacionais. 

As maiores fatias das receitas globais da SAD vão sempre para a venda de jogadores e para a entrada na Liga dos Campeões. É assim há anos, isto não é novidade. Mas repare-se que as receitas operacionais do FC Porto foram de 42,7M€. As do Sporting foram de 37,5. Isto tem que servir de alerta para a SAD para o 14º mandato: o FC Porto, clube mais vitorioso do século XXI e um habitué da Liga dos Campeões, (re)conhecido em todo o mundo, só consegue gerar mais 5M€ do que o Sporting, um clube pouco habituado à conquista de títulos, sem grande projeção na Champions e que saiu recentemente de uma situação de pré-falência. Ainda que o R&C semestral seja circunstancial, é o suficiente para merecer as nossas preocupações. 

É preciso ir à Liga dos Campeões, mas não é pelos resultados do primeiro semestre - é por aquilo que está definido desde o início da época. E com ou sem Champions, tudo se encaminha para uma revolução no plantel no final da época, restando saber se a UEFA implicará a saída ou manutenção de um jogador valioso (mas quem?). Até lá, há uma Taça de Portugal para ganhar e 10 finais no campeonato.

PS: Se o FC Porto terminar a época 2015-16 com um prejuízo superior a 8,65M€, arrisca falhar o fair play financeiro da UEFA, que acabou de excluir o Galatasaray da Liga dos Campeões. Se alguém pensa em fazer negócios à Mangala (só entrou no exercício de 2014-15, o que agravou o prejuízo de 2013-14), bem pode esquecê-lo: o FC Porto terá que garantir a Champions e as mais-valias necessárias até 30 de junho, não em julho ou agosto. A alternativa? Tudo aponta para isto: vai o resto do estádio. No pressure...

13 comentários:

  1. Caro TdD,
    sigo o blog há anos e gostaria que ficasse desde já um elogio ao trabalho desenvolvido.
    As contas são deveras preocupantes e não o foram tanto até agora (ou melhor, não se colocam tanto em causa quando se vence), porque havia sempre nomes que sabíamos que poderiam sair, o clube só tinha de escolher dois ou três e manter outros tantos.
    O problema de viver no fio da navalha é que este modelo só dura enquanto houver jogadores valorizados, caso não os haja, é o Porto que corre atrás das vendas e não o contrário. Dificuldade acrescida quando os passes são partilhados. Vejo com preocupação o facto de ter 50% de Brahimi (talvez o jogador mais valioso do plantel) e 80% de Danilo (novamente, via Portimão).
    Penso que a maioria dos adeptos não se importaria de viver um limbo desportivo se correspondesse a uma sustentabilidade financeira, infelizmente, a seca de títulos (e, mais preocupaste, a falta rumo) tem sido espelho de graves decisões.
    Não podemos ter tantos jogadores sob contrato, ainda por cima com a B. Não me parece que o problema esteja nos Danilos nem Sandros, mas nos Samis e Bolats. É muito fácil falar depois de saber se o jogador se impôs ou não, mas há erros mais evidentes do que outros. As contrações porque sim e as comissões estão a lapidar o Porto. Pior: não vejo fim à vista.
    Em relação à taça e ao campeonato: embora acredite que seja possível vencer ainda esta época, não resolve os problemas e ocultá-los ou esquecê-los poderia ser fatal.
    Abraço,

    DsT

    ResponderEliminar
  2. Mais um bom trabalho, o meu agradecimento por isso.

    Mas devo salientar que há aqui uma postura de conformismo que destoa com os constantes alertas à navegação. Dá já por garantido que haverá 14º mandato sem suscitar antes a respectiva discussão.

    De que adianta mandar recados a uma direcção que se assume como autista face a tudo o que vem de fora?

    De que adianta expor as fraudes (morais, no mínimo) que representam Alexandre PdC e outros comissionistas (que, em segunda instância, até beneficiam quem está estatutariamente impedido de ser beneficiado)?

    Não sou anjinho nem vivo noutro planeta, sei bem que a probabilidade de PdC ser reeleito é elevadíssima, mas deixe-me que lhe diga que é também nestes nossos espaços que podemos e devemos sentir o pulsar dos portistas e, com isso, mostrar a putativos candidatos que não só há espaço como é sua obrigação apresentarem-se a eleições em Abril.

    Mesmo sendo derrotados, esses putativos candidatos (desde que detentores de projectos credíveis) sairiam muitíssimo reforçados aos olhos dos adeptos. Por terem a coragem de ir à luta quando o clube mais deles precisa, mesmo sabendo de antemão que a vitória imediata é pouco mais do que uma miragem.

    Eu, no Do Porto com Amor, não deixarei de lutar por esta causa até ao último dia de admissão de candidaturas e convido o TdD a juntar-se.

    Abraço portista,

    LAeB : Do Porto com Amor

    ResponderEliminar
  3. Boa análise, sendo que os 72M€ já aumentaram, em virtude do fracasso na Champions/LE. Um cenário optimista: entram os 12M€ da Champions, o valor em vendas tem de atingir 75M€ (62.5 em 14/15) e o Imbula rende 6.2M€, ficando assim a faltar aproximadamente 65M€ brutos em vendas. Jogadores que podem ajudar a chegar a este valor (avaliações por alto):

    Rúben Neves: 25M€
    Herrera: 20M€
    Brahimi: 30M€ (reduzida %)
    Aboubakar: 20M€ (reduzida %)
    Suk: 10M€ (China)
    Total: -100M€, de onde tem de sair pelo menos 65M€.

    Nota final: se a massa salarial se mantiver nos 65/70M€ em 16/17 não só vão ter que ser vendidos vários jogadores até Junho como vai ser necessário vender outro Alex Sandro em Agosto, aumentar o endividamento, ou começar já a antecipar as receitas da MEO.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Está a ser optimista. Muito optimista. Manter a massa salarial no mesmo nível não é só um desastre como uma total irresponsabilidade! É dar um passo para o abismo.

      Eliminar
  4. Preocupante...
    Nada que já não se perspectiva, contudo os valores são inacreditáveis e inaceitáveis.

    ResponderEliminar
  5. "tudo se encaminha para uma revolução no plantel no final da época"

    Pois...isso se acontecer, também é um problema. Um camião a entrar e outro a sair todas as épocas...Assim torna-se (ainda) mais difícil.

    Tem que se tentar a todo o cuso vender alguns dos emprestados até 30 de Junho...mesmo que dê pouco...sempre é alguma coisa.

    Uma pergunta: a Sad não tem direito/ possibilidade de comprar mais 25% do Brahimi? ficando com 75% antes da venda...?

    ResponderEliminar
  6. Não se consegue uma lista alternativa? Nem que seja apenas para mostrar, ao menos por agora, que nem tudo é gente morta?

    Quando o barco estiver naufragado não faltarão candidatos a reclamar para si os despojos/salvados, mas gostaria muito de ver alguém com a coragem necessária para subir agora a bordo e tentar salvar o navio.

    Uma pena :(

    ResponderEliminar
  7. Caro Tribunal do Dragão, quanto é que vale a liga e a taça em termos económicos?

    Abraços.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A Taça, em caso de vitória na final, dá cerca de 1,1M€, já com as receitas televisivas. O campeonato não dá dinheiro pois os prémios que o FC Porto paga ao plantel pelo título são maiores do que os que a FPF paga ao clube campeão.

      Eliminar
    2. Obrigado pela informação.

      Estes trabalhos de analise aos R&C são excelentes.

      Abraços.

      Eliminar
  8. Parece—me negro o orçamento, e má gestão fazê—lo à custa de receitas que não são certas, mas pior de tudo são os custos com as negociatas e os empréstimos em cima de empréstimos! O custo de pessoal parecia certo que ia aumentar, mas com a redução do segundo semestre teremos provavelmente um custo com o plantei menor que o do Benfica e podemos ainda sermos campeões e o perigo de ficarmos fora da champions é igual para qualquer um dos três grandes.

    O importante agora é planear melhor as construções dos planteis e deixar de revoluções completas todos os anos e muito menos comprar 10/15 jogadores todos os anos. Se os responsáveis quiserem tem o plantel praticamente construído e apenas terão de fazer apostas em posições com défice. E ficaremos ainda com bastantes jogadores para servirem de mais valias e outros que poderão ficar muitos anos no Porto. Plantel para o ano:

    GR — Helton, Casillas, Gudino, José Sá, estamos mais do que servidos, depende do que os "velhos" queiram fazer à carreira e dependendo disso decidir com quem ficar.

    Laterais — Maxi, Layun, Vitor Garcia, Rafa, 4 laterais de qualidade, qualquer um dos novos podem ser claramente mais valias no futuro, Layun poderá ficar anos no Porto e poderá ser no futuro uma referência principalmente pela inteligência que mostra.

    Centrais — Indi, Marcano, Reyes, Chidozie, Lichnovsky, poderá ser reforçada aqui está posição, com a venda de um do centrais e o empréstimo de um dos novos, Marcano pela sua postura parece—me que poderá ficar também vários anos no clube

    Médios — Danilo, Ruben Neves, Oliveira, Josué, André André, Evandro, Quintero, Otávio, poderá vir mais um médio talvez para substituir Herrera e decidir com o treinador os jogadores a sair. Danilo, Ruben e Otávio são futuras mais valias, André André poderá ficar anos no clube.

    Alas— Corona, Varela, Ricardo Pereira, Hernani e é aqui que será necessário um maior investimento, serão necessários pelo menos dois alas de qualidade, um talvez o Rafa do Braga que se negociasse com a ida de algum excedentario e o empréstimo de André Silva (p.e.) Varela ficaria pelo tempo que tem no Porto. Corona será uma das futuras mais valias.

    Avançados — Aboubakar, Suk, André Silva, Bueno, Adrian Lopez, Gonçalo Paciência aqui talvez a necessidade da compra de um avançado mais competente e dar minutos a André Silva numa boa equipa da primeira liga, caso chegue um avançado a venda de um dos outros não é problema, se Adrian não contar para o treinador deverá ser vendido, André Silva poderá ser uma futura mais valia, Bueno e Suk poderão fazer parte muitos anos do clube.

    Ou seja do plantel atual haveria a venda do Brahimi e do Herrera, e a saída do Marega e Angel. Vários casos ficariam pendentes do treinador, podendo fazer ainda vendas de Maicon, Adrian e Aboubakar. Necessidades urgentes de alas, poderá ainda se comprar um central, um médio e um avançado. Não me parece que seja necessário grandes compras e fica claro que teremos um plantel com qualidade e com jogadores para gerar mais valias no futuro.

    ResponderEliminar
  9. face a isto é ao que tem acontecido nos últimos anos torna-se vital a aposta na formação de exelencia pois garante qualidade para o plantel e possíveis vendas.. O projecto da equipa b é positivo pois permite desenvolver jogadores quer da formação quer recém. chegados,.não faz sentido é todos anos comprar jogadores que já se sabe que não ter qualidade para equipa a,e outros que vem para a equipa e que vão ser para emprestar..

    ResponderEliminar
  10. Já na época passada a venda 'fictícia' à data de Jackson Martinez foi uma engenharia financeira para contornar a questão do fair-play financeiro

    ResponderEliminar

De e para portistas, O Tribunal do Dragão é um espaço de opinião, defesa, crítica e análise ao FC Porto.